Fugas - Viagens

  • Sérgio C. Andrade percorreu o roteiro Douro a 7 Chaves. 200km com passagem por sete igrejas. http://fugas.publico.pt/284453
    Sérgio C. Andrade percorreu o roteiro Douro a 7 Chaves. 200km com passagem por sete igrejas. http://fugas.publico.pt/284453 Fernando Veludo/nFactos
  • Lamego | Igreja do Desterro
    Lamego | Igreja do Desterro Fernando Veludo/nFactos
  • Lamego | Igreja do Desterro
    Lamego | Igreja do Desterro Fernando Veludo/nFactos
  • Lamego | Igreja do Desterro
    Lamego | Igreja do Desterro Fernando Veludo/nFactos
  • Tabuaço | Igreja Matriz de Barcos
    Tabuaço | Igreja Matriz de Barcos Fernando Veludo/nFactos
  • Tabuaço | Igreja Matriz de Barcos
    Tabuaço | Igreja Matriz de Barcos Fernando Veludo/nFactos
  • Tabuaço | Igreja Matriz de Barcos
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  • Tabuaço | Igreja Matriz de Barcos
    Tabuaço | Igreja Matriz de Barcos Fernando Veludo/nFactos
  • Vila Real | Igreja Paroquial de São João de Lobrigos
    Vila Real | Igreja Paroquial de São João de Lobrigos Fernando Veludo/nFactos
  • Vila Real | Igreja Paroquial de São João de Lobrigos
    Vila Real | Igreja Paroquial de São João de Lobrigos Fernando Veludo/nFactos
  • Vila Real | Igreja Paroquial de São João de Lobrigos
    Vila Real | Igreja Paroquial de São João de Lobrigos Fernando Veludo/nFactos
  • Tabuaço | Igreja de São Pedro das Águias
    Tabuaço | Igreja de São Pedro das Águias Fernando Veludo/nFactos
  • Tabuaço | Igreja de São Pedro das Águias
    Tabuaço | Igreja de São Pedro das Águias Fernando Veludo/nFactos
  • Tabuaço | Igreja de São Pedro das Águias
    Tabuaço | Igreja de São Pedro das Águias Fernando Veludo/nFactos
  • Trevões | Igreja Matriz de Santa Maria de Trevões
    Trevões | Igreja Matriz de Santa Maria de Trevões Fernando Veludo/nFactos
  • Trevões | Igreja Matriz de Santa Maria de Trevões
    Trevões | Igreja Matriz de Santa Maria de Trevões Fernando Veludo/nFactos
  • Trevões | Igreja Matriz de Santa Maria de Trevões
    Trevões | Igreja Matriz de Santa Maria de Trevões Fernando Veludo/nFactos
  • Trevões | Igreja Matriz de Santa Maria de Trevões
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  • Sabrosa | Igreja Paroquial de Provesende
    Sabrosa | Igreja Paroquial de Provesende Fernando Veludo/nFactos
  • Sabrosa | Igreja Paroquial de Provesende
    Sabrosa | Igreja Paroquial de Provesende Fernando Veludo/nFactos
  • Sabrosa | Igreja Paroquial de Provesende
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  • Sabrosa | Igreja Paroquial de Provesende
    Sabrosa | Igreja Paroquial de Provesende Fernando Veludo/nFactos
  • Vila Real | Igreja Matriz de São Frutuoso de Constantim
    Vila Real | Igreja Matriz de São Frutuoso de Constantim Fernando Veludo/nFactos
  • Vila Real | Igreja Matriz de São Frutuoso de Constantim
    Vila Real | Igreja Matriz de São Frutuoso de Constantim Fernando Veludo/nFactos
  • Vila Real | Igreja Matriz de São Frutuoso de Constantim
    Vila Real | Igreja Matriz de São Frutuoso de Constantim Fernando Veludo/nFactos

