Fugas - restaurantes e bares

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Canja-ramen, croquetes de orelha de coentrada e outras artes de Bruno Caseiro

Por Alexandra Prado Coelho ,

Bruno Caseiro, discípulo de Nuno Mendes, vindo da Taberna do Mercado, em Londres, é o chef do Celeiro, o novo restaurante do Hotel Sublime Comporta. Entre um pastel de massa tenra e uma sericaia acabada de fazer, percebemos por que é que pratos que julgamos conhecer são aqui transformados em algo diferente — e sempre delicioso.

Num dia Bruno Caseiro estava em Londres a explicar aos ingleses que se pode comer peixe com cabeça e no seguinte estava na Comporta, rodeado por pinheiros, dunas e arrozais, a tentar conhecer produtores da costa alentejana e os melhores produtos da região. 

“Ainda tenho os caixotes da mudança todos por abrir na minha casa”, confessava à Fugas no início de Agosto. O restaurante cuja cozinha agora chefia — o Celeiro, do Hotel Sublime Comporta, num novo edifício em madeira, desenhado por Miguel Câncio Martins e José Alberto Charrua, a evocar os celeiros locais e muito maior do que o que existia anteriormente (190m2 no interior e 150 m2 de esplanada) — acabara de abrir as portas e Bruno estava nos primeiros dias de trabalho.

O facto de os proprietários do Sublime Comporta, o piloto da TAP Gonçalo Pessoa e a mulher, Patrícia, terem olhado para Londres, e mais exactamente para a Taberna do Mercado do português Nuno Mendes, quando procuravam um novo chef diz muito da ambição que têm para o Celeiro. 

“Sentia que estava a precisar de uma pausa de Londres e estava prestes a sair da Taberna do Mercado para ir fazer um projecto de consultoria fora. Entretanto, estabeleceram-se os contactos e, através do chef Nuno Mendes, surgiu a possibilidade de ser eu a vir para o Celeiro. Foi uma feliz coincidência e achei que era altura de dar uma nova oportunidade a Portugal”, conta Bruno. 

Assim, quem for ao Celeiro vai encontrar reflectida na cozinha de Bruno Caseiro a escola de Nuno Mendes: uma comida inspirada pelos produtos e receitas tradicionais portuguesas, mas que não se fica pela simples reprodução. Cada prato é trabalhado de uma forma inteligente, com intervenções que têm sempre um sentido, que se afastam da receita base apenas o suficiente para percebermos que o que ali está é um universo de sabores que pode ser esticado nesta ou naquela direcção sem perder a identidade. E, a somar-se a isto, uma enorme preocupação em encontrar os melhores produtores e os produtos de maior qualidade. 

Quando se olha para a carta fica-se com a ideia de que é um restaurante tradicional, com pratos aparentemente vulgares como pastéis de massa tenra, bolinho de bacalhau, carapaus com molho à espanhola, tiborna de ovos mexidos com farinheira, bacalhau assado, polvo com batata doce ou plumas de porco alentejano. Mas é um engano pensar assim. Nada aqui é feito de forma banal. 

Um óptimo exemplo para começarmos a descobrir o trabalho do Bruno: a canja. Chama-se canja de choco e lingueirão (no dia em que a provámos, o lingueirão, em época de defeso, tinha sido substituído por amêijoas). O chef explica: “É uma canja feita com caldo de porco. Adoro ramen, por isso achei que podíamos fazer uma canja inspirada no ramen. O ovo tem a ver com isso, mas fica roxo por fora por ser feito em vinha d’alhos à qual adicionei um pouco de mel para cortar a adstringência do vinho. Uso um piso de coentros, porque estamos no Alentejo, o caldo de porco com pimenta e um pouco de molho Bulhão Pato.”

Entre as entradas está também uma que vem directamente da Taberna do Mercado, os deliciosos peixinhos da horta com molho Bulhão Pato. Bruno diz que “em receita que ganha não se mexe” e atribui os créditos a António Galapito e a Nuno Mendes. Para quem não teve oportunidade de provar estes “peixinhos” em Londres, recomenda-se uma ida ao Celeiro porque vale mesmo a pena. 

Outra entrada que Bruno apresenta é o pastel de massa tenra, com a massa feita em casa, usando banha retirada da carne de porco preto. “Dentro tem um recheio de carne picada de porco e novilho, enchidos de porco preto, cogumelos e, para lhe dar cremosidade, um roux [base de molhos] feito com a gordura do porco.” 

E se, no caso na empada, as alterações são para acentuar os sabores, nos croquetes de orelha de coentrada a ideia foi manter o sabor do prato original mas transformar a forma como é apresentado. “Faço uma terrine de orelha, corto em quadrados que passo por um polme de amendoim e cerveja e frito para ficarem crocantes por fora”, explica o chef. São servidos com uma maionese de coentros com amendoim triturado. 

