Fugas - Viagens

  • Miguel Nogueira
  • Miguel Nogueira
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  • O eucalipto de Sátão
    O eucalipto de Sátão Miguel Nogueira
  • O castanheiro de Tresminas
    O castanheiro de Tresminas Miguel Nogueira
  • O carvalho-alvarinho da Póvoa de Lanhoso
    O carvalho-alvarinho da Póvoa de Lanhoso Miguel Nogueira
  • O Plátano da Quinta da Fôja, Santana, Figueira da Foz
    O Plátano da Quinta da Fôja, Santana, Figueira da Foz Miguel Nogueira
  • As formas excêntricas do pinheiro-bravo da Mata Nacional de Leiria
    As formas excêntricas do pinheiro-bravo da Mata Nacional de Leiria Miguel Nogueira
  • A alameda de freixos de São Salvador da Aramanha
    A alameda de freixos de São Salvador da Aramanha Miguel Nogueira
  • O plátano da Quinta da Fôja
    O plátano da Quinta da Fôja Miguel Nogueira
  • A oliveira milenar de Serpa;
    A oliveira milenar de Serpa; Miguel Nogueira
  • A alfarrobeira de Moncarapacho
    A alfarrobeira de Moncarapacho Miguel Nogueira

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Os monumentos vivos de Portugal

Freixo | São Salvador da Aramanha, Portagem, Marvão

Marvão mira-nos imperturbável do seu ninho de águias, porque aos seus pés nos detemos. A alameda de freixos (Fraxinus angustifolia Vahl) no lugar de São Salvador da Aramanha (Portagem) na estrada 246-1 (que liga Marvão a Castelo de Vide) é o motivo: 1,1 quilómetros com exemplares de 200 anos, altos (e altivos). “De noite parece outra coisa”, avisa Guilhermino Fernandes, “a cuidar de árvores há 30 anos”. Encontramo-lo com o colega José Campinho a cuidar dos freixos, agora sob alçada das Estradas de Portugal, empresa de que eles são funcionários. Guilhermino está pintá-los: balde de cal no chão, escova na mão, de cima-para-baixo-de-baixo-para-cima, a preencher uma lista bem larga no tronco — “Se não estiver pintado não chama tanto a atenção”. José, machado na mão, anda agora a limpar os troncos, a cortar-lhes os “raminhos” que vão nascendo e tirando-lhes força — “além de que fica mais bonito, mais certinho”.

Andam há seis ou sete dias neste trabalho. “De ano a ano fazemos este serviço, sempre no Verão”, contam. “Isto teve uma intervenção grande aqui há dois anos, mas já está a precisar de mais”, notam. José aponta para o alto de alguns freixos: “Aqueles raminhos também deviam ser cortados, mas não posso.” Ou melhor, poder até pode, mas tudo “supervisionado por técnicos”.

De vez em quando caem pernadas, mais uma vez apontam um freixo, com uma parte seca, outros, com os temporais, caem ou racham-se a meio (“não é normal, mas acontece”) e há dois anos tiveram de ser abatidos 35. Plantaram-se alguns, que se distinguem bem entre a imponência dos troncos altos, alinhados como que criando uma ilusão óptica de simetria que é, realmente, acentuada pelas listas brancas ainda frescas. Os jovens têm troncos mais finos do que os ramos mais finos destes freixos de 200 anos e estão envoltos num plástico verde que os protegem. Ainda assim, e embora tenha sido utilizado um “material próprio para manter as árvores frescas antes de começarem a pegar as raízes”, alguns “não aguentaram” e são agora espaços em branco na sucessão de troncos. Outros espaços vazios são opção: a estrada aqui é demasiado estreita para as exigências modernas — e esta via, que liga a Espanha, até tem muito trânsito, camiões incluídos. Assistimos a várias situações complicadas quando se cruzam viaturas e foi a pensar nestas ocasiões que não se substituíram algumas das árvores mortas, criando-se espaços de escapatória.

Com todas estas vicissitudes, que são ameaças à sua sobrevivência — a que chegou a somar-se a construção de um campo de golfe, entretanto abandonado (e irreconhecível), que gerou polémica pelo impacto que poderia ter nas árvores desse lado —, a alameda mantém 258 freixos. Não os contamos, confiamos em José. É um postal turístico da região e o efeito que cria talvez a torne na alameda mais fotografada de Portugal, diz quem sabe. Herança de um tempo em que “a extinta Junta Autónoma de Estradas tinha preocupações paisagísticas, traduzidas num plano de arborização das nossas principais estradas”, sublinha Pedro Santos.

Sobreiro | Montargil, Ponte de Sor

Vemo-lo como se fora um bonsai gigante: o tronco largo, os ramos a comporem um bouquet de muitas copas a juntarem-se numa só (24 metros de diâmetro). Fôramos nós gigantes e cuidaríamos dele com todo cuidado, podando aqui e ali para que mantivesse a sua forma. Como não somos gigantes, e o sobreiro (Quercus suber L.) de Montalvo (em Montargil, Ponte de Sor, a espreitar a albufeira e a escutar badalos de rebanhos ao longe) nem sequer precisa de cuidados, contemplamo-lo apenas, em quieta admiração pela sua atitude soberana perante o montado em redor. Está protegido por uma cerca de arame farpado, que evita que o gado da herdade (está em propriedade privada) onde se encontra procure a sua sombra para apascentar, desgastando assim o solo onde as suas raízes mergulham há 500 anos. Mergulham e já rasgam o solo, na verdade: da sua base, já com cavidades, saem raízes descobertas.

