Fugas - restaurantes e bares

  • Tomo no início do ikejime
    Tomo no início do ikejime Gonçalo Villaverde/Sangue na Guelra
  • Tomo mostra num peixe já aberto o ponto onde se deve introduzir o arame para
    Tomo mostra num peixe já aberto o ponto onde se deve introduzir o arame para "anestesiar" o peixe Gonçalo Villaverde/Sangue na Guelra
  • O chef japonês introduz o arame pela espinal medula do peixe, que a partir desse momento deixa de sentir dor
    O chef japonês introduz o arame pela espinal medula do peixe, que a partir desse momento deixa de sentir dor Gonçalo Villaverde/Sangue na Guelra
  • O peixe é posto a sangrar num tanque com água
    O peixe é posto a sangrar num tanque com água Gonçalo Villaverde/Sangue na Guelra
  • Morto com a técnica japonesa, o peixe demora muito mais a atingir o rigor mortis
    Morto com a técnica japonesa, o peixe demora muito mais a atingir o rigor mortis Gonçalo Villaverde/Sangue na Guelra
  • A forma como o peixe é morto influencia o sabor e textura da sua carne
    A forma como o peixe é morto influencia o sabor e textura da sua carne Gonçalo Villaverde/Sangue na Guelra

Tomo mostrou como se mata um peixe "sem stress"

Por Alexandra Prado Coelho

Num jantar do projecto Sangue na Guelra, o chef japonês demonstrou a técnica do ikejime e apelou a que mais pescadores em Portugal matem os peixes desta forma.

O rapaz aproxima-se com um prato onde estão umas fatias de sashimi. “Este é o peixe não stressado”, diz. “Já provou o stressado?”. Não tínhamos ainda provado, mas quando o fazemos, a diferença, no sabor mas sobretudo na textura, é evidente. O “stressado”, que inicialmente nos tinha parecido fresquíssimo, parece agora ligeiramente farinhento (à falta de melhor palavra) comparado com o outro.

A cena passa-se na segunda-feira à noite, na 1300 Taberna, na LX Factory, em Lisboa, antes de se iniciar o primeiro dos dois jantares do Sangue na Guelra – Young Chefs with Guts, projecto satélite do festival Peixe em Lisboa. Com o apoio da empresa Nutrifresco, que comercializa peixe, e do chef japonês Tomo (do restaurante Tomo, em Lisboa) estamos ali para assistir ao ikejime, um método tradicional japonês de matar um peixe “sem stress” ou, pelo menos, com o mínimo de stress possível.

O ambiente é solene e as câmaras fotográficas estão prontas para registar o momento. Pedro Bastos, da Nutrifresco, tem junto a si, numa caixa cheia de água, um robalo, com o qual Tomo vai demonstrar a técnica. Ao lado, um cartaz mostra em diferentes tipos de peixe os respectivos pontos de ikejime, todos situados um pouco acima do olho.

O processo – que é considerado o que menos sofrimento implica para o peixe – consiste na introdução de um arame no tal ponto indicado, pelo cérebro e pela espinal medula, de modo a paralisar o animal. Destruído o nervo que transmite as informações sobre sensações, o peixe, já em morte cerebral, deixa de sentir dor. “As células vão reagir como se continuasse vivo e isto atrasa o rigor mortis”, explica Pedro Bastos.

O que acontece nos barcos de pesca é que o peixe é deixado a estrebuchar durante um longo período, até acabar por morrer sufocado. “Isso não só significa um sofrimento muito maior, como um maior stress, que vai alterar a qualidade da carne”, diz o responsável da Nutrifresco. “Nesse processo o peixe está a gastar energia, e quando, já cansado, tenta gerar mais energia cria ácido lácteo que se vai armazenar nos tecidos musculares, o que altera o sabor.”

Tomo pega no animal e faz o primeiro golpe, na guelra, cortando a espinha e os principais vasos sanguíneos. De seguida dá um golpe, com a ponta da faca, junto ao rabo do peixe, cortando também aí a espinha. A partir daí o peixe vai começar a perder o sangue. Depois, o chef identifica o ponto do ikejime e, num gesto preciso, introduz o arame. O peixe deixa de se debater.

O processo demorou menos de um minuto. Tomo segura-o depois no ar para mostrar que o corpo cai, mole. Ou seja, muito diferente de outro robalo morto por asfixia lenta que foi colocado em cima de um jarro virado ao contrário e que está rígido, ou seja, em rigor mortis. O peixe é colocado dentro de água, onde continua a sangrar, até perder todo o sangue.

Há já algum tempo que Tomo defende que se deveria começar a usar o ikejime em Portugal. “É uma técnica que existe no Japão pelo menos há 250 anos”, afirma. “Aqui os pescadores têm que começar também este tipo de trabalho”. Mas estes têm-se mostrado resistentes à ideia. Tomo tem outro argumento para os convencer: “Quando o peixe é morto assim não precisam gastar tanto gelo para o conservar, porque, depois de ser sangrado, consegue manter-se umas 18 horas sem entrar em rigor mortis”.

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