Fugas - Viagens

David Clifford

Dusseldorf, a rainha do Reno não treme

Por Ricardo Dias Felner

Com Dusseldorf, muito festivaleira, sob os holofotes do Eurofestival da Canção 2011, fomos ao baú Fugas retomar uma visita à capital da Renânia do Norte, uma espécie de modelo de virtudes germânico, cidade elegante, rica, segura, desenhada num cenário fluvial idílico.

Nas paredes do edifício da Câmara Municipal, no centro histórico de Düsseldorf, há uma placa com um cronómetro. À primeira vista, parece um indicador do tempo que falta para começar um mega-projecto, um grande investimento público. Mas olhando a legenda de perto percebe-se que é quase o seu contrário: é um cronómetro das horas, dos dias, dos segundos que já passaram desde que a autarquia deixou de ter dívidas um feito assinalável, mesmo na Alemanha.

A imagem de transparência, de asseio ético, de disciplina, de folga financeira, reflectida naquele relógio simboliza, em grande medida, o que é a capital da Renânia do Norte -uma cidade que permaneceu imune ao choque da reunificação das alemanhas, ao desemprego e ao cosmopolitismo, e que é uma espécie de mostruário das virtudes germânicas da civilidade, da competência, do sucesso industrial e da qualidade de vida.

A esta ideia de idílio industrial e social soma-se uma pincelada de romantismo florestal, fluvial e arquitectónico. Chega-se a Düsseldorf, um colosso fabril, e não se vê uma chaminé nem se sente a poluição. O que ressalta é uma região repleta de bosques frondosos e campos cultivados, um espectáculo verdejante que invade o próprio centro da cidade até às margens do Reno.

As avenidas largas que esquadrinham a cidade são ladeadas por edifícios de três, quatro pisos, quase tudo habitação de qualidade, sólida. Pelas janelas entrevêem-se salas amplas, abat-jour elegantes, decoração quase sempre sofisticada e confortável. Este cenário mantém-se até ao centro histórico, sem que se note a existência de subúrbios, sem que o trânsito se afunile - eléctricos modernos e silenciosos deslizando para todo o lado, cruzando-se ordeiramente com automóveis e bicicletas, como se um maestro estivesse a dirigir o trânsito.

Já no centro histórico, reconstruído após a Segunda Guerra Mundial, que arrasou Düsseldorf, dominam os prédios de tijoleira, ruas estreitas calcetadas, boa parte cortadas ao trânsito, e alguns dos monumentos mais emblemáticos, como a basílica de Sankt Lambertus.

A uma centena de metros dali fica a Burgplatz, considerada uma das praças mais bonitas da Alemanha. A torre do antigo castelo do Duque de Berg, fundador da cidade, aí erigida, é um dos pontos de encontro dos autóctones. Na escadaria em frente, sobretudo quando faz sol, centenas de pessoas abancam à beira do Reno para conversar e beber cerveja. À noite, o lugar torna-se sombrio (como aliás toda a cidade, devido a uma iluminação pública amarelada e fraca), mas isso não representa qualquer ameaça. Grupos de jovens góticos e punks convivem tranquilamente, na penumbra, com famílias passeando de bicicleta ou de patins em linha.

"O mais longo bar do mundo"

É também na Cidade Velha que se concentra boa parte do comércio de Düsseldorf. Os grandes armazéns de pronto-a-vestir convivem com as lojas alternativas, os ateliers de tattoos, os bares de jazz, os pubs de estudantes universitários. Ao fim do dia, o ambiente transforma-se numa enorme festa. Cerca de 250 bares, de todos os géneros, e restaurantes, dos mais sofisticados aos mais tradicionais, confirmam a fama do bairro, conhecido como "o mais longo bar do mundo".

Apesar de existir este escape lúdico, não se pense que a cidade permite celebrações mais exuberantes ou distúrbios. A polícia é implacável com qualquer desordem. E tudo o que seja afrontar a tranquilidade de Düsseldorf é sancionado sem contemplações pela autoridade e pela sociedade. Há regras para tudo, há multas para tudo e há um polícia fiscalizando cada esquina, assegurando que a prevaricação não compensa.

