Fugas - Vinhos

Marco Maurício

Os novos vinhos da Colecção de Domingos Soares Franco

Por Pedro Garcias

Nada desperta mais a imaginação e a expectativa de um enólogo do que a diversidade de castas. Perante tanta variedade de uvas, é legítimo sonhar com vinhos raros, diferentes, distintos, exclusivos e até extraordinários.

Em abstracto, a diversidade é sinal de riqueza e de complexidade. Porém, no mundo do vinho nem sempre 1+1 é igual a 2. Em muitos casos, a soma de várias partes é menos do que mais. Uma casta só pode fazer um vinho muito melhor do que dezenas de castas juntas.

Mas também pode acontecer o contrário. Só testando se saberá isso. E, mesmo não sendo de esperar resultados extraordinários, é sempre um exercício exaltante tentar fazer um vinho que leve na sua composição inúmeras castas com uma história e uma genética que, muitas vezes, se situam nas antípodas umas das outras.

Domingos Soares Franco, administrador e enólogo da José Maria da Fonseca, levou essa tentação quase ao extremo em 2010, ao fazer, pela primeira vez, um branco a partir de 208 castas diferentes e um tinto com 157 variedades. O exercício podia ser ainda mais excêntrico, uma vez que a empresa possui uma colecção de 560 castas diferentes, entre portuguesas e estrangeiras, mais ou menos 10 por cento das variedades existentes no mundo. Estão plantadas na Quinta de Camarate, em Azeitão, ocupando um hectare de vinha.

Os dois novos vinhos integram a gama Domingos Soares Franco Colecção Privada, criada para acolher alguns vinhos especiais. Para o branco, foram seleccionadas 208 castas de todo o tipo e origem, algumas pouco ou nada conhecidas do consumidor comum, como a Larião (Vidigueira), o Mourisco de Azeitão, a Macabeu (Espanha) e a Kaksitelli (Geórgia). Das 157 castas usadas na vinificação do tinto entram variedades tão pouco familiares como a Colorino (Itália), a Bogalhal (a Borraçal dos Vinhos Verdes) e a Khindony (Uzbequistão). Ambos os vinhos fermentaram em inox e não tiveram contacto com a madeira, para poderem expressar mais fielmente as características e o valor intrínseco das castas.

O branco é um vinho algo desconcertante. Tem apenas 11,5% de álcool e o aroma, muito intenso, reflecte a universalidade das castas, com toques de fruta doce e agridoce que nos remetem para paragens exóticas e tropicais e ainda deliciosas sensações especiadas. Para começo, não se podia pedir mais. Mas, quando se leva o vinho à boca, percebe-se que há ali um pecado capital: falta-lhe acidez. Apesar de o primeiro impacto ser agradável, pela delicadeza da fruta, o final é pouco vibrante e fresco. Uma pena. Um pouco mais de acidez e seria um belo branco.

O tinto tem um maior volume alcoólico (13,5%) e, no entanto, é muito mais fresco. O que sobressai, ao contrário do branco, é precisamente a acidez, que surge muito bem definida e balanceada. Dá nervo e comprimento ao vinho e acentua o sabor da fruta (groselha, morango, cereja). Os taninos também são muito suaves e delicados.

É um vinho que dá gosto beber, em especial agora. A sua frescura, textura macia e intensidade aromática conferem-lhe uma belíssima vocação estival, não perdendo nada se for servido ligeiramente fresco (12-14 graus).

Com esta primeira e interessante experiência, Domingos Soares Franco fez mais com 157 castas do que com 208. São vinhos diferentes e incomparáveis, mas o tinto é mais equilibrado e excitante do que o branco. No futuro, poderá ser diferente. As variações e as possibilidades de escolha são tão grandes que o resultado é sempre imprevisível. Fazer um vinho com tantas castas é quase como jogar poker de dados. E essa incerteza tem a sua magia.

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