Fugas - restaurantes e bares

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Saborear enguias na terra do bacalhau

Por José Augusto Moreira ,

Há que passar por Ílhavo para se entender a saga heróica da pesca do “fiel amigo” e para o saborear nas suas receitas mais tradicionais. Foi n’ A Cave, na Gafanha da Encarnação, que nos repimpámos com um abafado de bacalhau e umas enguias de caldeirada. Duas tachadas de truz!

Sendo o bacalhau uma paixão nacional, bem se pode dizer que Ílhavo há-de ter um cantinho especial no coração dos portugueses. Mas sobretudo no palato, já que foi a partir daí que se formou o grosso da frota bacalhoeira e continua a ser com base no seu porto bacalhoeiro que o país se alimenta do “fiel amigo”. Do verdadeiro, o gadus morhua. Aquele que vem das águas frias do Atlântico Norte, que amarelece com a cura, que lasca quando chega ao prato e é apaixonadamente apreciado. 

Há que passar por Ílhavo para se entender a saga heróica da pesca à linha do bacalhau. Tem o Museu Marítimo, moderno e exemplar, onde a toda a história está muito bem documentada e exposta, e que inclui até, desde há três anos, um aquário de bacalhaus; Tem também, atracado no porto, o arrastão Santo André, para mostrar como era dura a vida daqueles que fizeram a história da “faina maior”; e tem até um festival dedicado ao bacalhau onde este é saboreado nas múltiplas tasquinhas segundo as receitas mais típicas e tradicionais, e que todos os anos atrai centenas de milhar de visitantes, tal como mais uma vez aconteceu no final da semana passada. 

Não espanta, pois, que em Ílhavo e nas suas Gafanhas (da Nazaré, da Encarnação e do Carmo), o bacalhau reine em toda a restauração, cozinhado das mais diversas formas e aproveitando todos os seus componentes. São típicos os cozinhados com as línguas, as caras e os sames, os “excedentes” da pesca que os embarcados aproveitavam então para confeccionar os raros pitéus de que podiam usufruir a bordo. 

Hoje são pratos de culto na região as feijoadas de sames ou as choras, uma espécie de sopa com as caras de bacalhau que os pescadores engrossavam com arroz e (por vezes) grão, e podiam enriquecer com um aroma de toucinho ou chouriço. 

Nem se pense, no entanto, que o bacalhau reina sozinho. A ria e o mar fornecem mariscos e peixes frescos e as enguias — fritas, em caldeiradas ou em ensopados — são chamariz igualmente apelativo.

É assim também n’ A Cave, no miolo da Gafanha da Encarnação, um restaurante-bar- garrafeira de raiz popular, onde nos repimpámos com um abafado de bacalhau e umas enguias à moda de caldeirada. Duas tachadas de truz!

Facilmente se intui que este é um daqueles restaurantes que nasceu a partir da cozinha. Havia o café e uns cozinhados esporádicos servidos por encomenda em sala anexa, que a fama e procura crescente fizeram evoluir para a mesa posta e ementa diária. 

Entra-se para o café original pela rua central, sendo o principal acesso ao restaurante por uma artéria lateral. A sala é moderna, com mesas, baixela e decoração a condizer, adequado serviço de copos e uma estante-garrafeira muito bem fornida logo à entrada. Na outra ponta é possível entrever-se a dinâmica da cozinha, de aspecto organizado e bem apetrechada. 

A lista propõe alguns cozinhados específicos que carecem de encomenda, como o abafado de bacalhau e o ensopado de peixe, mas há também pratos específicos para os fins-de-semana: bacalhau à litoral, cozido à portuguesa e leitão à moda da Bairrada, aos domingos; bacalhau com natas e dobrada, aos sábados; chanfana e vitela no forno nos dois dias. 

Foi depois de um abafado encomendado por amigos zelosos que ficou a vontade de voltar a esta cave de cozinha dinâmica e bons sabores. O bacalhau, de boa estirpe e cura, é grelhado e as postas são grosseiramente desfeitas à mão antes de ir ao tacho, a que se juntam batatas e couve lombarda previamente cozidas. Alho e azeite no fundo do tacho, uma camada com batatas, depois os pedaços de bacalhau e as folhas de couve branca a cobrirem. Vai ao calor abafado pela tampa do tacho de alumínio para ressuar no vapor de azeite e alho que saborosamente tudo contamina. Cada tachada, para dois ou mais, custa 20 euros. 

Reincidimos, então, sem encomendas prévias e com alguma espera, já que aos fins-de semana a casa enche e o ambiente aparenta ser de animada satisfação. Umas petingas fritas (2€) e amêijoas à Bulhão Pato (9€), para fazer as entradas. Melhores as primeiras, bem escorridas e saborosas, já que as amêijoas, não sendo más, não eram daquelas gordas e babosas como por estes lados sempre nos habituaram. 

Seguiu-se a caldeirada de enguias (25€), um tacho que se anuncia para dois mas que satisfez quatro, e com cresces. As enguias num caldo espesso de cebola, alho e azeite. E as batatas saborosas. Poucos ingredientes mas um concentrado de paladar, aromas, frescura e uma gordura saborosa que resulta da banha de sal, como nos explicaram. Um belíssimo petisco! 

Muito bem também o bacalhau na grelha (10€), de boa cura, consistente, gelatinoso e a decompor-se em lascas saborosas, que mereceu aprovação e aplauso. Acompanhou com batatas a murro, repolho cozido e bom azeite, que é sempre o melhor aliado do “fiel amigo”. 

A lista propõe também ovas de bacalhau, pimentos de Padron e gambas ao alho, como “Entradas”, enquanto a oferta de “Peixes” se alarga ao bacalhau com broa, bife de atum, caldeirada à fragateira, arroz de mariscos, massada de tamboril, além dos peixes do dia com variedade dependente da faina. 

É claro que também há “Carnes”, com dois bifes (ao sal e ao alho), espeto de lombo de porco, naco de vitela e picanha. Mas com tanto peixe e tradição poucos parecem apostar no sangue por estas paragens. 

À boa cozinha, com base na tradição e os melhores produtos, A Cave contém também um serviço dinâmico, cuidado e despachado, ao que se junta uma abrangente garrafeira. Com os habituais Douro e Alentejo, mas também com boas opções na relação entre preço e qualidade e interessantes propostas da Bairrada (espumantes incluídos), o que é sempre boa notícia. 

Nome
A Cave
Local
Ílhavo, Gafanha da Encarnação, Rua Prof. Francisco Corujo, 165
Telefone
234362301
Horarios
Domingo, Segunda-feira, Terça-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 12:00 às 22:00
Preço
20€
Cozinha
Portuguesa
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