Fugas - restaurantes e bares

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Também na Apúlia se saboreia a lampreia

Por José Augusto Moreira ,

Não é peixe nem é carne, mas por esta época impõe-se nas ementas mesmo em terra de pescadores. No Azeite e Alho serve-se também assada, a par de outros pratos que honram e enriquecem a tradição culinária.

Ela aí está! A temporada da lampreia já vai em pleno, a avivar palatos, animar tertúlias despertar paixões. Não é peixe nem é carne, há os que adoram e os que de falar já se arrepiam, os que preferem em arroz caldoso e os que se deliciam com os refogados mais aveludados, mas também aqueles que devotamente rumam ao Minho e os que a saboreiam por todo o lado. Esta é, sem sombra de dúvida, uma das mais palpitantes épocas do calendário gastronómico, e à chupa-pedras rainha de Inverno ninguém fica indiferente. 

É no Minho que, por tradição, o “bicho” é mais procurado. Seja pelos rios pejados de obstáculos e correntes acidentadas, que as fazem mais magras e musculadas, seja pela ancestral prática de as cozinhar, é pelos vales do Cávado, Lima e Minho que o divino ciclóstomo é mais procurado. 

Por aí fomos também, desta vez até à zona da foz do Cávado, na vila piscatória de Apúlia, onde entre Janeiro e Março os restaurantes locais juntam a lampreia à habitual oferta de pescado. Por entre a profusão de restaurantes e aparentados que povoam a frente marítima, o Azeite e Alho destaca-se por uma cozinha mais cuidada e com a marca diferenciadora do chef Ivo Loureiro. 

Mesmo em frente à duna onde está o primeiro dos icónicos moinhos locais, o restaurante fica no piso térreo de um daqueles prédios incaracterísticos de apartamentos de praia. Daqueles revestidos a mosaico e que foram uniformizando o “feísmo” arquitectónico que tem devastado a beleza natural da orla costeira. 

Duas salas contíguas, mesas e cadeiras em madeira escura a emprestar um ar de certa rusticidade num contexto de decoração cuidada. Dá para sentar aí uma meia centena de comensais em cada uma, se bem que a intimidade não esteja de forma alguma salvaguardada face à proximidade entre mesas. Toalhetes também escuros sobre as mesas, baixela ajustada e guardanapos de papel fibroso, tipo feltro. 

Escuro também o arroz de lampreia, que foi servido numa elegante terrina de louça branca. Quatro troços do ciclóstomo envolvidos num arroz entre o espesso e o caldoso, de sabor correcto mas sem deslumbrar. Seguiu-se outra metade do “bicho”, de tamanho mediano, na versão à bordalesa. Aveludado aprimorado com os sabores da lampreia e da prévia vinha de alhos a sobressaírem na associação com fatias de pão tostado e os grãos do arroz carolino cozido. Sabor, equilíbrio, carnes macias e texturas definidas a mostrar cuidado e saber culinário. Cada animal corresponde a uma dose (60€), ficando a meia dose com metade e preço na mesma proporção. 

Apesar da confecção e sabor aprimorados, houve sempre, no entanto, o cuidado de separar no prato os resquícios de pele. Há o risco de contaminação por sabores metálicos e lodosos que são próprios da lampreia, mas esta é matéria que está longe de ser consensual. Em certas zonas, e a foz do Cávado parece ser uma delas, a tradição é que o animal seja esfolado, assim fazendo sobressair o sabor e elegância diferenciadores das suas carnes. Noutras, a lampreia é escaldada e raspada, resultando numa textura mais gordurosa e sabores mais rústicos e vigorosos.

É uma questão de gosto. Por nós, quando esfolada faz toda a diferença. Não só porque evita a tal contaminação por sabores lodosos e metálicos, mas porque os cozinhados são assim mais elegantes e os sabores mais finos e diferenciados. E diminui também o efeito repelente para os mais relutantes à prova. 

No Azeite e Alho a lampreia serve-se também assada no forno na companhia de batatinha nova. Uma versão que não estava disponível no sábado à hora do jantar. 

Mas há mais vida na casa do chef Ivo Loureiro e a lampreia é apenas um complemento sazonal. Que até nem vem na lista, onde se destacam as entradas com clara vocação petisqueira, os pratos de peixe apoiados nas tradições e na qualidade do produto da pesca artesanal local e alguns pratos de carne de inspiração regional. 

