Fugas - restaurantes e bares

  • Homem Cardoso / Quinta De La Rosa
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Cozinha da Clara: Comer à beira Douro com as histórias dos Bergqvist

Por Alexandra Prado Coelho

A Quinta de La Rosa, junto ao Pinhão, tem um novo restaurante. Com uma varanda sobre o Douro e uma carta elaborada pelo chef Pedro Cardoso, é uma homenagem a Claire Feurheerd, avó de Sophia, actualmente à frente do projecto.

Da parede negra do fundo da sala, Claire Feurheerd não tinha tirado os olhos de nós desde o início do jantar. Mas, naquele momento éramos nós quem olhava para ela, erguendo os copos com o La Rosa Vintage 1960. “À sua, avó”, disse Sophia. Depois, voltou-se para nós com um sorriso. “Ela deve estar a dizer, por amor de Deus, Sophia, para quê tudo isto?”.

“Isto” era uma homenagem à mulher que foi a alma da Quinta de La Rosa, no Douro, mesmo junto ao Pinhão, há muitos anos, na época em que quase ninguém vivia na região, pelo menos durante os meses de Inverno, em que o frio era tão grande que à noite ela “ficava com os cães dentro da cama para aquecer”.

Claire, que em 1906 tinha recebido a quinta como prenda de baptizado do seu bisavô, Dietrich Matthias Feurheerd, era diferente e não se importava com o isolamento daquele pedaço de Portugal então conhecido apenas pelo vinho do Porto. Razão, aliás, da vinda da família: Dietrich Feurheerd, nascido em Hamburgo no final do século XVIII, fundara uma empresa de vinho do Porto.

Passou-se mais de um século sobre essa história e estamos aqui, a convite de Sophia, descendente de ambos, para inaugurar a Cozinha de Clara, o novo restaurante da Quinta de La Rosa, homenagem, claro, à avó que gostava muito de cozinha. A memória de Sophia guarda ainda a imagem de Claire, sentada na mesa redonda da cozinha, a ler à sua cozinheira receitas de livros estrangeiro, muitas vezes adaptadas aos ingredientes que era possível encontrar no Douro.

Apesar de a casa antiga estar ainda muito semelhante ao que era no tempo da avó, não era realista criar o restaurante aí, por isso a família confiou ao arquitecto Belém Lima, o mesmo que tinha já feito o projecto da loja de vinhos e sala de provas da quinta, a concepção do novo restaurante, situado precisamente por baixo da loja, com uma vista magnífica para o Douro.

O arquitecto criou então este espaço sóbrio, com um tecto muito alto, de madeira clara, paredes brancas, chão negro como o xisto da região, e a tal parede negra ao fundo, onde foi colocado o quadro que representa Claire, iluminado por um foco de luz. Na parede do outro lado da sala, está escrito Cozinha da Clara, com a caligrafia da própria.

As letras, conta Sophia, foram retiradas das cartas de amor que a avó escrevera ao avô e que quase se perderam para sempre. A história de como foram encontradas é impressionante: há alguns anos, Sophia e a família foram à procura do que restava de uma antiga casa, junto ao rio Caima, que tinha sido morada dos avós e do pai na altura em que tinham uma fábrica de celulose na região.

Abandonada há muitas décadas, a casa teria sido assaltada por alguém que procurava objectos de valor. Quando Sophia entrou, viu imediatamente no meio da sala um baú antigo que os ladrões teriam arrastado do sótão na esperança de aí encontrar algo que valesse a pena. Mas os papéis velhos que encontraram no interior não lhes diziam nada. E, graças a isso, Sophia encontrou, por entre papelada da fábrica e revistas inglesas antigas, as cartas da avó.

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