Fugas - Viagens

  • Daniel Rocha
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Montado, património da Humanidade?

Lá ao longe, a Sé de Évora

Há muitos anos, talvez uns trinta, um amigo de Évora ensinou-nos a nunca deixar de apreciar as "árvores irmãs" que se avistavam à direita da velha estrada que une Vendas Novas a Montemor-o-Novo. Desabituados há muito de a percorrer (a auto-estrada substitui-a...), andámos por lá à procura daquelas duas azinheiras que tinham crescido a par, os troncos separados por poucos metros, as copas confundidas numa só. Não demos com eles. Terão morrido? Ou terá sido a memória a atraiçoar-nos sobre a localização dessas "árvores-irmãs"?

Pouco importa. As terras que se espraiam a sul da velha estrada e da que, depois, liga Montemor a Évora, abrigam alguns dos mais bonitos montados do país, com árvores notáveis e alguns bosques cerrados onde a vitalidade dos sobreiros é tal que a luz tem dificuldade em penetrar. Mais: estamos numa região onde são abundantes os vestígios megalíticos, o que proporciona um excelente pretexto adicional para nos perdermos nos caminhos que ligam Montemor a Santiago do Escoural, a Herdade da Mitra a Nossa Senhora de Guadalupe ou Valverde a Casas Novas.

No centro deste perímetro, acessível por um estradão de terra batida em bom estado, encontramos o Cromeleque dos Almendres, por muitos considerado o mais importante monumento megalítico de toda a Península Ibérica. E não seremos nós a desmenti-los, pois não falta grandeza a este conjunto de quase uma centena de monólitos de granito dispostos num perímetro elíptico de 70 por 40 metros. As enormes pedras de forma almendrada, algumas com mais de dois metros e meio de altura, arrumam-se numa encosta orientada a nascente e parecem querer conduzir o nosso olhar para Évora e para o volume grandioso da sua Sé, claramente recortado no horizonte. 

Este cromeleque cria uma clareira num montado rico e denso. Se estivermos atentos notaremos mesmo que, enquadrando a última recta antes do monumento, os sobreiros nos surgem especialmente viçosos e arrumados de forma que adivinharíamos regular - que é regular: se consultarmos o Google Earth confirmaremos que existe, junto ao Cromeleque dos Almendres, um montado em que as árvores se arrumam em esquadria, sinal de uma plantação cuidada e planeada. Este tipo de montados é raro - infelizmente - mas ao observá-lo descobre-se nele um encanto que só lentamente e observando com muita atenção percebemos derivar do espaçamento regular das árvores. 

Para abrir o apetite para um repasto - é o termo - no Manuel Azinheirinha, em Santiago do Escoural, para nos prepararmos para petiscos como um paio de migos excelente, ou umas empadinhas miniatura de galinha, ou para saladas de grão-de-bico com bacalhau, de favas com enchidos, de pimentos verdes grelhados, de coelho assado na brasa com um molho de vinagrete, fígado grelhado igualmente com molho de azeite e vinagre, ou ainda para uma omolete de espargos verdes ou para uns ovinhos de codorniz estrelados com chouriço alentejano de carne, bem podemos concluir o circuito do Neolítico. Um pouco a Sul encontramos Anta Grande do Zambujeiro, perto de Valverde e da Herdade da Mitra, também ela a maior da Península mas, infelizmente, desgraciosamente protegida com um telheiro de lusalite. Para Ocidente encontraremos as grutas do Escoural, onde foram identificadas pinturas rupestres que retratam os bovinos e equídeos que por aqui viveriam há alguns milhares de anos. 

Ora é aqui que, de certa forma, fechamos o nosso circuito regressando ao princípio, isto é, regressando aos cavalos lusitanos que conhecemos na coudelaria de Braço de Prata, na lezíria ribatejana. É que, nas paredes da gruta do Escoural, existe uma gravura, velha de 17 mil anos, de uma égua protegendo um poldro em que esta tem a cabeça fina e comprida como sucede com os cavalos da raça lusitana, aqui retratados de forma bem diferente da dos garranos que surgem nas pinturas das grutas de Lascaux e Altamira. 

Siga-se então em paz para o Manuel Azinheirinha onde, para não nos esquecermos que andámos cirandando pelos montados, podemos pedir, a seguir aos petiscos, um javali (por certo crescido neste Alentejo de terras de farta bolota) estufado com cenouras e servido com puré de maçã...

