Fugas - dicas dos leitores

Em Bucareste, o palácio que afronta o povo

Por Mário Menezes

"...quem visita este país deve ter em conta que uma das regras de boas maneiras é exactamente não mostrar, por maior que ele seja, o seu entusiasmo por visitar este palácio..."

Dia de Natal do ano de 1989. O mundo recebia pelas televisões a notícia da execução do ditador Nicolae Ceau?escu. Fuzilado, juntamente com a sua mulher Elena, condenado, após um julgamento sumário por crimes cometidos contra o povo. Dias antes em Timisoara, o todo poderoso ditador ordenou às tropas que abrissem fogo sobre os manifestantes. O país vivia tempos de revolução e revolta.

Semanas atrás, a queda do muro de Berlim e o colapso da URSS foram acontecimentos que despoletaram o colapso do comunismo (ou do que ele restava) na Europa. A Roménia foi o único país em que a revolução foi escrita com sangue.

Bucareste. Capital da Roménia. Outrora um mundo desconhecido para os ocidentais, e onde se praticava, entre outras atrocidades, a pena de morte, é hoje uma das maiores e mais modernas capitais da União Europeia, e local de origem de muitos emigrantes que elegeram Portugal como a sua segunda pátria.

Uma cidade rendida ao capitalismo ocidental. Abundam os restaurantes, cadeias de fast food, discotecas, modernos meios de transportes, hotéis de cinco estrelas e shoppings com centenas de lojas. Uma cidade de pedra, tal a concentração de enormes edifícios, largas avenidas e escassez de áreas verdes.

No coração da cidade sobressai o enorme, agora assim chamado, Palácio do Parlamento, o segundo maior edifício do mundo. Maior só mesmo o Pentágono. A obra inacabada de um louco ditador que sacrificou o seu povo à fome, outras privações e humilhações, para satisfazer os seus caprichos, como se de um faraó dos tempos modernos se tratasse.

A visita guiada ao seu interior, que dura cerca de duas horas, é apenas a uma pequena parte do palácio. Nem os próprios guias conhecem a totalidade do edifício com mais de um milhar de salas, cada uma com a sua decoração própria, 12 pisos de altura e oito subterrâneos (quatro ficaram por concluir) e uma arquitetura exterior inspirada em palácios que o ditador visitou quando se deslocou à China e à Coreia do Norte. Foi construído exclusivamente por materiais oriundos da Roménia (que é um país com enormes recursos) e com os serviços dos melhores arquitectos e engenheiros nacionais e internacionais ligados ao Partido e a mão de obra em regime de escravatura do povo, trabalhando até à morte.

Destaca-se uma das salas, interiores, sem janelas, para que Ceau?escu pudesse ali dentro escutar bem alto aqueles que lhe batiam palmas. Também uma das pelo menos três salas de teatro, que fazem lembrar o Scala de Milão frequentada pelos cabecilhas do Partido, onde assistiam a grandiosos e exclusivos espetáculos. Escadarias inspiradas no Hermitage de São Petersburgo e corredores ao estilo do Louvre de Paris.

A varanda com vista para a célebre Boulevarde Unirii, a avenida feita à imagem dos Champs Elysées, onde dois acontecimentos marcaram a história: um foi o dia que Ceau?escu ali chegou e disse que aquela avenida era pequena e que deveria ser prolongada até perder de vista. E então foram expropriadas ainda mais habitações e várias igreja foram transladadas. Uma destas igrejas é a Mihai Voda, que foi movida para 285 metros do seu local de origem. O segundo acontecimento foi o de 1992, quando Michael Jackson visitou a Roménia e dali do alto se dirigiu aos fãs dizendo “hello Budapest!”, confundindo a capital da Roménia com a da Hungria.

O visitante fica apoderado de um sentimento de estupefacção e revolta que vai aumentando à medida que vai percorrendo as diversas salas que o tour proporciona. É de facto muito difícil imaginar os limites da natureza humana. O egoísmo, a presunção e a maldade.

Quem visita este país deve ter em conta que uma das regras de boas maneiras é exactamente não mostrar, por maior que ele seja, o seu entusiasmo por visitar este palácio. O mesmo significa dor e ódio para o povo e só não foi demolido após a queda do regime pelo facto de a sua demolição ser mais onerosa que mantê-lo erguido ao longo dos anos. Hoje ainda continua em obras e há estudos em curso para minimizar os consumos de electricidade, nomeadamente através da utilização das energias renováveis. As visitas são só a uma pequena parte do palácio porque, mesmo nos dias de hoje, a opulência deste local choca os cidadãos da Roménia, um país onde o ordenado mínimo nacional ronda os 150 euros. 

E hoje já não se vêm pelo palácio torneiras de ouro nem outras extravagâncias que vieram a público aquando da queda do regime. Estávamos em 1989 e a Roménia vivia numa crise de dívida externa causada pelas extravagâncias de um louco ditador. O último discurso deste líder com pés de barro que o Mundo viu em directo na TV aludia a crescimento, prosperidade e esperança para o povo romeno. Já era tarde, ninguém o levava a sério...

A história repete-se e repetir-se-á! 

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