Fugas - Viagens

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Uma casa de padres escondida em Coimbra

Por Camilo Soldado

Visto de fora, o Seminário Maior tem ares de palacete italiano do século XVIII, mas acolheu seminaristas durante dois séculos e meio. Com a saída dos aspirantes a sacerdotes, abre as portas aos turistas.

A primeira recordação que o padre Nuno Santos tem do Seminário Maior de Coimbra é do tromp l’oeil (do francês, “engana o olho”) de um dos corredores que ladeiam o jardim central do edifício. A pintura na parede do fundo do corredor, com escadaria e paisagem ao fundo, cria uma ilusão de óptica, dando a sensação de prolongamento.

Na altura, devia ter uns 11 anos e o edifício ainda servia para formar sacerdotes. O Seminário Maior foi uma escola de padres durante quase 250 anos, mas deixou essa função em 2012 (a crise também se encontra nas vocações). O padre Nuno Santos, hoje reitor do seminário, abriu as portas ao público em Junho, para mostrar um edifício de arquitectura italiana que, não será arriscado dizer, a grande maioria da população de Coimbra desconhecia. Mesmo que o Seminário esteja bem no centro da cidade, ao lado do Jardim Botânico. No entanto, a imagem que mais se fixará na memória de quem visita este espaço é a cúpula da Igreja da Sagrada Família. É o último dos oito pontos de interesse em que o percurso pelo Seminário Maior pára. É também o mais impressionante, com frescos do artista italiano Pascoal Parente que retratam a ascensão e coroação da Virgem Maria.

O pintor teve nesse trabalho o motivo da vinda para Portugal, tal como aconteceu com os arquitectos do Seminário Maior. A “casa velha”, ou seja, o edifício central, começou a ser construída em 1748 por iniciativa do bispo D. Miguel da Anunciação, mas só ficou concluída em 1765. Mais tarde seriam construídas a “casa nova” (1873) e a “casa novíssima” (1880), cujos arquitectos tentaram mimetizar o trabalho do italiano Giovani Tamossi (que morreu na sequência da queda de um andaime de uma das torres da fachada), continuado depois pelo cenógrafo e pintor Giacomo Azzolini.

O circuito de visitas guiadas percorre apenas a casa velha. Aliás, estabelecer o percurso de oito pontos foi uma das dificuldades, ao limitar o tempo a 50 minutos, num edifício que tem muito mais para ver. No entanto, o padre Nuno Santos refere que não queriam tornar a visita demasiado pesada. O edifício está aberto de segunda a sábado, com oito visitas por dia limitadas a grupos de 25 pessoas.

O portão de entrada aparece ainda antes do início da explicação dos guias, mas é a primeira peça a chamar a atenção. Foi construído em Bolonha em ferro forjado e detalhes em bronze reluzente, com as iniciais de Jesus, Maria e José — a Sagrada Família — no topo. Mantendo a coerência, de Itália veio também a porta que se encontra imediatamente a seguir, fabricada em madeira preciosa e com incrustações em marfim e madrepérola.

A primeira paragem é o refeitório. Cenário aparentemente austero, onde salta à vista um púlpito, utilizado para leituras durante as refeições. Hoje revestidas com toalhas, “as mesas eram de mármore de Carrara”, diz o padre Nuno Santos, que fez a vez de guia à Fugas, em tom de lamento. “Foram dadas e vendidas, numa altura em que ainda não se valorizava”.

O refeitório ainda está em funcionamento. Apesar de ter cessado funções como seminário, na casa ainda vivem 12 pessoas, entre padres, um cozinheiro e um professor de música. O edifício mantém igualmente o carácter funcional, recebendo formações de “diáconos ou pessoas que queiram aprofundar a sua fé”, refere o reitor. Por isso, ao longo da caminhada pelos corredores há várias portas que não se abrem ao visitante, mas que têm por trás simples salas de aula ou instalações.

Entre o refeitório e a capela de São Miguel vão 118 degraus, numas escadas em caracol sem qualquer apoio central que criam um efeito de vórtice. A capela recebe-nos com um retábulo em estilo rococó e seis colunas em cada flanco, com a particularidade de cada uma ter, quando foi construída, relíquias de cada um dos apóstolos. No entanto, com as invasões francesas, algumas relíquias foram destruídas ou danificadas. Na capela está também um dos quatro corpos inteiros de mártires expostos no seminário. No altar, atrás de uma vitrina, repousa São Vicente (o romano), que foi ali parar na sequência de uma autorização especial concedida por Roma e de um procedimento de transporte que à época era complexo.

