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Carnaval de Binche: Um dia na vida de um gille

Por Sousa Ribeiro

Reconhecido pela Unesco como Património da Humanidade, este Carnaval belga é uma manifestação colorida e exótica que atrai milhares. Ser 'gille' não é para todos, mas quase todos os homens querem ser 'gilles'.

Às primeiras horas da madrugada, a cidade, envolta no mais profundo e fantasmagórico silêncio, começa a despertar sob o céu escuro. Nas casas dos gilles, até agora abraçadas pelas trevas, desponta o brilho das luzes. Os ponteiros dos relógios anunciam que pouco passa das três da manhã. No interior, a azáfama repete-se todos os anos por esta altura. A mulher do gille — ou outras pessoas que vivam sob o mesmo tecto — ajudam-no a vestir o traje de acordo com as regras da arte: a etapa mais delicada é a do enchimento, que deve transmitir ao gille a aparência de um corcunda sem que a palha se desfaça ou lhe provoque comichão — e apenas pode ser utilizada a palha de cevada e colhida no ano anterior.

Uma hora mais tarde, os tambores começam a rufar nas ruas de Binche e, seguindo um ritual imutável e dentro de uma ordem bem definida, as sociedades carnavalescas partem das suas sedes à procura (um a um) dos gilles nos seus domicílios. Gradualmente, estes juntam-se aos grupos e logo ensaiam os primeiros passos de dança, acompanhados de familiares e simpatizantes.

A alvorada não tarda a anunciar-se. Só ao fim de algumas horas é que a sociedade fica, finalmente, completa, um processo que é retardado pelo facto de cada gille ir lançando, durante o percurso, o seu ramon na direcção dos amigos, um gesto cordial e de estima que honra a pessoa reconhecida entre a multidão. Inicialmente uma vassoura — usada ainda em eventos semelhantes na Valónia e vulgarmente associada à expulsão do Inverno nos rituais pagãos — ou uma escova de mão, conhecidas como ramonette ou ramounette, termo que ainda subsiste no dialecto local, o ramon foi, com os tempos, transformado num objecto mais leve e com menos volume.

Actualmente, é produzido em série (feito de pauzinhos de salgueiro) mas, ainda na década de 1940, muitos dos gilles acorriam, eles próprios, aos bosques das redondezas para colherem os ramos de vidoeiro que depois atavam com um cordel ou um fio de arame, ambos desaparecidos por razões estéticas e substituídos pelo vime.

À medida que o cortejo se alonga, no seu frenesim cada vez mais agitado, a cidade é abraçada pelo rumor incessante dos tamancos que martelam as ruas empedradas (fora de questão para Binche ter as suas artérias asfaltadas); para os habitantes e para os visitantes que acorrem de outros lugares, esta hora matinal reveste-se de uma carga emocional sem paralelo ao longo do dia — porque o clima festivo, para ser vivido em toda a sua plenitude, obriga a levantar cedo da cama.

- Todos os anos, o Carnaval de Binche dá as boas-vindas a um milhar de actores e a mais de cem mil visitantes provenientes de todo o mundo, de França e do Reino Unido, do Canadá e do Brasil, da China e da Rússia, dos Estados Unidos. Não há dúvida de que o Carnaval, marcado por uma verdadeira comunhão, é o momento mais importante do ano para a cidade, garante Marie Lempereur, a responsável para a comunicação na área dos eventos e da cultura.

Cada gille tem de oferecer, mal o cortejo assome à sua porta, uma taça de champanhe (na véspera enchem-se os frigoríficos) a cada um dos seus companheiros e a tradição manda igualmente que, na Terça-feira Forda, os gilles apenas comam ostras e salmão fumado e bebam exclusivamente champanhe (o dia é longo mas, dançando e batendo as ruas, o álcool excedentário é facilmente eliminado).

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