Não sabemos se é um dos motivos para a sua notável saúde, mas, pelo que é de conhecimento público, este sobreiro constitui uma excepção não só pela idade, como também pelo facto de nunca ter sido descortiçado. Num país que tem no sobreiro a árvore nacional, não faltam exemplares notáveis. Mesmo aqui em Montargil, por exemplo, encontra-se o sobreiro escolhido para a sequenciação do genoma desta espécie, no âmbito do projecto GenoSuber, que vai permitir descobrir indicadores que ajudem a melhorar a produção de cortiça. Esse sobreiro tem entre 120 e 150 anos e está na Herdade dos Leitões que, coincidentemente, dá título a uma das obras do engenheiro silvicultor Vieira Natividade, tido como um dos grandes especialistas do século XX em ciências florestais (nomeadamente na cultura do sobreiro), Devotion Subericale - Les Herdades de Leitões et Montalvo (1960). O sobreiro de Montalvo, contudo, do alto dos seus 500 anos, cheios de vitalidade e beleza cénica, é o exemplar que faz a capa da obra.

Oliveira | Serpa

Chegar a Serpa à procura de uma oliveira (Olea europaea L.) milenar não é tarefa fácil. Não porque estas sejam raras: o problema é precisamente esse — são várias as que se encontram na cidade. E isto sem falar nos olivais em redor, que continuam a ostentar vários exemplares seculares e milenares, apesar de uma certa razia nos últimos anos. É que se têm perdido muitos exemplares, repetem-nos junto da estátua Abade Correia da Serra, botânico e diplomata do século XVIII, fundador da Academia das Ciências de Lisboa nascido em Serpa, que tutela um pequeno jardim onde estão duas oliveiras classificadas em 2001. “De vez em quando, passam camiões TIR com as árvores”, conta Manuel Zarcos, no Café Cantinho do Jardim, “os espanhóis pagam bastante por elas”. Haveremos de voltar a ouvi-lo de José Neca, sentado num dos bancos da alameda, vista directa para as oliveiras: “Em Espanha é proibido arrancar estas oliveiras.”

Neste pequeno jardim há três oliveiras, ainda que só duas sejam classificadas, as que estão viradas para a rua, cada uma do lado do busto. A mais próxima, do seu lado direito tem uma copa viva sobre um tronco largo e aberto, com rebento — e é como se esse estivesse a abrigar o progenitor, tronco tão ondulado que é rugoso mas ao mesmo tempo suave. A do lado esquerdo tem menos copa, o tronco é menos largo mas tão aberto e “escavado” como o da primeira. A terceira oliveira, não classificada, por detrás do busto, é a que tem a forma mais excêntrica, um tronco com tendências horizontais, torcendo-se e retorcendo-se antes de se erguer, timidamente, numa copa pouco abundante.

A ironia é que estas oliveiras — como as que encontramos junto do aqueduto e da Praça 25 de Abril, igualmente milenares — também foram elas transplantadas quando se fez o jardim. “Há velhotes que sabem de onde vêm, quem as trouxe...”, diz Manuel Zarcos. José Barrocas é um deles. “A mais grossa veio de um olival à saída de Serpa, a caminho de Moura, aqui a dois quilómetros. A outra veio da herdade da Bemposta...” Não sabe em que ano: “Eu tenho 70 anos, não faço uma pequena ideia, mas lembro-me de virem [as oliveiras], de não haver.” José Neca não tem ideia da data do transplante destas oliveiras, mas das do aqueduto sim, “foi há 20 ou 30 anos, fiz fotografias” (que há-de mandar-nos). Na verdade, as oliveiras do aqueduto foram transladadas em 1978, 20 anos depois destas daqui da alameda, que foram trazidas pelo engenheiro silvicultor Pulido Garcia, também daqui de Serpa (que dá nome ao jardim público murado mesmo em frente ao jardim das oliveiras). Também a oliveira mais grossa de todas as que encontramos em Serpa, na Avenida 25 de Abril, foi transplantada e esta foi a última a ser classificada em Serpa (a sexta), em 2010, por proposta da associação Árvores de Portugal. “Estas oliveiras despertam em nós sentimentos contraditórios”, explica Pedro Santos, da associação, por email. “Sendo organismos magníficos, por norma somos contra o seu transplante, salvo nos casos em que as mesmas estivessem condenadas à destruição, devido, por exemplo, à construção de uma estrada.” A posição da associação é de defesa da manutenção destas árvores no seu habitat original, pois aí possuem mais valor, biológico e paisagístico.

Em Serpa, as novas gerações não têm ideia da idade das oliveiras com que se vão cruzando todos os dias, como pudemos comprovar. “As pessoas já não reparam. Nasceram e cresceram com isto”, justifica Manuel Zarcos, “vai dizer-lhes que uma árvore tem mil anos e vão dizer que é uma treta”. Os ingleses é que chegam a perguntar pelas árvores antigas, conta. “São árvores que viram passar os romanos.”

Alfarrobeira | Moncarapacho, Olhão

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