Fugas - Viagens

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Fundão, coração de cereja

Por Luís Octávio Costa

Planeta cereja. Aterrámos no Fundão, terra de conversas que puxam cerejas e de cerejas que puxam conversas, de “refeições ligeiras”, do chá para as pessoas de barriga cheia e de histórias reais de naves espaciais.

As mãos de Maria Lucília são escuras, com sulcos como os das encostas percorridas pelo vento da Gardunha. Nos últimos cinquenta anos, Maria parece ter transferido a mocidade da sua pele para a “pele” vermelha e resplandescente das cerejas. O segredo fica bem guardado.

“Há 30 anos não havia tantos pomares. Havia burros e levávamos os baldes para o combpio, que ia para Lisboa.” Há duas mulheres nos longos corredores verdes deste cerejal que parecem não ter fim — o Fundão, a Gardunha, tudo por aqui parece um imenso cerejal, de braços abertos, pesados. Explorá-los é mágico. O vai-e-vem de baldes coloridos, as escadas de madeira presas e assimiladas pelas árvores, os homens camuflados, as conversas que são como as cerejas. “Podem comer à vontade, duas de cada vez.”

Palavra puxa palavra, palavra puxa cereja, cereja puxa cereja. “São quase 100 quilos por dia por pessoa”, ouve-se por entre a folhagem. As mãos sulcadas, rudes e meticulosas, apanham 100 quilos de cerejas por dia nos corredores verdes da Quinta do Pombal, na Aldeia Nova do Cabo. Nós, com a barriga — com a ajuda dos olhos —, comemos 100 quilos de cerejas por dia. “Alguma rachada a gente come”, sorri Ana Mota, mãos cheias a olhar para o balde azul. Só mais estas duas. Estavam a rir-se para mim.

Carlos sabe que “as variedades principais são umas 20”. Há por ali uma escala em cartão para tirar dúvidas. “Esta é calibre 32, a melhor.” A plantação de cerejeiras foi iniciada na serra da Gardunha há mais de cem anos, cobrindo agora mais de metade da área da freguesia de Alcongosta, onde se calcula que a produção de cereja atinja as mil toneladas. “Todas as pessoas têm meia dúzia de cerejeiras”, garante Manuel Raposo (71 anos), que não come cerejas em casa. “Só como na árvore, em casa não.” Entre as variedades autóctones, e outras de origem espanhola e canadiana, destacam-se nomes firmes, carnudos e doces como Burlat, Maringa, Cristalina, Morangão, do vermelho vivo ao vermelho púrpura.

No Fundão, que já proibiu a tradicional venda de cerejas à face da estrada, a previsão de produção de cereja para este ano ronda as seis mil toneladas — que representa cerca de 50% da produção nacional. Aqui, onde toda a gente parece ter pelo menos seis cerejeiras à porta, toda a gente parece ter pelo menos uma receita com cerejas, o “ouro vermelho” da região, um fruto que, diz quem sabe, “nem sequer é muito fácil de trabalhar”, dadas as suas características. Neste universo muito Charlie e a Fábrica de Chocolate, o mais difícil é não comer um (dois, três ou seis) pastel de nata que sabe a fruta, um pastel com polpa e pedacinhos de cereja fresca descaroçada — uma pérola recém-inventada e que ao longo do último ano comercializou cerca de 200 mil unidades —, não contar passas de cereja ao lado de uma pratada de arroz de carqueja, não lamber molho de cereja de carnes suculentas, não comer à colherada um bom pudim de cereja ou sorver ao sol o refrescante gaspacho de cereja.

Como as conversas, também a estratégia da Câmara do Fundão gera estratégia. Este ano, a campanha da cereja prevê o lançamento de uma série de produtos, que vão desde o bombom de gelado de cereja (parceria com a Santini, marca com que o Fundão já tinha o gelado de cereja), um iogurte grego de cereja (com a Yonest), chá preto aromatizado com cereja, lingotes de cereja tipo barras energéticas e uma bola de Berlim com recheio de cereja (parceria com a Sacolinha). “O lançamento de novos produtos é um dos eixos da nossa estratégia tendo em base a internacionalização”, disse à Fugas Paulo Fernandes, presidente da Câmara. Está prevista a distribuição de cerejas na classe executiva dos voos da TAP (entre 8 e 14 de Junho), assim como em 48 estações de serviço em auto-estradas. Para o Verão, o Fundão conta ainda apresentar-se nas praias portuguesas (Lisboa e Algarve) com cereja gelada.

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