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Zanzibar, o encanto do Índico

Por Amílcar Correia

Foi um centro do comércio de escravos e um dos maiores produtores de cravinho. Agora, é o charme da cidade de pedra e o exotismo das praias que fazem da ilha um dos destinos africanos mais procurados.

Toda a gente já foi uma vez na vida a Zanzibar, mesmo que nunca lá tenha estado realmente. Se é frequente confundir a noção de remoto com Alice Springs ou com um ilhéu perdido na Melanésia, a ideia de sonho ou de aventura sempre remeteu para ilhas como esta do oceano Índico. O percurso marítimo português navegou por esta costa acima e abaixo e dela sobreviveram uma série de nomes exóticos, quer seja cá, quer seja lá. Literalmente, um punhado de palavras portuguesas migrou para o suaíli, a língua falada na costa oriental de África, entre Mogadíscio e o Norte de Moçambique. Portanto, mesa, batata, limão e muitas outras significam isso mesmo, embora possa existir uma outra variante na grafia das palavras e ligeiras diferenças entre o suaíli do arquipélago e o do continente.

"Hakuna matata", como diria o rei Leão, esse mesmo, que também falava suaíli e que utilizava aquela expressão, que é, talvez, a mais usada na ilha. De facto, não há problema! No entanto, apesar da história e das aventuras e desventuras dos portugueses ao longo da costa oriental do continente, só muito recentemente Zanzibar foi descoberta pelas agências de viagens, a uma distância-preço mais acessível que o deserto australiano ou o tal ilhéu das ilhas Salomão.

Começou por ser uma oferta extravagante e é agora um destino atingível, desde que as convulsões políticas do arquipélago não o tornem não recomendável, o que já aconteceu com mais frequência do que actualmente.

Comparativamente a outras rivais geográficas, como a Ilha de Moçambique, Pemba ou Kilwa, Zanzibar é um popular destino turístico, mesmo que não o seja de forma extremamente massificada, o que lhe retiraria muito do seu encanto intrínseco. O facto de se tratar de uma pequena ilha também faz com que a presença do turismo se torne mais visível e com que atraia masais desde o continente, algo invulgar até há pouco tempo.

Depois da escravatura, do comércio de marfim e das plantações de cravinho, Zanzibar encontrou no turismo uma razão de ser. A ilha possuía um dos mercados de escravos mais agitados de África, alimentado por negreiros, geralmente árabes, que transportavam as suas cargas humanas desde o interior do continente, o que quer dizer que muitos deles ou morriam nessa viagem ou, então, no transporte até ao destino final. A mortandade era de tal ordem que a ilha, que os marinheiros identificam ao largo pelo cheiro de cravinho no oceano, chegou a ser identificada como "Stinkybar", o que por si só já dá uma ideia da sua atmosfera na época.

O mercado de escravos já não existe, mas ficou uma réplica que dá uma pálida noção desses tempos nauseabundos. Como ficou a casa de Livingstone. A casa onde viveu antes da sua última partida para o interior do continente, na obsessiva tentativa de desvendar o local do nascimento das fontes do Nilo, foi transformada numa espécie de memorial.

Livingstone não foi o único a pernoitar nesta residência, que terá servido a muitos outros exploradores da época, quase todos britânicos. O explorador escocês, um dos leões do colonialismo britânico do século XIX, sempre fez de Stone Town ponto de partida e de chegada. Stone Town? Isso mesmo.

Zanj e bar

Stone Town, a capital de Zanzibar, ilha e arquipélago (que também inclui Pemba), é uma cidade de sultões. A cidade de pedra tem resistido aos solavancos do mar e da história; a última foi a fusão com o Tanganhica, que originou a criação da República Unida da Tanzânia, em 1964, algo que nem sempre foi pacífico. "Se Zanzibar tivesse a sua própria bandeira, dinheiro e exército, o desenvolvimento chegaria muito mais rápido", acredita Abdulah. Tal como Abdulah, muitos outros naturais do arquipélago pensam desta forma, pouco satisfeitos com o facto de as duas principais fontes de receita, o turismo e o cravinho, reverterem para os cofres de um Estado que tem a sua capital, em Dodoma, no continente.