Em contraponto à Cidade Velha está o Mediahafen, ou o porto dos Media, a zona mais sofisticada de Düsseldorf. A quinze minutos a pé do centro antigo, esta área foi requalificada nos últimos 20 anos, tendo-se aqui instalado várias empresas de comunicação, bem como ateliers de design, de arquitectura e de moda. Debruçados sobre o Reno, edifícios modernos com a assinatura de arquitectos célebres substituíram dezenas de armazéns. Para além de projectos de Steven Holl e David Chipperfield, destacam-se três prédios de Frank Gehry, alinhados uns ao lado dos outros, com as suas formas torcidas.

Todo o quarteirão se evidencia pela modernidade, sem que, no conjunto, se destrua a preocupação de uniformidade urbanística, de organização, de funcionalidade conceitos que se estendem a toda a cidade. Esta obsessão com a perfeição ordenada, com o equilíbrio, é, aliás, em última análise, a própria essência de Düsseldorf, o seu orgulho. Sendo que a isto acrescem abundância de recursos e salários acima da média, que fazem da região uma das mais ricas da Alemanha, imune a crises e conjunturas.

Não por acaso, diz-se que Berlim não é vista pelos locais de Düsseldorf com deslumbre, encanto ou inveja, antes lhes parecendo uma cidade caótica, anárquica e suja. Subjacente a esta visão, muitos dirão estar o elitismo germânico no seu esplendor, e uma sociedade demasiado cinzenta, profissional, maquinal, monótona. Em todo o caso, é extraordinária a forma como numa cidade de 600 mil habitantes se vive como se se estivesse no campo, o ar puro, o trânsito sem engarrafamentos, o rio, os parques, e simultaneamente se usufrui dos melhores serviços públicos do mundo, dos melhores restaurantes, das melhores lojas, num cenário natural privilegiado.

A não perder

Palácio Benrath
Construído no século XVIII, este palácio na periferia da cidade é uma das principais atracções turísticas da região. Nos magníficos jardins em volta, há hortas biológicas e pontos de venda dos produtos aí cultivados, como ervas aromáticas, couves, batatas, alho francês, etc. No mesmo espírito, o palácio dá abrigo ao Museu Europeu de Arte Hortícola. Casa da aristocracia, que encontrava naqueles campos boa caça, diz-se que a princesa D. Estefânia, da casa alemã de Hohenzollern-Sigmaringen, nascida em Düsseldorf, ali passou longas temporadas. D. Estefânia casaria com o rei D. Pedro V, em 1858, tornando-se muito popular entre o povo português por ser solidária e ajudar os mais desprotegidos.
Em Düsseldorf também é muito querida, ainda hoje, continuando-se a celebrar todos os anos, com uma marcha na cidade, o dia em que partiu para Portugal. O palácio de Benrath foi repintado de cor-de-rosa por sugestão de D. Estefânia, que ficou encantada com o rosa pálido dos palácios de Lisboa. Um outro monumento da cidade, o magnífico Museu Goethe, tem, aliás, o mesmo tom.

Música no Tonhalle
É uma das salas de concertos mais originais e mais bonitas da Alemanha. Embora com pouco mais de um milhar de pessoas, o facto de ter sido um planetário dá-lhe um ambiente extraordinário. Já tocaram aqui grandes nomes da pop, do rock e do jazz, mas oitenta por cento dos concertos são de música clássica -e é isso que atrai ali todos os dias centenas de alemães.
www.tonhalle-duesseldorf.de