Inspirada mesmo a canja de bacalhau (4€), que de entrada logo colocou as expectativas num patamar bem elevado. Uma variação da açorda alentejana, com um especioso caldo de bacalhau, tosta de bom pão, salsa, cebola e ovo escalfado. Belo efeito.

Na mesma linha de qualidade e execução a saladinha de búzios (3,50€), com cebola e pimentos picados, vinagreta suave e elegante complemento com arroz de sushi. Muito bem também os taquinhos de bacalhau (6€), uns “douradinhos” do fiel amigo impecavelmente fritos e escorridos envoltos em farinha e ovo. Ficou ainda a curiosidade pelos peixinhos de escabeche (5€), que não estavam disponíveis. 

Na lista, a juntar-se à canja de bacalhau, há ainda uma sopa de peixe atlântica (4€), e nas entradas há também coisas como gambas ao alho, alheira de caça com revueltos, saladinha de polvo ou tripinhas à moda do Porto (3,50/8€). Assim, sempre em designação com diminutivo mas em quantidades nada diminutas, num claro convite ao petisco e à partilha. 

Nos peixes, há um conjunto de propostas que remetem para a tradição local, às quais o chef empresta um complemento de rigor e contemporaneidade. Assim é com o arroz em homenagem ao pescador (18/34€ por meia ou uma dose). Um arroz de camarão, com salsa e pimentos, que vai depois ao forno para cozer levemente o filete de robalo que lhe é acrescentado. Sabores frescos do mar, cozeduras com grande rigor no prato delicado e onde a aparência de rusticidade é reforçada pela assadeira negra de Bisalhães que vai ao forno e à mesa. 

Há também uma açorda de robalo, fritada de polvo com gambas, assadeira de polvo à velha antiga, bacalhau na brasa à azeiteiro e a broa recheada de bacalhau, que é um dos pratos-estrela da cozinha de Ivo Loureiro (16/20€ as meias-doses). Aos pescados da costa, que variam com a oferta da faina diária, juntam-se os filetes de pescada com arroz de tomate (12,50€). 

Nas carnes, o cabritinho e seu arroz à moda de Bisalhães tem a companhia de cachaço de bísaro assado no forno, arroz de fumeiro com rojões grelhados de porco, arroz de pato no forno folhado e os nacos de lombo de boi grelhados. Preços entre os 12,50 e 20 euros para as meias-doses. 

Num repasto que terminou com a dita lampreia em dupla preparação, o Azeite e Alho mostrou saber e vocação, não só para o tempero, mas também domínio e critério culinário. Sobretudo nos pratos em que o chef valoriza e enriquece as receitas da tradição. 

A lista de vinhos é curta e pouco variada e fica, assim, claramente aquém daquilo que pede a variedade e características dos pratos que são propostos. Estando no Minho, em pleno coração dos vinhos verdes e em contexto piscatório de eleição, nota-se em particular a falta de brancos com boa frescura. 

Voltando à lampreia, dir-se-á que, apesar de a temporada oficial ter começado já há um mês, está a entrar agora na melhor fase. É a partir de agora, depois das chuvas, que as carnes do ciclóstomo se começam as mostrar mais magras e saborosas. Há, portanto, que aproveitar, e não tem que ser só no Minho. Já as degustámos também com grande satisfação pelas bandas do Mondego, na zona de Penacova, mas também Douro acima, entre Gondomar/Marco de Canaveses/Penafiel, e até em Lisboa, onde por esta altura abundam os restaurantes que oferecem “lampreia do rio Minho”. No Nabão, na zona de Tomar, e no médio Tejo é forte também a tradição e o fundamental é que seja bem cozinhada.

Nos concelhos do Alto Minho todos os fins-de-semana de Fevereiro e Março são dedicados à lampreia, e na zona do Mondego há dois festivais específicos. O de Penacova é no último fim-de-semana de Fevereiro, enquanto o de Montemor-o-Velho, que vai de 4 a 13 de Março, tem a vantagem de associar à lampreia o arroz carolino, que por ali se cultiva e que muitos garantem se o de mais apurada qualidade. Há, portanto, que aproveitar.
 

Nome
Restaurante Azeite e Alho
Local
Esposende, Apúlia, Rua do Facho, Lote 13
Telefone
253987048
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