O Douro e as 7 chaves do vale sagrado

Por Sérgio C. Andrade

Ir à procura de lugares, paisagens, templos e monumentos de valor histórico e patrimonial é a proposta de um novo roteiro para o Douro. Mas é preciso encontrar a chave que nos dá entrada nestes lugares de religião e à volta dos quais se organizaram as comunidades. Partimos em busca desses guardiões dos templos
Quando chegámos à igreja de Barcos, uma aldeia do Douro Vinhateiro no concelho de Tabuaço, com as suas ruas estreitas calcetadas de novo e muitas das suas pequenas casas recuperadas, perguntámos onde poderíamos pedir a chave para visitar o templo. "É ir logo ali à frente, à casa com o nº 5, e bater à porta", responde uma senhora sentada à sua janela, a ver quem passa. Na casa, Dona Lurdinhas Cabral está mesmo a acabar de almoçar; pede para esperarmos enquanto vai apagar o fogão. "Como é que vieram aqui parar? Não gosto nada de dar a chave, assim, a qualquer pessoa. Nunca se sabe... Costumo mandar ir buscá-la directamente ao senhor abade", diz esta mulher de idade avançada. Mas acredita nas nossas intenções e, solícita, abre-nos a porta desta igreja românica e gótica dedicada à Nossa Senhora da Assunção.


Alguns quilómetros mais à frente, passadas as numerosas curvas nesta encosta na margem esquerda do Douro virada a sul, quase a caminho das "Terras do Demo" de que fala Aquilino, é Dona Cassilda quem nos franqueia a porta da igreja de base gótica de Trevões, já no concelho de São João da Pesqueira. Mas, antes de nos revelar o seu nome, apresenta-se como "uma empregada de Nosso Senhor Jesus Cristo", desde há várias décadas, quando decidiu assumir o "compromisso sagrado" de cuidar da igreja da terra. "Não sei se vocês são dos Monumentos do Estado, daquele que caiu ou do que lá vem...", atira Dona Cassilda, nesse dia em que José Sócrates tinha acabado de anunciar a demissão do cargo de primeiro-ministro. Mas logo se faz guia da riqueza do interior desta igreja numa terra que chegou a ser residência de Verão do Bispo de Lamego. "Antigamente, dizia-se "Bispo de Lamego e Abade de Trevões"", salienta Dona Cassilda, a atestar os pergaminhos da sua aldeia. E encaminha-nos para o túmulo alegadamente de D. Francisco de Almeida, dizendo tratar-se de um vice-rei da Índia. "Foi um senhor dos Monumentos que veio cá um dia, e nos disse que tínhamos aqui uma figura muito ilustre", assegura a guardiã do templo, mostrando um pequeno papel com o nome citado.

São estas situações e estes encontros inesperados que o projecto Douro Religioso: conhecer, visitar, reconhecer quer proporcionar aos turistas e a qualquer dos visitantes portugueses e estrangeiros que procurem a região. "Queremos que as pessoas fiquem com uma ideia do valor patrimonial do Douro, mas que entrem também em contacto com a população e com a vida local", explica Varico Pereira, o coordenador deste projecto que foi lançado pela Turel, uma cooperativa de turismo religioso com sede em Braga, e que conta com a parceria da Diocese de Lamego, da Estrutura de Missão do Douro, das delegações de Turismo do Douro e do Porto e Norte de Portugal e também da Delegação Regional de Cultura do Norte.

Três roteiros

O programa Douro Religioso está decomposto em três roteiros de viagem através de 24 concelhos do território englobado pelo Plano de Desenvolvimento Turístico do Vale do Douro, e que vai de Baião a Torre de Moncorvo, de Sernancelhe a Vila Flor, abrangendo as dioceses de Lamego, Vila Real, Bragança, Miranda e Porto. "É também um roteiro de aventura; é ir à descoberta dos tesouros escondidos em igrejas que normalmente estão fechadas ao público e cujo espólio constituirá certamente uma surpresa para o visitante", nota Varico Pereira.

O coordenador do projecto guiou a Fugas no roteiro Douro a 7 Chaves, o mais curto dos três que são propostos, e que sugere um circuito de quase 200 quilómetros com passagem por sete igrejas localizadas tanto a norte como a sul do rio. A intenção inicial da Turel era apresentar Douro a 7 Chaves como uma viagem para fazer num só dia, mas a experiência no terreno mostrou que, no mínimo, serão necessários dois para visitar todos os lugares assinalados, tirando deles - e da própria viagem e contacto com a população - o benefício proposto.