Onde comer

Heinemann, Chocolataria-restaurante
É um dos clássicos da cidade. Perto da avenida mais glamorosa de Düsseldorf, a Königsallee, fica o café de Heinz-Richard Heinemann, um dos chocolateiros mais prestigiados da Alemanha. No piso térreo, funciona a loja, no primeiro andar servem-se almoços e pela tarde o restaurante transforma-se em casa de chá. O ambiente é informal apesar da visita de algumas celebridades. Nas escadas há fotografias do fundador da chocolataria, pai de Heinz-Richard, e de várias personalidades públicas apreciadoras da famosa marca, entre as quais sobressai Pavarotti. Às refeições brilha a gastronomia alemã, caseira, bem feita. Sopa de abóbora com gengibre, cebolinho e um pouco de natas; salmão com esparregado, batatas novas, cobertas com um molho branco alimonado; ou salsichas caseiras, com ragout de couves, batatas e abóbora são o tipo de pratos do dia. A acompanhar é servida, à parte, mostarda de Düsseldorf, absolutamente deliciosa, parecida com a de Dijon, mas mais escura e um pouco mais amarga e picante. Uma refeição fica entre 10 e 15 euros, com vinho a copo. Para sobremesa, é obrigatório provar os bolos de Heinemann, com champanhe e trufas, ou os seus famosos chocolates. Um dos chocolates pretos de Heinemann ganhou recentemente o título de melhor chocolate do mundo, num concurso em Itália. Experimente ainda o chocolate com chili. Soberbo.
Café Heinemann
Königsallee 30
Kö-Center Blumenstrab
http://www.konditorei-heinemann.de/

Füchschen Alt, cerveja velha
Numa das ruas da zona antiga, está uma das cervejarias mais concorridas de Düsseldorf. À noite, as salas amplas, decoradas com madeiras escuras e motivos de caça, enchem-se de gente. No ar, sente-se o cheiro a cerveja velha (altbier), feita nas traseiras do restaurante. Com um tom escuro, entre o âmbar e o castanho, a altbier é típica de Düsseldorf.
Tradicionalmente com mais tempo de fermentação do que uma cerveja normal, o seu sabor é suave e frutado. Na Füchshen Alt (que significa Raposa Velha), para além da altbier, a grande atracção é o joelho de porco assado. Cinco minutos depois de fazer o pedido, põem-lhe na mesa um enorme naco do suíno e uma faca bicuda, com serra. O talher é indispensável para que possa cortar a peça e, mesmo assim, nada lhe garante que o consiga fazer sem contratempos. É que a pele do porco surge de tal forma grossa e crocante que quebrá-la é quase tão difícil como picar gelo com uma pluma. Uma vez ultrapassada essa dificuldade, contudo, a recompensa é garantida. A pele, bem temperada, é um torresmo delicioso e a carne fica suculenta e tenra.
Füchschen Alt
Cidade Velha, Ratinger Strabe 28
http://www.fuechschen.de/

O porto dos Media
É aqui que se encontram alguns dos cafés e restaurantes mais fashion da cidade, onde se pode beber um copo ao final do dia, petiscar ou mesmo jantar num café-bistro. O Schwan, com música chill out, é uma boa opção para beber Erdinger, num ambiente informal, e ficar a ler um livro, entretido com uma salada ou outro prato leve. Tem ainda a vantagem de ter uma carta em inglês. O local mais concorrido, por estes dias, parece ser contudo o Eigelstein, a cinquenta metros dali, uma cervejaria sofisticada, que serve boas pizzas e tapas, e onde grupos de mulheres clonadas da série Sex and the City e homens de gravata aberta enchem o ar de gargalhadas.
Schwan
Hammer Strabe 38
Eigelstein
Hammer Strabe 17
http://www.schwan-restaurant.de/

Onde ficar

Não faltam opções, como por exemplo o NH Düsseldorf City-Center e o Hotel Ibis Düsseldorf Hauptbahnhof (fica mesmo no centro comercial da cidade, junto à estação central dos comboios).
Preços a partir de 79€.

Como ir

Já há voos directos para Dusseldorf a partir de Lisboa, seja pela TAP ou pela Lufthansa. Também há rotas a partir do Porto, mas com escala, para viajar na TAP, Lufthansa ou Ryanair.

[dados actualizados a 09.05.2011]

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