Fugas - Viagens

  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic
  • Dragoljub Zamurovic

No caminho de Saramago

Por Dragoljub Zamurovic (fotografia), André Cunha e Maja Spanjevic (texto)

Um trabalho de Dragoljub Zamurovic, reputado fotógrafo sérvio, que nos conduz por quadros vivos de um Portugal que tanto ecoa na memória como supreende. Parte das imagens integram uma exposição na principal rua pedonal de Belgrado, a propósito da Feira do Livro da capital sérvia que, este ano (23 a 30/10), tem a Língua Portuguesa como convidada de honra.

Em "Viagem a Portugal, Terra Verde", Zamurovic une dois Nobel da Literatura: Saramago e o seu clássico "Viagem a Portugal" e Andrić (servo-croata, nascido na, então, Jugoslávia) que também relatou viagens lusas, como, precisamente, em "Portugal, Terra Verde". Um "puzzle" português congregado num projecto do fotógrafo com André Cunha e Maja Spanjevic. 


Acordamos na fronteira. "Estranho despertar este em que o ar fresco e o verde se parecem com uma alvorada da minha infância. (...) Portugal abre a porta verde como numa manhã de festa." Ivo Andric, Nobel da literatura há 50 anos. Ele, nós os dois, o Dragoljub e a Dobrila Zamurovic, a Pilar e, claro, o José a guiar. Cabemos os sete no carro ali parado, numa ponte sobre o Douro, no "exacto centímetro por onde passa a invisível linha de fronteira", enquanto ecoa o sermão aos peixes que abriu, há três décadas, a sua "Viagem a Portugal", agora nossa.

Dobrila explica porque Dragoljub parece meio-triste: "Perguntámos às pessoas, em Miranda, onde Saramago começou a viagem, mas ninguém sabe. O Dragoljub queria pôr metade da máquina debaixo de água e fotografar os peixes e o céu daquele lugar." Pilar também gostaria de imaginar essa foto: "Os peixes têm mais sentido de comunidade do que os humanos.

As fronteiras, as bandeiras e os hinos são invenções humanas que perdem sentido perante a força prodigiosa de nos sabermos da mesma espécie. Se nos põem uns contra os outros, devemos dizer que não, que somos inteligentes como os peixes e que todos nadamos nas mesmas águas." No Douro ou no Duero, de onde o escritor partira para "olhar e ver" as cores de dentro do arco-íris português. "É o livro que levaria para uma ilha deserta", diz-nos Pilar, porque é nele que "Saramago está mais. Sem Viagem a Portugal talvez não tivéssemos o Saramago que hoje nos habita". E que agora nos guia...

Vermelho. A primeira cor do arco-íris. O vermelho das papoilas da página do lado, que, se vissem dali o Marvão, escutariam o José a compará-lo com "um daqueles mosteiros gregos do monte Athos". A mesma cor que salpica as cerejeiras do Solar de Mateus, antes que algum viajante sortudo apanhe o maravilhoso fruto: "Surpreendeu-nos ver escadas para as pessoas subirem às árvores e colherem cerejas no jardim do Palácio." Outra coisa não seria de esperar, diria o José, que ali se sentira "Viajante no País das Maravilhas", dentro do caleidoscópio criado pelo espelho dos lagos.

Laranja. "Portugal", Andric diria, "é um país associado à forma e ao sabor da laranja". Talvez porque a Sérvia pode ter a melhor cereja do mundo, os Zamurovic preferiram a fruta do sul: "Doces, grandes e sumarentas." Seriam talvez da "babilónia" de Setúbal, onde Saramago, passando fora de época, perdeu a "quinta-essência" do fruto que se chama portocal em algumas línguas dos Balcãs. "Foram as melhores laranjas que provámos na vida", assevera Dobrila. O amarelo do sol. Aquele dos rebordos dos lares alentejanos (além do azul do mar), em contraste com o branco dominante.