O ponto de partida desta viagem é Lamego, não tanto para visitar a Sé (esta entra no roteiro do Douro Maravilhoso - ver caixa), uma das mais importantes na região e com peso reconhecido na História de Portugal, mas para ir ao Museu Diocesano, mesmo em frente à catedral, que funcionará como ponto de acolhimento e de informação e também como centro de interpretação dos programas propostos. Aqui, a partir do final deste mês, o visitante poderá adquirir um livro-guia (que será igualmente distribuído, gratuitamente, nos postos de turismo do Douro, no Museu Diocesano de Lamego e na Turel, em Braga), ver um documentário e também uma exposição documental de fotografias (até 5 de Junho), de Hermínio Lopes e de Marco Mota, relativa ao inventário que precedeu a montagem das três rotas. Será ainda disponibilizado ao visitante um áudio-guia/MP3 que ajudará na viagem à descoberta de cada um dos trinta recursos patrimoniais, que serão referenciados com as respectivas coordenadas geográficas (GPS).

Sete chaves para sete igrejas

O roteiro que a organização propõe para a viagem Douro a 7 Chaves passa pelas igrejas seguintes: Desterro (Lamego), São João de Lobrigos (Santa Marta de Penaguião), São Frutuoso de Constantim (Vila Real), Provesende (Sabrosa), Trevões (São João da Pesqueira), São Pedro das Águias e Barcos (ambas em Tabuaço). Mas a ordem da viagem é arbitrária, e será sempre decidida pelo interesse e pela disponibilidade de tempo do viajante (que poderá naturalmente organizar o seu roteiro cruzando a seu bel-prazer os sítios inventariados em cada rota).

A ideia é mesmo ir à descoberta - e ir à procura da chave. A da igreja do Desterro, que passa despercebida a quem chega a Lamego vindo da AE24, está na posse do casal Aurora-António Almeida, na casa "logo a seguir à funerária". Coube a António Almeida, trabalhador reformado, fazer as honras da visita a este templo que "está fechado a maior parte do tempo" e onde "só há missa uma vez no ano, no dia de São Pedro", o padroeiro.

Como as outras igrejas que integram este roteiro, a do Desterro foi alvo de uma "intervenção conservativa, não de restauro", explicam à Fugas Victor Roriz e Marco Mota, dois técnicos da empresa Signinum, também com sede em Braga, que foi responsável pelo inventário do património envolvido neste projecto de turismo religioso. Do património desta igreja fazem parte grandes telas com representações da Natividade, mas actualmente encontramos aí apenas as cópias, já que os originais estão no Museu de Lamego. "A ideia é fazer regressar as telas, quando a intervenção na igreja estiver acabada", diz Varico Pereira, chamando também a atenção para uma pintura sobre madeira da Fuga para o Egipto, e para o valioso azulejo do século XVII - "são os azulejos que mais impressionam os turistas", salienta António Almeida. Mas a riqueza maior da Igreja do Desterro - como da maioria das que visitaremos a seguir -, muitas vezes escondida por fachadas de aparência discreta, está no barroco da talha dourada omnipresente tanto nos altares como nas decorações de tectos e paredes. A do Desterro é "uma talha muito rica, de estilo barroco joanino tardio" - explica Victor Roriz -, de autoria de artesãos lamecences, que tiveram uma importante escola desta arte, expressão da riqueza da região no tempo em que o ouro era trazido do Brasil.

No decorrer da jornada, ser-nos-á explicada a diferença entre o barroco, o barroco joanino e o nacional, com base na teoria elaborada pelo historiador de arte norte-americano Robert Smith, que se ocupou, em particular, do estudo deste estilo artístico em Portugal e no Brasil. A igreja de Barcos, classificada como Monumento Nacional, é um bom exemplo da proliferação do barroco nacional, marcado pela abundância de elementos decorativos fitomórficos, como parras de videira e cachos de uvas (estamos no Douro Vinhateiro), além da Fénix (a ave mitológica que representa o renascimento após a morte), das colunas salomónicas e dos altares rematados em arco.

