Nas paredes do edifício da Câmara Municipal, no centro histórico de Düsseldorf, há uma placa com um cronómetro. À primeira vista, parece um indicador do tempo que falta para começar um mega-projecto, um grande investimento público. Mas olhando a legenda de perto percebe-se que é quase o seu contrário: é um cronómetro das horas, dos dias, dos segundos que já passaram desde que a autarquia deixou de ter dívidas um feito assinalável, mesmo na Alemanha.
A imagem de transparência, de asseio ético, de disciplina, de folga financeira, reflectida naquele relógio simboliza, em grande medida, o que é a capital da Renânia do Norte -uma cidade que permaneceu imune ao choque da reunificação das alemanhas, ao desemprego e ao cosmopolitismo, e que é uma espécie de mostruário das virtudes germânicas da civilidade, da competência, do sucesso industrial e da qualidade de vida.
A esta ideia de idílio industrial e social soma-se uma pincelada de romantismo florestal, fluvial e arquitectónico. Chega-se a Düsseldorf, um colosso fabril, e não se vê uma chaminé nem se sente a poluição. O que ressalta é uma região repleta de bosques frondosos e campos cultivados, um espectáculo verdejante que invade o próprio centro da cidade até às margens do Reno.
As avenidas largas que esquadrinham a cidade são ladeadas por edifícios de três, quatro pisos, quase tudo habitação de qualidade, sólida. Pelas janelas entrevêem-se salas amplas, abat-jour elegantes, decoração quase sempre sofisticada e confortável. Este cenário mantém-se até ao centro histórico, sem que se note a existência de subúrbios, sem que o trânsito se afunile - eléctricos modernos e silenciosos deslizando para todo o lado, cruzando-se ordeiramente com automóveis e bicicletas, como se um maestro estivesse a dirigir o trânsito.
Já no centro histórico, reconstruído após a Segunda Guerra Mundial, que arrasou Düsseldorf, dominam os prédios de tijoleira, ruas estreitas calcetadas, boa parte cortadas ao trânsito, e alguns dos monumentos mais emblemáticos, como a basílica de Sankt Lambertus.
A uma centena de metros dali fica a Burgplatz, considerada uma das praças mais bonitas da Alemanha. A torre do antigo castelo do Duque de Berg, fundador da cidade, aí erigida, é um dos pontos de encontro dos autóctones. Na escadaria em frente, sobretudo quando faz sol, centenas de pessoas abancam à beira do Reno para conversar e beber cerveja. À noite, o lugar torna-se sombrio (como aliás toda a cidade, devido a uma iluminação pública amarelada e fraca), mas isso não representa qualquer ameaça. Grupos de jovens góticos e punks convivem tranquilamente, na penumbra, com famílias passeando de bicicleta ou de patins em linha.
"O mais longo bar do mundo"
É também na Cidade Velha que se concentra boa parte do comércio de Düsseldorf. Os grandes armazéns de pronto-a-vestir convivem com as lojas alternativas, os ateliers de tattoos, os bares de jazz, os pubs de estudantes universitários. Ao fim do dia, o ambiente transforma-se numa enorme festa. Cerca de 250 bares, de todos os géneros, e restaurantes, dos mais sofisticados aos mais tradicionais, confirmam a fama do bairro, conhecido como "o mais longo bar do mundo".
Apesar de existir este escape lúdico, não se pense que a cidade permite celebrações mais exuberantes ou distúrbios. A polícia é implacável com qualquer desordem. E tudo o que seja afrontar a tranquilidade de Düsseldorf é sancionado sem contemplações pela autoridade e pela sociedade. Há regras para tudo, há multas para tudo e há um polícia fiscalizando cada esquina, assegurando que a prevaricação não compensa.
Em contraponto à Cidade Velha está o Mediahafen, ou o porto dos Media, a zona mais sofisticada de Düsseldorf. A quinze minutos a pé do centro antigo, esta área foi requalificada nos últimos 20 anos, tendo-se aqui instalado várias empresas de comunicação, bem como ateliers de design, de arquitectura e de moda. Debruçados sobre o Reno, edifícios modernos com a assinatura de arquitectos célebres substituíram dezenas de armazéns. Para além de projectos de Steven Holl e David Chipperfield, destacam-se três prédios de Frank Gehry, alinhados uns ao lado dos outros, com as suas formas torcidas.
Todo o quarteirão se evidencia pela modernidade, sem que, no conjunto, se destrua a preocupação de uniformidade urbanística, de organização, de funcionalidade conceitos que se estendem a toda a cidade. Esta obsessão com a perfeição ordenada, com o equilíbrio, é, aliás, em última análise, a própria essência de Düsseldorf, o seu orgulho. Sendo que a isto acrescem abundância de recursos e salários acima da média, que fazem da região uma das mais ricas da Alemanha, imune a crises e conjunturas.
Não por acaso, diz-se que Berlim não é vista pelos locais de Düsseldorf com deslumbre, encanto ou inveja, antes lhes parecendo uma cidade caótica, anárquica e suja. Subjacente a esta visão, muitos dirão estar o elitismo germânico no seu esplendor, e uma sociedade demasiado cinzenta, profissional, maquinal, monótona. Em todo o caso, é extraordinária a forma como numa cidade de 600 mil habitantes se vive como se se estivesse no campo, o ar puro, o trânsito sem engarrafamentos, o rio, os parques, e simultaneamente se usufrui dos melhores serviços públicos do mundo, dos melhores restaurantes, das melhores lojas, num cenário natural privilegiado.