As suas ruas estreitas, de casas de portas de madeira trabalhadas até à perfeição, formam labirintos que nos convidam à deriva, sem destino pré-estabelecido, como apetece fazer numa medina marroquina ou como os situacionistas tanto gostavam de fazer na Paris da década de 60. Aqui, nestas ruas, não há o risco de nos perdermos como nos labirintos de Fez, por exemplo. Há sempre uma comissura por onde o mar espreita.

Tal como aconteceu com o suaíli, também a arquitectura da cidade de pedra reflecte as várias fases históricas da ilha. Há tanto de árabe e de africano nestas ruas como de europeu ou indiano. Essa convivência, que politicamente nem sempre foi muito pacífica, é das riquezas mais incríveis desta ilha e desta costa oriental. De resto, Zanzibar deriva de zanj, gente negra em persa, e de bar, terra em árabe.

As casas de pedra de Stone Town têm sido restauradas ao longo dos últimos anos e os antigos telhados planos substituídos por telhados mais indicados para suster a chuva, a despeito do efeito que o zinco provoca na paisagem. Entre as velhas construções da negreira Zanzibar, os palácios dos sultões destacam-se com naturalidade. A começar pelo Beit el-Ajaib, o maior edifício da ilha, construído pelo sultão Bargash em 1883, que os ingleses destruiriam 13 anos depois.

Os canhões apontados ao orgulho do sultanato tinham uma razão de ser: os ingleses reclamavam por um sultão que desse mais garantias de obediências a sua majestade, "the queen", pelo que o sultão da época, o sucessor de Bargash, deveria abdicar.

Reconstruído, o Beit el-Ajaib, que antes tinha sido local de cerimónias oficiais, passou a ser residência oficial. Há quem sustente que as suas enormes portas de madeira trabalhada são as maiores do género na costa oriental africana. É neste palácio que se pode bisbilhotar a mala de cuidados de saúde com que Livingstone, cirugião de formação, católico convicto e explorador nato, viajou por África, onde deixou o coração, apesar de o corpo repousar em Westminster.

Outros palácios como Beit al-Sahel, o velho forte (construído onde os portugueses tinham edificado antes uma capela), a catedral anglicana, o antigo mercado de escravos ou a católica St Joseph's Cathedral, são igualmente motivos de interesse histórico. Mas não há como ignorar que esta também é uma cidade de mesquitas e de templos hindus, de música tradicional como o taarab (mais uma combinação exótica entre sons africanos, árabes e indianos) e de uma vida nocturna agitada, onde não faltam os concertos ao vivo.

Os "dhows"

Mas não foi propriamente devido a Stone Town que Zanzibar ficou conhecida como o jardim dos trópicos. E muito menos a Freddie Mercury, que aqui nasceu.

As suas praias fantásticas são um deleite incomparável. O cenário de um fim de tarde numa praia de Nungwi, uma das principais concentrações de "resorts" e hotéis (existem para diferentes recatos, gostos e exuberâncias financeiras), deixa pegadas indeléveis na memória. Os "dhows", embarcações de vela triangular tão característicos da costa suaíli, navegam às dezenas, numa patinagem artística e silenciosa no mar, enquanto o "muezzin" chama para as orações.

Os "dhows" regressam sincronizados nos fins de tarde com o peixe do jantar, pela certa um "king fish". Nungwi continua a ser um importante estaleiro deste tipo de embarcações e tem uma forte tradição piscatória.

Tradicionalmente, os "dhows" viajavam ao longo da costa oriental e são eles os responsáveis por esta mistura de bantus imigrados do interior do continente com indianos e árabes chegados para comerciar e prosperar. Os "dhows" desciam com a generosidade dos ventos kakazi entre Novembro e Abril e subiam com os ventos kuzi entre Maio e Outubro.