Provámos ainda as migas de espinafres com salada de legumes grelhados e queijo fresco de uma queijaria de Alcácer — resultado já das pesquisas de Bruno em busca de produtores locais. E também a presa de porco alentejano com grelos grelhados, que tem a particularidade de levar uma fatia finíssima da papada que é salgada e fumada na casa e posta por cima da carne quando esta está quente, dando-lhe um toque de gordura a que é difícil resistir. 

Comida fresca e moderna

Bruno fez o curso na Escola de Hotelaria e Turismo de Lisboa e começou por estagiar no Viajante, um dos projectos anteriores de Nuno Mendes. Na altura em que estava a terminar o curso foi desafiado pela escola para, juntamente com um colega, criar pratos para um jantar com vinhos da Bairrada e o resultado foi surpreendente para quem teve a oportunidade de os provar. 

“Essa era uma cozinha com algumas influências do que tinha visto no Viajante e daquela onda que invadiu a Europa influenciada pelo Noma e pelos restaurantes da Dinamarca”, recorda. “As modas vão e vêm, essa foi uma tendência que ficou algum tempo. Gosto de pegar no que há de interessante, nas novas técnicas e preparações e formas de olhar os ingredientes.” 

Ainda com Nuno Mendes passou pelo muito badalado Chiltern Firehouse, em Londres, e depois fez uma viagem pela América do Sul durante a qual passou pelo Chile, Peru e, no Brasil, pelo D.O.M de Alex Atala, em São Paulo. Seguiu-se um ano e dois meses de trabalho na Taberna do Mercado e, agora, o regresso a Portugal. 

“Acho que nós, cozinheiros portugueses, temos a responsabilidade de estudarmos melhor a nossa comida e a nossa herança gastronómica”, diz. “Apesar de estarmos com os olhos abertos em relação ao que se passa lá fora, devemos sempre voltar à gastronomia portuguesa, revisitar receitas antigas, aplicar novas, perceber que relação existe entre o que se fazia há 200 anos em Portugal e o que se está a fazer de novo.”

Na Taberna aprendeu muito, não só sobre a cozinha portuguesa mas sobre a forma como os outros olham para ela. “O restaurante fica numa zona hipster de Londres, onde há sempre novidades, muitos artistas, muita boémia, e nós tínhamos o desafio de transformar a imagem do que é português e é tido como pesado, muito temperado, refeições muito fartas. Tínhamos a responsabilidade de adequar a comida portuguesa ao palato dos ingleses que, apesar de gostarem de coisas como miudezas, não gostam de ver peixes inteiros no prato. Nós, aos poucos, fomos forçando um bocadinho essas barreiras. Gostávamos, por exemplo, de fazer peixes inteiros grelhados e ao princípio aquilo chocava pessoas mais susceptíveis.”

Enquanto tentava encontrar soluções para quando apareciam pessoas com “alergia a coentros ou intolerância ao alho” foi descobrindo, com Nuno Mendes, que “a comida portuguesa pode ser fresca e moderna e cool e vir nuns pratos divertidos”. 

Uma das coisas que mais sucesso fazia na Taberna eram as sobremesas. “Eram as mais fotografadas no Instagram”, diz Bruno, sorrindo. “A grande maioria das fotos publicadas pelos clientes era de sobremesas, o que mostra o impacto da doçaria portuguesa.” No Celeiro, as sobremesas seguem a mesma lógica dos pratos — são portuguesas mas têm pequenas adaptações. Há uma salada de fruta grelhada com o queijo fresco de Alcácer, amêndoa tostada e hortelã, uma mousse de alfarroba com natas de medronho e uma sericaia em versão individual, que tem a particularidade de ser feita ao momento e na qual a ameixa de Elvas é substituída por uma cereja em conserva. 

Se anteriormente o restaurante do Sublime Comporta era sobretudo para os hóspedes, o novo Celeiro está aberto a todos (tal como o bar e o spa do hotel, onde são usados produtos orgânicos da marca The Organic Pharmacy). Distinguido pela revista Travel + Leisure como um dos Melhores Novos Hotéis do Mundo ainda antes de completar um ano de existência, o Sublime Comporta está agora a subir a fasquia e, com Bruno Caseiro e a sua equipa, propõe-se ter (pelo menos) um dos melhores restaurantes da região. 

Nome
Restaurante Celeiro
Local
Grândola, Grândola, Hotel Sublime Comporta, EN 261-1
Telefone
269449376
Website
http://www.sublimecomporta.pt
Cozinha
Portuguesa
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