Fugas - Vinhos

Fernando Veludo/NFactos

Boa notícia: somos o povo que mais vinho bebe por habitante

Por Pedro Garcias (crónica)

Orgulhosamente, somos o povo com o maior consumo de vinho per capita do mundo, de acordo com o último relatório da Organização Internacional da Vinha e do Vinho.

Temos fama e proveito, senhor Dijsseelb... Esse mesmo. Ser do Sul da Europa e beber pouco vinho, a mais sã das bebidas, já dizia Pasteur, é que seria uma desonra.

Não somos, como foi erradamente noticiado por alguns jornais, os maiores consumidores de vinho do mundo. Esse título pertence aos Estados Unidos, com 38,1 milhões de hectolitros (nós consumimos 4,8 milhões de hectolitros). Lideramos é no consumo por habitante. Cada um de nós, em média, bebe 54 litros de vinho por ano, nada que faça de nós uns bêbados. Pode parecer, mas não somos propriamente discípulos do confessor do Rei Luís XIII, P. Sirmond, segundo o qual se deve beber vinho sempre que se coloca alguma das seguintes condições: a chegada de um amigo que se quer celebrar, a sede do momento que precisa de ser saciada, a sede futura que se pretende evitar, a bondade do vinho que se quer enaltecer ou qualquer outro motivo não previsto nos anteriores.

Também não somos tão machistas como Camilo José Cela, para quem o vinho serve para quase tudo, até para fazer as mulheres felizes, “desde que seja o homem a bebê-lo”. Vendo bem, até bebemos pouco: 54 litros por ano corresponde a 4,5 litros por mês, o que dá cerca de um copo por dia, a dose certa que os médicos recomendam. Claro que, sendo uma média, haverá uns quantos portugueses que bebem a dobrar. Mas gente excessiva existe em todo o lado. E as médias servem para colocar tudo no seu devido lugar

Outra conclusão interessante: também não bebemos acima das nossas possibilidades. Produzimos 6 milhões de hectolitros de vinho e bebemos 4,8 milhões. O restante vendemos. Não está mal. Bem basta o que fazemos com o azeite, em que, estatisticamente, somos auto-suficientes: exportamos o que produzimos e importamos o que consumimos. Dito de outra maneira: vendemos o melhor e compramos o pior. Quem sabe se não é por isso que sofremos tantos ataques cardíacos. Pelo vinho não é: os franceses também bebem bem (estão logo a seguir a nós, com 51,8 litros por habitante) e morrem pouco do coração, mesmo comendo tudo com molhos e sendo perdidinhos por queijo.

Estranhamente, apesar de consumirmos grande parte do que produzimos, ainda conseguimos ser o 8º maior exportador de vinho do mundo, com 2,8 milhões de hectolitros e uma receita de 734 milhões de euros. Parece um erro estatístico: se produzimos 6 milhões de hectolitros e bebemos 4,8 milhões, como podemos vender 2,8 milhões? Não é o milagre da multiplicação dos pães, nem ninguém está grosso; é, presumimos, o efeito vinho de mesa, que importamos a granel de outros países e revendemos depois, uma boa parte desgraçadamente a nós próprios.

Muito do vinho que encontramos a preços tão baixos nos nossos hipermercados, engarrafado com marcas bem portuguesas, não tem nada de português. A fatia maior vem oficialmente de Espanha, mas algum até pode vir de Marrocos ou de outro país qualquer (basta entrar no circuito europeu para ganhar cidadina europeia...). Da China, por exemplo, que já possui a segunda maior área de vinha do mundo, com 847 mil hectares (num ranking liderado pela Espanha) e que é o quinto maior produtor de vinho (Itália é o primeiro). Aqui, já não somos tão bons: com cinco vezes a nossa área de vinha, que é de 195 mil hectares, a Espanha produz 6,5 vezes mais do que nós. E a Itália é ainda mais competitiva, com 50,9 milhões de hectolitos de vinho em 690 mil hectares de vinha. Enquanto nós precisamos de 32,5 mil hectares de vinha para produzir um milhão de hectolitros, os italianos precisam apenas de cerca de 13, 5 mil hectares. Mas não vamos falar de coisas tristes.

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