Graças aos "dhows", mas não só, ainda há muito de autêntico em Nungwi, pelo que se exige não só respeito pelas condições ambientais, uma vez que a zona é procurada por algumas espécies animais, como as tartarugas, como com a interacção com as populações, de pescadores, sobretudo. O turismo é muitas vezes um predador sem escrúpulos e sem memória, que contribui para arrasar a diferença em nome de um preconceito tonto e de uma altivez absurda num mundo que erradamente se pretende mais igual.

Mas não foi isto que em muito contaminou as relações entre europeus e africanos? Nungwi não é a única praia, obviamente. Kendwa, Matemwe, Uroa, Chwaka ou Kiwengwa são outros locais com praias mais do que recomendáveis. Em algumas delas pode encontrar "resorts" italianos e pequenos grupos de turistas europeus, pois os norte-americanos e ingleses abandonaram Zanzibar depois dos atentados às embaixadas dos EUA em Dar es Salam e Nairobi.

Noutras nem encontra hotéis nem turistas e a elas só pode aceder num 4x4. Zanzibar "à la carte", é o melhor que tem a fazer. Sirva-se você mesmo.


O cheiro do cravinho

Telim Ben Issa chegou das ilhas Maurícias com um punhado de cravos-da-Índia. Desembarcado em Zanzibar, obteve uma concessão de terreno e plantou duzentas sementes, que tiveram um efeito surpreendente.

A excelente adaptação do cravinho aos solos de Zanzibar, a beleza das suas árvores e o seu agradável cheiro, que perfumava as ruas da ilha, convenceram os sultões. Um deles, Said Bargash, aumentou as plantações do cravinho com mais um punhado de sementes vindas das Molucas.

Em 1872, um daqueles ciclones que varre este mundo e o outro destruiu por completo a ilha e a sua paisagem totalmente verde. Bargash, mais uma vez ele, teimoso e convicto da beleza e dos rendimentos (seria melhor dizer: beleza de rendimentos), decidiu replantar a ilha de cravinhos. Milhares de plantas foram compradas e plantadas em Zanzibar, que voltou a adquirir o verde e os proveitos, pois o cravinho era a sua principal mercadoria para exportação.

O cravinho, com muitas outras especiarias, sem as quais ninguém morreria de fome na Europa, foi outra das razões a fazer com que o relacionamento entre europeus e africanos fosse quase sempre extremamente belicoso. As Molucas, na Indonésia oriental, eram conhecidas como as ilhas das especiarias e por elas portugueses, espanhóis, ingleses e holandeses lutaram em nome do aroma e da opulência. O que justifica essa rota das especiarias, essa procura obstinada e desproporcionada, se as especiarias nem sequer eram fisiologicamente ou psicologicamente viciantes? O mistério das suas origens e o estatuto valorizado de quem as consumia é a resposta certa. Nunca se tratou de uma questão de necessidade, muito embora por ela se tenham travado muitas guerras e Zanzibar não tenha sido excepção, mas sim uma questão de vaidade.

Pura vaidade. Era uma questão de procura; de procura de prestígio.

Euros sem problemas, Cuidado com os dólares

À semelhança de muitos outros países africanos, a Tanzânia exige cuidados que vão para além da obrigatória profilaxia da malária e de outras preocupações sanitárias, como a vacina da febre amarela. O dinheiro, ou a falta dele, pode ser mesmo um problema num país com uma insuficiente rede bancária. A utilização do dinheiro de plástico não está banalizada, pelo que o mais indicado é que leve consigo alguns dólares ou euros.

Caso opte pela moeda norteamericana, o melhor é ter cuidado. Na Tanzânia, como em outros países do continente, não existem máquinas suficientemente desenvoltas para discernir entre um dólar falso e outro verdadeiro, o que faz com que os tanzanianos privilegiem as notas de edição mais recente e desvalorizem as mais antigas. Estas últimas são cambiadas a um valor mais baixo que os dólares mais recentes, por oferecerem margens menores de segurança e assim serem falsificadas mais frequentemente.

Ora, há um factor distintivo que o leitor terá de ter em conta. Peça no seu banco ou na loja de câmbios, caso faça questão de utilizar esta moeda, dólares de cabeça grande.