A poucos metros da capela estão os aposentos do bispo de Coimbra, que se mudou para ali em 1910, depois de ter deixado o Paço Episcopal (hoje Museu Nacional Machado de Castro). A lógica de austeridade exterior dos corredores contrasta com o interior adornado com papel de parede. A grande intervenção neste espaço foi feita no início do século XX, com algumas peças provenientes da antiga habitação do bispo. Ali estão dispostas mobílias incrustadas em bronze e madeira com detalhes dourados, alfaias litúrgicas em ouro e prata e crucifixos, um dos quais em marfim.

Depois da vista panorâmica sobre Coimbra, desce-se 119 degraus da outra escada em caracol, de arquitectura semelhante à anterior. Abrem-se então as portas que resgatam a biblioteca velha à tranquilidade e protegem das condições exteriores. As paredes são decoradas com cerca de nove mil volumes, publicados entre 1500 e 1800, naquela que o padre Nuno Santos descreve como “uma das melhores bibliotecas de teologia do mundo deste tempo”. Nas estantes estão uma das primeiras edições d’Os Lusíadas, livros que vão da história ao direito, da teologia à literatura e… um livro de contos eróticos. Pelas mesas estão dispostos velhos antifonários, muitos do século XVII, que serviam para guiar os cantos das celebrações.

A penúltima paragem é a Sala dos Azulejos, palco das lições mais importantes, como as de abertura e encerramento do ano. Os painéis de cerâmica que preenchem as paredes são provenientes de fábrica de Domingos Vandelli, o professor italiano que o Marquês de Pombal trouxe para o país.  

A caminho da Igreja da Sagrada Família deixamos para trás o tromp l’oeil que impressionou o actual reitor quando jovem. Neste ponto, a madrepérola e o marfim regressam aos olhos dos visitantes, para decorar as portas da igreja. Já lá dentro, a área do templo octogonal é exígua, mas a cúpula que se ergue no topo dos três andares confere-lhe monumentalidade e torna obrigatória uma paragem para a contemplação. As estátuas de Maria e José vieram de Nápoles, mas o órgão de 1500 tubos é o único elemento cuja origem — mas não a aparência — destoa, tendo sido construído pelo espanhol João Fontana de Maquera.

No altar-mor, o retábulo exibe uma pintura que representa o episódio bíblico de Jesus entre os doutores. Muito apropriado para uma cidade conhecida pela sua universidade.

Seminário Maior
Rua Vandelli, 2
3004-547 Coimbra
Tel.: 239 792 340/ 968 091 229
Email: minus251@gmail.com
Visitas de segunda a sábado. Primeira visita às 10h, última às 18h. Cada grupo pode ter um máximo de 25 pessoas. Visitas disponíveis  em português, inglês, francês e espanhol.
Preços: 5€. Gratuito até aos três anos.

Lavar a cara durante três anos

A saída dos seminaristas em 2012 trouxe um período de indefinição. Para abrir a casa ao público, o padre Nuno Santos, reitor desde Junho de 2016, conta que um dos principais desafios foi a limpeza, mas diz que não foi feita uma intervenção de fundo.

Para esse efeito estão a ser preparadas obras, estimadas em três milhões de euros, a realizar nos vários espaços do Seminário Maior. O objectivo é “recuperar a casa em três ou quatro anos”, numa intervenção que a prepare para os próximos 100 e que terá início até ao final deste ano. O financiamento será distribuído entre a Diocese de Coimbra, “dádivas e criatividade”, esclarece.

Há aspectos patrimoniais a tratar: hoje pintado de verde, estudos indicam que originalmente o portão da entrada era azul. A sua cor será devolvida. A cor original da casa velha também não seria o branco, conta o padre. “Quase de certeza que as paredes não eram brancas, apontam os últimos estudos”. Apesar disso, vão manter-se caiadas.

No final da intervenção, o padre Nuno Santos pondera abrir mais áreas à visita do público. Espaços que não se encontram abertos ao público, como é o caso da casa das talhas, onde se armazenavam produtos como azeite e carne. O jardim que ocupa o quadrado central do Seminário Maior — que era utilizado como horta quando os alunos ocupavam a casa, mas cujo acesso do público está hoje vedado — será igualmente renovado.

O Seminário é detentor de 15 mil peças da autoria de Monsenhor Nunes Pereira, que viveu entre 1906 e 2001 e residiu ali. A maioria é arte sacra e algumas já estão expostas nas paredes ao longo do percurso visitável, mas a abertura de um museu está no horizonte. 

O objectivo é também remodelar 25 quartos no primeiro andar, para acolher padres “com uma certa idade que já não estão nas paróquias”, explica. Os 90 quartos do segundo andar também serão renovados para instalar encontros de jovens, congressos e eventos do género.

 

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