A arquitectura tem uma inusitada similitude com a cozinha. Ambas requerem rigor e dedicação e podem ser marcantes quando triunfam ou falham nos seus objectivos. Se uma obra mal projectada se arrisca a perpetuar um erro diante dos olhos, a cozinha parece efémera na boca, mas tem o condão de tornar indeléveis as memórias de um prato. A possibilidade de conjugar o melhor destas duas artes deve ser um desafio estimulante. É o que se espera de um espaço como o Darwin´s Café, aberto desde Fevereiro de 2011 no Centro de Investigação da Fundação Champalimaud, junto ao passeio marítimo do eixo Belém-Algés.
A construção de um lugar dedicado à pesquisa médica "para o Desconhecido", expressão que também é utilizada para designar o centro, é um propósito meritório que desde logo se define como ambicioso do ponto de vista conceptual. Os dois volumes gizados pelo octogenário arquitecto indo-goês Charles Correa transmitem uma sensação de grandeza e ao mesmo tempo de tranquilidade. Tanto o edifício principal, onde ficam os laboratórios e a biblioteca, como o edifício da administração, que contém um auditório e o restaurante, exibem uma elegância que acrescenta paisagem à frente ribeirinha. Entre os dois corpos, um passeio em rampa ilusoriamente apontado ao céu convida-nos a assomar até ao fim da inclinação onde a foz do Tejo nos indica o mar como infinito - no fundo, outro caminho possível para o desconhecido. Um pequeno exercício contemplativo antes de se partir à descoberta do restaurante Darwin's Café.
O rasgo arquitectónico de Charles Correa prolonga-se ao entrarmos no salão de refeições, com as vidraças em fundo a transformarem a paisagem exterior num postal vivo que forra a transparência da quarta parede do espaço. Uma primeira área de acolhimento recria ao de leve um gabinete privado, com grandes poltronas acolchoadas em pele e uns livros antigos a induzirem um ambiente de estudo, quiçá semelhante ao de outro Charles; Darwin, autor da teoria da evolução das espécies. A obra do naturalista inglês serve de leitmotiv para a inspirada decoração que a Lanidor criou ao ficar com a gestão do espaço. Citações do investigador, um painel grandioso com ilustrações de peixes e borboletas, a simulação de uma biblioteca num dos extremos e outros pormenores estilísticos compõem um cenário envolvente. Ainda assim, a sala apresenta-se um pouco intimidante, esmagando-nos com as suas proporções.
O menu não se apresenta tão inebriante como a ambiência, com a oferta de almoço a ser praticamente igual à de jantar, mas a ser variada e com propostas geradoras de consensos, como a secção de massas (de 12,50 euros a 14,50 euros) e a de risottos (de 13 euros a 14,50 euros), além de estarem também presentes como guarnição de peixes e carnes. O único traço irreverente é um inusitado trio de pratos anunciados como "Brás de..." - de facto, um passo em direcção "ao desconhecido". Deve ser um exercício difícil explicar a um cliente, sobretudo estrangeiro e desconhecedor da cozinha tradicional (de frequência mais que provável), que determinado prato é uma espécie de "bacalhau à Brás", que nem figura na ementa, mas sem bacalhau! Um prato de autor identificado, amputado do seu principal ingrediente, é um pouco estranho, tal como o é tentar fazer omoletas sem ovos. Um uso desnecessário do apelido Brás em pratos que deviam viver pelo que são, sem apêndices que remetem para memórias gustativas erradas.
- Nome
- Darwin's Café
- Local
- Lisboa, Santa Maria de Belém, Avenida Brasília, Ala B - Centro de Investigação Fundação Champalimaud
- Telefone
- 210480222
- Horarios
- Segunda das 12:30 às 15:30
Terça a Domingo das 12:30 às 15:30 e das 19:30 às 23:00
- Website
- http://www.darwincafe.com
- Preço
- 35€
- Cozinha
- Portuguesa Contemporânea