Ou seja: uma nota com um Washington ou Jefferson de cabeça grande é sempre bem aceite em qualquer local por ser sinónimo de ter sido emitida recentemente, ao passo que com um Washington ou um Jefferson de cabeça pequena não há garantias de que consiga trocá-la ou pagar seja o que for. Bem, se optar pelos euros, nada há a dizer.

Na ausência de uma embaixada da Tanzânia em Portugal, lembre-se que o visto terá de ser obtido numa outra embaixada na Europa ou, então, à chegada, no aeroporto de Dar es Salam. Se for esse o caso, já sabe: dólares de cabeça grande ou euros em quantidade suficiente.

Como ir
Em teoria, deveria chegar-se de barco a Zanzibar, como a qualquer ilha. E isso é possível. Leva mais tempo, dá algum transtorno, mas não deixa de ser mais épico. Isto não quer dizer que uma viagem de avião entre Dar es Salam e Stone Town seja algo despido de emoção. As pequenas avionetas transportam pouco mais de uma dezena de passageiros, voam baixinho e são uma forma igualmente interessante de lá chegar. Que é o que importa, afi nal. Atenção, no entanto. Várias companhias aéreas fazem esta viagem e não se pode dizer que seja, como dizê-lo, totalmente fiáveis. Não do ponto de vista técnico, mas numa perspectiva mais logística. Não é muito pacífi co descobrir o correspondente balcão para um "check-in", o que exige a habitual paciência de quem se habituou ao natural ritmo africano.

Que outra coisa seria de esperar de um país cuja companhia aérea nacional é conhecida como a Air Maybe, uma vez que nunca se sabe quando descola e, um pouco mais complicado, em que pista aterra? A KLM e British Airways voam directamente para Dar es Salam, com tarifas que rondam os 1230 euros e os 1190 euros, respectivamente. Estes valores já incluem as taxas de aeroporto.

Quem preferir programas completos, pode sempre optar pelos que disponibiliza a Abreu (www.abreu.pt). Esta agência tem pacotes desde 2160 euros, em regime de meia pensão, e a partir de 2300 euros com pensão completa. Os programas são de 10 dias/sete noites no hotel e regime alimentar escolhido, e incluem também a passagem aérea à saída de Lisboa e taxas de aeroporto.


Onde ficar

É obrigatório conhecer dois hotéis em Zanzibar: o Emerson's Green e o Serena Inn. É possível pernoitar num e jantar no outro, por exemplo. O primeiro tem uma sala de refeições num terraço de vista deslumbrante, uma cozinha requintada e exótica e um ambiente que é uma síntese da amálgama cultural e histórica da ilha. O Serena, bem, é um hotel legendário, de inspiração árabe, com o terraço mais incrível de toda a ilha, quase sobre o mar. Há um outro campeonato, igualmente decente, mas menos exuberante e charmoso, do qual o Tembo é o melhor representante. Em Nungwi, recomenda-se o Nungwi Village Beach Resort, espartano, mas competente e agradável. Ou o Mnarani Beach Cottages, o Sazani Beach (a cozinha poderia ser bem melhor e esse é um pormenor importante, porque em muitos locais a pensão completa é a única solução, na ausência de localidades mais próximas) ou o Ras Nungwi Beach Hotel, mais caro e luxuoso. As restantes praias da ilha possuem igualmente uma vasta oferta de hotéis.

O que fazer

Descobrir a cidade, repetidas vezes. Sempre. O pôr-do-sol numa esplanada, claro. Um concerto de taarab e uma boa sopa de abóbora no Bi Kidude. Isto, em Stone Town.

Em Nungwi, para além da praia (já agora, não é má ideia levar consigo alguns bons livros), há o mergulho, o "snorkeling" e outras coisas que tais, até a pele fi car roxa. Em muitas das praias existem centros de mergulho. Ainda em Nungwi, há um aquário com tartarugas q.b.

Quando ir

As chuvas são abundantes entre Março e Maio, o que não impede que a temperatura seja mais ou menos estável ao longo do ano. O Verão europeu é uma boa altura para viajar para a Tanzânia, embora sejam os meses de maior procura turística.

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