Fugas - Viagens

Adriano Miranda

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O sonho indiano começa em Bombaim

Os edifícios aqui impressionam pela grandeza e pela decadência de grande parte. Há excepções - os edifícios ocupados por instituições financeiras e seguradoras, o Army & Navy Building inesperadamente neo-clássico... A Universidade de Bombaim ergue-se numa rua paralela, com a torre do relógio a subir 78 metros em cor vermelho debruada a pedra branca e esculturas representando as diversas comunidades indianas. E, à frente, o Oval Maiden, um dos campos de sonhos de Bombaim: o críquete é o rei, ali, no parque que é um campo enorme rodeado de árvores por onde espreitam os edifícios.

Está em todos os guias turísticos, o Crawford Market, edifício de pedra com aspecto quase de fortaleza em estilo gótico normando e ferro e vidro a compor clarabóia gigantesca que deixa entrar o dia no espaço que poderia ser lúgubre - é-o nas traseiras: talho e matadouro, esgotos a céu aberto para onde caem as galinhas depenadas bem ali à frente de quem passa. O cheiro é nauseabundo, a condizer com o cenário - um contraste com o interior, onde o cheiro doce da fruta e das especiarias enche o ar. É o maior mercado da cidade, três mil toneladas diárias de produtos frescos entram no edifício desenhado por Lockyard Kipling, pai do Nobel da Literatura Rudyard Kipling. Nas bancadas, a fruta alinha-se em pirâmides imaculadas sobre palha, os vegetais transpiram vitalidade - mas há mais do que produtos frescos aqui: especiarias e medicamentos, produtos de higiene e jóias, panelas e saris.

São uma das idiossincrasias de Bombaim - as dhobi ("lavador") ghat ("lavandaria"), as lavandarias ao ar livre, onde todos os dias dezenas de quilos de roupa são lavadas: primeiro ficam em repouso na água, depois são esfregadas contra a pedra (cada tanque tem uma textura específica), atiradas para caldeirões de água a ferver, postas a secar e passadas - para serem entregues aos clientes, que incluem hospitais. A Dhobi Ghat Mahalaxmi é a mais famosa e isto significa que há vendedores e "guias turísticos" nas imediações. A vista de cima impressiona: os tanques de cimento encaixam-se como mosaicos indisciplinados, as roupas estendidas por todo o lado são pinturas abstractas, os casebres e as ruelas dividem espaço escasso - ao fundo, arranha-céus. A lavandaria está dentro de um bairro que vive na rua, de um lado o barbeiro, do outro o mecânico (e carro esventrado à espera de milagre), banca de frutas, templo hindu improvisado de néons e fotografias de cores intensas, famílias a pedir: as crianças "atiradas" para a frente, como é habitual (no trânsito parado, lá estão eles, olhos tristes, mãos estendidas e pais atrás a controlar).

É incontornável nesta baixa de Bombaim, para locais e turistas. Pela Estação Vitória - terminada em 1888, para o jubileu de ouro da rainha - passam dois milhões e meio de passageiros diariamente, para os mil comboios que entram e saem. Os seus arredores fervilham, é difícil parar e observar o delírio da sua arquitectura, grandioso gótico vitoriano de arcos, cúpulas, espirais, esculturas profusas - no portão, um leão e um tigre simbolizam Inglaterra e Índia, mas pelas fachadas andam à solta cobras, elefantes, macacos, pavões... Lá dentro, os tectos neo-góticos com nervuras de madeira, os vitrais, azulejos, grelhas de ferro passam quase despercebidos entre a azáfama quotidiana - os placares volteiam destinos, os altifalantes debitam informações, os comboios entram, saem, deixam-se estar e encher quando estão prestes a arrancar: e partem sobrelotados. São comboios com grades, carruagens para mulheres e vendedores - e à margem de tudo, ainda há espaço (e tempo) para jovens que vêem o dia a passar em cima das linhas tendo ratos e ratazanas como companhia e as máquinas fotográficas dos turistas como diversão.

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