Em Tabuaço, fizemos um desvio a um reduto inexplorado da natureza, para visitar a Igreja de São Pedro das Águias, um pequeno edifício românico construído num recanto isolado do vale do rio Távora. Num cenário onde predominam as oliveiras e se ouvem apenas os pássaros e o marulhar do rio, os monges erigiram um eremitério em granito, que tem a porta de entrada não só virada mas praticamente encostada à escarpa. "Esta igreja foi feita para servir deus e não os homens, daí a sua localização e orientação", explica Marco Mota, que nos chama ainda a atenção para a sua "decoração antropomórfica, com esculturas de animais e bestas pouco trabalhadas". Aqui não é preciso procurar a chave - a igreja só se abre em ocasiões muito especiais -, "trata-se apenas de descobrir o sítio e usufruir dele e admirar a igreja pelo exterior", realça Varico Pereira. É, de facto, um lugar único, uma autêntica viagem ao fundo do mundo neste lugar escondido do vale do Douro.

Do outro lado do rio

Em Trevões, para além do encontro indispensável com Dona Cassilda, é muito provável que o visitante se cruze com o jovem e pouco convencional padre Amadeu, eventualmente vestido com jeans e camisola vermelha, que "obrigará" o visitante a tomar um café no "seu" Lar de Santa Marinha, onde conseguiu proporcionar habitação e um quotidiano condignos para os habitantes mais velhos da terra. "O meu objectivo é agora construir um novo lar e acabar o museu", diz-nos o abade da aldeia, que, natural de Castro Daire, se "apaixonou" por Trevões quando aí fez o estágio eclesiástico. "Quem se portava mal no seminário, vinha parar ao Douro. Eu vim e fiquei", justifica.

Nova longa viagem, agora para passar para a margem norte do Douro, com travessia no Pinhão e chegada a Provesende, a poucos quilómetros mas muitas curvas encosta acima. Aqui não é preciso procurar a guardiã; a chave está mesmo na porta da igreja neoclássica, que tem um órgão de tubos velho e calado. Situação curiosa é o padre da terra ter vindo a receber, nos últimos anos, de forma anónima, muitas das peças isoladas do instrumento musical. "São os habitantes que recolheram os tubos do órgão quando eram crianças e agora acharam que deveriam devolvê-los para ajudar à sua recuperação, mas não tiveram a coragem de assumir o seu "pecado"", comenta Varico Pereira. Um altar com as Almas do Purgatório, a Santíssima Trindade e Nossa Senhora e o Menino, além de "talha barroca que mistura o joanino com o neoclássico, em motivos fitomórficos decorados a folha de ouro pintada", nota Victor Roriz, fazem o tesouro deste templo, que costuma acolher concertos de música antiga.

Em Constantim, na periferia de Vila Real, o padre Norberto Portelinha adia o início da missa das 18h00 para nos acolher e ciceronear a visita à sua igreja devotada a Nossa Senhora da Feira e a São Frutuoso - um missionário do século XII, de que a terra guarda uma relíquia (parte do crânio, "que tem alturas em que se conhecem os pelinhos da cabeça", assegura o sacristão) e o túmulo. Mas a peça mais invulgar do templo é uma sacristia rotativa, com cenas da vida de Cristo esculpidas a canivete, e que o padre Portelinha diz ser "única". "Já perguntei em todas as terras portuguesas no mundo, e ninguém me falou em ter nenhuma peça do género", diz o pároco, que também nos chama a atenção para o tecto da igreja revestido com "velhas aduelas de vinho fino - mas agora já não se sente o cheiro do vinho", graceja...

O roteiro feito pela Fugas pelo Douro a 7 Chaves terminou, já noite dentro e debaixo de chuva intensa, em São João de Lobrigos, à chegada a Santa Marta de Penaguião. Demorámos algum tempo a descobrir o paradeiro do ferreiro Joaquim Peixoto, que guarda a chave desta igreja que tem uma invulgar torre sineira ao centro e uma entrada em galilé encimada por uma cúpula. Mas, uma vez mais, é lá dentro que está a principal justificação para a visita: a riqueza da talha barroca, a porta do sacrário em relevo representando o cordeiro de Deus e uma notável série de pinturas na capela-mor representando a vida de São João Baptista e dos Apóstolos. E há também um órgão móvel, "o único que funciona em Vila Real, e toca todos os domingos", afirma, sorridente de orgulho, o ferreiro Joaquim Peixoto.

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