Fugimos pois das sete cores do arco-íris, levados por Saramago, para a brancura "dos abraços de cal que vão cingindo as ruas, luz de luar que ficou agarrada e não se apaga. (...) Quem foi que disse que o branco não é cor, mas sim ausência dela?" Dragoljub responde-lhe fotografando aquele homem que passa ali na rua. José dá a legenda: "Que paixão de branco vive na alma desta gente escura, tisnada de sol e suor." Aquele homem quase caminha para a adega onde, descreve agora a Pilar, "aqueles homens cantam segurando o mundo com as suas vidas". Dobrila brilha: "Alentejo, campo, liberdade. Percebi estas palavras e cantei com eles. De certa maneira faz-me lembrar a klapa da Dalmácia." Ouvindo a cantoria, José "fecharia os punhos sobre os olhos para não o verem chorar".

Voltamos ao arco do céu. Depois do amarelo, vem o verde de que Andric tanto gosta. Tanto que chamou à sua crónica "Portugal, terra verde", cujas frases de que apanhamos boleia foram traduzidas por Jairo Dorado. Dragoljub diz que o verde é uma cor difícil de traduzir na imagem, porque "é fria. É preciso encontrar alguma coisa de outra cor que possa acentuar um detalhe", e aponta a foto aérea daqueles agricultores do Ribatejo que, relembra-nos Saramago, estão sempre "a lavrar, semear, adubar, mondar, colher, o mesmo princípio e o mesmo fim, o verdadeiro movimento contínuo, que não precisou de inventor porque foi o da necessidade".

Azul. Do mar que espera por aquele rio na imagem do fotógrafo-pássaro ou do mar interior do escritor: "Os rios, como os homens, só perto do fim vêm a saber para o que nasceram." Ao lado, há um outro rio, uma outra cor, um quadro quase duplicado nas pinceladas de Zamurovic: "Tenho sempre uma composição na cabeça que procuro na natureza, nos vários sítios do mundo. Este pequeno rio de curvas apertadas é quase igual a uma foto do rio Uvac, na Sérvia. A fotografia aérea é muitas vezes uma pintura abstracta. Depois descobre-se um detalhe, algo de real. Sou um pintor com máquina fotográfica." Escutando-o, José avisa que "há um quadro que ninguém poderá pintar, é uma sinfonia, uma ópera, é o inexprimível. (...) A oitava maravilha do mundo". E pasmamos todos diante dos vinhedos do Douro.

Com tantas cores, vocês esquecem-se das pedras, mais importantes do que as paisagens, avisa Pilar. E José concorda porque em Monsanto "procura pedras, as que nenhum escopro bateu, ou, tendo batido, nelas deixou intacta a brutalidade (...) Junta-se um homem, junta-se uma pedra, homem, pedra, pedra, homem, (...) até à formação do inteiro corpo português". É por passagens como esta que Pilar insiste que esta Viagem a Portugal não é um guia: "É um testamento e um projecto de vida. Oxalá pudéssemos voltar àquele Portugal. Modesto, com problemas, mas com consciência de ser e com uma honestidade que se derrama pelas páginas do livro."

Entre o azul e o violeta que fecha o arco-íris, está o anil, cor que muitas vezes o olho humano não distingue, mas que habitualmente não escapa à lente de Dragoljub Zamurovic. "Em cada livro ou grande projecto que faço tento sempre ter um arco." E onde foi o mais bonito? "Na Voivodina. Na planície via-se a volta completa, o que é raro. Tive imensa sorte em apanhar um homem com um burro e com ovelhas por baixo.

Infelizmente, não vimos nenhum arco-íris em Portugal." No caminho de Saramago houve um, "o mais perfeito e completo de todos", anotou o escritor. E quando o nosso companheiro de viagem "passa debaixo do arco-íris, vê que lhe caem sobre os ombros tintas de várias cores, mas não se importa, felizmente são tintas que não se apagam e ficam como tatuagens vivas".

Feira do Livro de Belgrado

--%>