Os montados do sul país formam, de acordo com os especialistas, a maior mancha de arvoredo nativo e um ecossistema que, mesmo não sendo natural, incorpora uma elevada capacidade de regeneração. Tendo, ao mesmo tempo, uma utilização florestal, agrícola e pastoril, são também zonas onde se abrigam inúmeras espécies, muitas delas em vias de extinção.

Nos montados de sobro o objectivo principal dos proprietários é a exploração de cortiça, um tipo de casca sem paralelo em nenhuma outra espécie. Em Portugal situa-se cerca de 30 por cento da área ocupada por sobreiros em todo o mundo, sendo que o nosso país produz sensivelmente metade da cortiça que chega ao mercado. O sobreiro (Quercus suber) pertence à família dos carvalhos mas distingue-se facilmente das outras espécies existentes em Portugal, pois as suas folhas são persistentes, não caindo no Inverno, antes sendo parcialmente substituídas na Primavera. A cortiça, que constitui uma protecção natural das árvores contra o fogo, uma ocorrência natural nos ecossistemas mediterrânicos, pode ser tirada de nove em nove anos, sendo a mais valorizada a que tem espessura suficiente para fabricar rolhas. 

O descortiçamento é uma operação delicada, realizada por trabalhadores especializados entre os meses de Maio e Agosto. Nesta operação é muito importante não ferir, com os machados, o lenho da árvore, pois isso pode facilitar a entrada de infecções e tira qualidade à futura produção de cortiça. O valor comercial da rolha de cortiça tem sofrido muitas oscilações e, recentemente, tem sido afectado pela concorrência de sucedâneos, estando a produção a diminuir, apesar de se terem encontrado formas de tratar a cortiça que evitam que esta dê mau gosto ao vinho.

A azinheira (Quercus rotundifolia) também é parente dos carvalhos e, tal como o sobreiro, produz folhas persistentes, mas mais espessas e coriáceas, já que esta espécie está mais bem adaptada a climas com verões ainda mais quentes e secos. No terreno, a forma mais fácil de sabermos se estamos perante uma azinheira ou um sobreiro é verificarmos a presença ou ausência de cortiça. 

De uma forma geral, os montados de azinho têm menos rentabilidade que os de sobro apesar de, nos últimos anos, terem voltado a multiplicar-se as explorações de porco preto, uma espécie que, para se alimentar, prefere a bolota da azinheira. Mesmo assim, nos últimos 40 anos, a área total ocupada por azinheiras recuou 25 por cento. E só o abate de árvores para limpar o solo na região alagada pela barragem do Alqueva fez desaparecer cerca de meio milhão de azinheiras.

De entre as muitas espécies animais que encontramos nos montados, o destaque deve ir para algumas que estão ameaçadas de extinção - como o milhafre-real, o abutre-preto, a águia-imperial e o lince - e para outras mais comuns mas sempre interessantes de observar - como o peneireiro-cinzento, a codorniz, a lebre, a raposa, a água-d"asa-redonda, o mocho-galego, a coruja-do-mato, o pombo-bravo, o javali, o corço e o veado. Entre muitas e muitas outras.Coudelaria da Companhia das Lezírias

Criada no século XIX, a coudelaria da Companhia das Lezírias situa-se na Herdade de Braço de Prata (Pancas, Samora Correia) e, para além de se ter especializado na criação do cavalo puro-sangue lusitano, tem uma oferta turística variada. Vale a pena visitar o picadeiro e as estrebarias, onde os cavalos estão identificados pelo nome. Há uma Quinta Pedagógica para os mais novos e programas de passeio a cavalo para todas as idades (Tel.: 263 654 989). O restaurante A Coudelaria, junto ao hipódromo (Tel.: 263 654 985) é um espaço agradável e muito procurado por causa de algumas das suas especialidades, como o cozido de carnes bravas à ribatejana, servido ao domingo em regime de buffet. Ao sábado há buffet campestre composto por polvo à lagareiro, bacalhau com broa, arroz de pato, lombos de porco preto e novilho. Os preços são razoáveis. Encerra à segunda-feira. Por fim, é também possível pernoitar na Herdade de Braço de Prata, pois a Companhia das Lezírias possui uma pequena unidade de agro-turismo junto ao restaurante e à coudelaria. Cada um dos 12 bungalows tem um quarto e sala com kitchenette (tel.: 263 650 600).

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