Fugas - restaurantes e bares

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Norte, uma cervejaria forte e desenrascada

Por Alexandra Couto ,

Uma casa que regressa às origens tornada cervejaria “para toda a família, onde se sintam bem tanto os pais, como os avós e as crianças”. Vamos beber o Norte em Santa Maria da Feira.

Há mais de um século, quando Manuel Francisco Pinto abalou para Lisboa num vagão de comboio sem deixar que lhe vissem mais do que as roupas modestas e um pedaço de broa embrulhado num lenço, outros passageiros ignoraram-no o suficiente para discutir à sua frente os pormenores da grande compra que se propunham fazer num leilão das Finanças. Em causa estavam uns quantos quarteirões de terreno na entrada norte da então Vila da Feira, junto à Igreja da Misericórdia, e os fidalgos acordaram entre si que não dariam mais do que 9000$00 para arrematar essas propriedades.

Manuel Pinto “Barba Negra” sentiu-se aliviado por levar consigo mais do que isso, mas não se denunciou e, horas mais tarde, quando ofereceu 10 contos de réis pelas terras em questão, foi tal a desconfiança quanto à origem desse capital que o prenderam por suspeita de roubo. Mas quando as autoridades contactaram um juiz da Feira para averiguar a reputação do sujeito, as instruções foram claras e categóricas: “Libertem já esse homem! Ele é meu senhorio!” 

Foi assim que a antiga casa da Quinta da Misericórdia chegou às mãos da família Pinto “Barba Negra”, para ser depois ocupada por inquilinos de outras linhagens: acolheu uma sociedade de cafés e um negócio de assar cabritos, foi sede do Clube Desportivo Feirense e da Banda de Música dos Bombeiros, funcionou também como loja de máquinas Singer, escritório de advogados e, durante mais de 50 anos, como drogaria. 

O regresso às origens deu-se só em 2014, quando Simão Mateus, bisneto de Manuel Pinto, se decidiu recuperar a casa que o bisavô registara em 1917 e transformá-la numa cervejaria “para toda a família, onde se sintam bem tanto os pais, como os avós e as crianças”. A requalificação foi exigente, até porque o imóvel está inserido na zona histórica da Feira e por isso mesmo todos os passos da empreitada obrigaram à supervisão de um arqueológo, mas desse esforço resultou um espaço com peculiar carisma e bom gosto estético, em que áreas físicas bem distintas se interligam de forma sempre fluida, acolhedora e ampla. 

Logo à entrada, o balcão do hall apresenta-se num registo de cafetaria, com bancos altos e uma área de estar convidativa. À esquerda, mais resguardada, apresenta-se a chamada Sala da Pedra, com móveis de linhas contemporâneas preenchidos por vasos de suculentas, telefonias vintage da marca Schneider e máquinas de escrever Triumph. As mesas são rodeadas por cadeiras desirmanadas que bamboleiam com frequência, mas até nisso há o seu encanto, ou não estivesse todo o mobiliário da sala assente sobre pedra centenária, descoberta durante as escavações que permitiram aumentar o pé-direito do edifício. 

Já no lado oposto da cervejaria, a área principal é mais espaçosa e vibrante, e dá acesso a um terraço exterior que, sendo relvado, arejado e soalheiro, ainda assim confere alguma privacidade tanto à zona de mesas como à de pufes. A envolvente ajuda: de frente para a rua, um muro que esconde os carros e realça a igreja; ao lado, um prédio com estendais de roupa catita e uma vedação de raízes naturais intrincadas pela mãe de Simão Mateus; junto às escadas de acesso ao interior, um viçoso jardim vertical plantado pelo seu pai.

Mais de 30 opções de cerveja

Escolhido o cenário, a carta da casa faz o resto e é “tipicamente portuguesa, à boa maneira das cervejarias tradicionais”. Todos os dias há dois menus de almoço económicos, mas convém sempre consultar a restante oferta, porque, logo na lista de entradas, há petiscos como crepes de camarão, croquetes de alheira, ovos rotos, calamares, moelas, rojões ou uma tábua de queijos e enchidos. O leque de opções alarga-se depois com propostas como sandes de bochecha de porco, prego em bolo do caco, bacalhau à Brás, bife com molho de cerveja preta, hambúrguer recheado com queijo da serra e ainda francesinhas de porco, vaca ou vitela. Se o leque de sobremesas revela mais contenção, é para que sobre vontade de matar a sede. Para isso, há sumos, refrigerantes, vinhos, espumantes, sidras, sangrias e licorosos, mas, pelo menos neste “Norte” tão próximo do Castelo da Feira, a cervejaria faz efectivamente jus ao seu nome e deixa que seja a cerveja a reinar. Os apreciadores podem assim escolher entre sete opções de pressão, desde a lambreta de 15 centilitros até ao metro de três litros, e 30 cervejas artesanais, metade das quais de fabrico português. A lista inclui brancas, loiras, ruivas, morenas e pretas, todas mais ou menos frutadas, com ou sem álcool, com ou sem glúten. Dúvidas na escolha? “É favor perguntar ao pessoal de mesa, que recebeu formação para explicar as diferenças”, revela Simão Mateus.

Se a ideia era “dar um novo ‘Norte’ à restauração da Feira”, o empresário acredita que o conseguiu. “Temos aqui um espaço diferente, em que as pessoas podem beber uma boa cerveja, de forma cómoda e confortável, sem deixarem de poder estar à conversa em simultâneo”, defende. Esse conforto implica considerável azáfama na cozinha, para que tudo seja confeccionado “com brio”, mas um cartaz aí afixado lembra aos funcionários que o mais importante é o paladar e a boa companhia. Afinal, o Norte quer-se “forte, honesto e desenrascado”, lê-se na parede. Quer-se sempre directo, “sem mariquices”.

Nome
Norte
Local
Santa Maria da Feira, Feira, Rua António Ferreira Soares, 166 (em frente à Igreja da Misericórdia)
Telefone
256303302
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