A não perder
Palácio Benrath
Construído no século XVIII, este palácio na periferia da cidade é uma das principais atracções turísticas da região. Nos magníficos jardins em volta, há hortas biológicas e pontos de venda dos produtos aí cultivados, como ervas aromáticas, couves, batatas, alho francês, etc. No mesmo espírito, o palácio dá abrigo ao Museu Europeu de Arte Hortícola. Casa da aristocracia, que encontrava naqueles campos boa caça, diz-se que a princesa D. Estefânia, da casa alemã de Hohenzollern-Sigmaringen, nascida em Düsseldorf, ali passou longas temporadas. D. Estefânia casaria com o rei D. Pedro V, em 1858, tornando-se muito popular entre o povo português por ser solidária e ajudar os mais desprotegidos.
Em Düsseldorf também é muito querida, ainda hoje, continuando-se a celebrar todos os anos, com uma marcha na cidade, o dia em que partiu para Portugal. O palácio de Benrath foi repintado de cor-de-rosa por sugestão de D. Estefânia, que ficou encantada com o rosa pálido dos palácios de Lisboa. Um outro monumento da cidade, o magnífico Museu Goethe, tem, aliás, o mesmo tom.
Música no Tonhalle
É uma das salas de concertos mais originais e mais bonitas da Alemanha. Embora com pouco mais de um milhar de pessoas, o facto de ter sido um planetário dá-lhe um ambiente extraordinário. Já tocaram aqui grandes nomes da pop, do rock e do jazz, mas oitenta por cento dos concertos são de música clássica -e é isso que atrai ali todos os dias centenas de alemães.
www.tonhalle-duesseldorf.de
Onde comer
Heinemann, Chocolataria-restaurante
É um dos clássicos da cidade. Perto da avenida mais glamorosa de Düsseldorf, a Königsallee, fica o café de Heinz-Richard Heinemann, um dos chocolateiros mais prestigiados da Alemanha. No piso térreo, funciona a loja, no primeiro andar servem-se almoços e pela tarde o restaurante transforma-se em casa de chá. O ambiente é informal apesar da visita de algumas celebridades. Nas escadas há fotografias do fundador da chocolataria, pai de Heinz-Richard, e de várias personalidades públicas apreciadoras da famosa marca, entre as quais sobressai Pavarotti. Às refeições brilha a gastronomia alemã, caseira, bem feita. Sopa de abóbora com gengibre, cebolinho e um pouco de natas; salmão com esparregado, batatas novas, cobertas com um molho branco alimonado; ou salsichas caseiras, com ragout de couves, batatas e abóbora são o tipo de pratos do dia. A acompanhar é servida, à parte, mostarda de Düsseldorf, absolutamente deliciosa, parecida com a de Dijon, mas mais escura e um pouco mais amarga e picante. Uma refeição fica entre 10 e 15 euros, com vinho a copo. Para sobremesa, é obrigatório provar os bolos de Heinemann, com champanhe e trufas, ou os seus famosos chocolates. Um dos chocolates pretos de Heinemann ganhou recentemente o título de melhor chocolate do mundo, num concurso em Itália. Experimente ainda o chocolate com chili. Soberbo.
Café Heinemann
Königsallee 30
Kö-Center Blumenstrab
http://www.konditorei-heinemann.de/
Füchschen Alt, cerveja velha
Numa das ruas da zona antiga, está uma das cervejarias mais concorridas de Düsseldorf. À noite, as salas amplas, decoradas com madeiras escuras e motivos de caça, enchem-se de gente. No ar, sente-se o cheiro a cerveja velha (altbier), feita nas traseiras do restaurante. Com um tom escuro, entre o âmbar e o castanho, a altbier é típica de Düsseldorf.
Tradicionalmente com mais tempo de fermentação do que uma cerveja normal, o seu sabor é suave e frutado. Na Füchshen Alt (que significa Raposa Velha), para além da altbier, a grande atracção é o joelho de porco assado. Cinco minutos depois de fazer o pedido, põem-lhe na mesa um enorme naco do suíno e uma faca bicuda, com serra. O talher é indispensável para que possa cortar a peça e, mesmo assim, nada lhe garante que o consiga fazer sem contratempos. É que a pele do porco surge de tal forma grossa e crocante que quebrá-la é quase tão difícil como picar gelo com uma pluma. Uma vez ultrapassada essa dificuldade, contudo, a recompensa é garantida. A pele, bem temperada, é um torresmo delicioso e a carne fica suculenta e tenra.
Füchschen Alt
Cidade Velha, Ratinger Strabe 28
http://www.fuechschen.de/
O porto dos Media
É aqui que se encontram alguns dos cafés e restaurantes mais fashion da cidade, onde se pode beber um copo ao final do dia, petiscar ou mesmo jantar num café-bistro. O Schwan, com música chill out, é uma boa opção para beber Erdinger, num ambiente informal, e ficar a ler um livro, entretido com uma salada ou outro prato leve. Tem ainda a vantagem de ter uma carta em inglês. O local mais concorrido, por estes dias, parece ser contudo o Eigelstein, a cinquenta metros dali, uma cervejaria sofisticada, que serve boas pizzas e tapas, e onde grupos de mulheres clonadas da série Sex and the City e homens de gravata aberta enchem o ar de gargalhadas.
Schwan
Hammer Strabe 38
Eigelstein
Hammer Strabe 17
http://www.schwan-restaurant.de/
Onde ficar
Não faltam opções, como por exemplo o NH Düsseldorf City-Center e o Hotel Ibis Düsseldorf Hauptbahnhof (fica mesmo no centro comercial da cidade, junto à estação central dos comboios).
Preços a partir de 79€.
Como ir
Já há voos directos para Dusseldorf a partir de Lisboa, seja pela TAP ou pela Lufthansa. Também há rotas a partir do Porto, mas com escala, para viajar na TAP, Lufthansa ou Ryanair.
[dados actualizados a 09.05.2011]