A guerra do vinho a copo, já se sabe, continua a ocupar um espaço quase ilimitado nas conversas sobre o vinho, alimentando dissertações apaixonadas sobre a sua necessidade, sobre a sua conveniência, sobre a urgência em democratizar o processo, em alargá-lo a um universo ainda mais amplo da restauração. Para o caso servem os argumentos do costume, determinados especialmente, mas não só, na impossibilidade material de um grupo pequeno, de uma ou duas pessoas, conseguir beber uma garrafa inteira à refeição, sobretudo ao almoço, durante o intervalo do trabalho.
Mas sobram ainda muitos outros argumentos decisivos para o elogio do vinho a copo, começando pelo conforto de dispor de uma selecção alargada de opções, prosseguindo na melhor adaptação do vinho a copo à cozinha chamada erudita, para os menus de degustação, onde os pratos se sucedem a um ritmo vertiginoso, por regra preconizando variações entre pratos de peixe e carne, alternando entre pratos mais ligeiros e propostas mais densas e pesadas, dificultando a eleição de um só vinho para acompanhar a refeição.
E, claro, sobra ainda o argumento decisivo do preço, ainda mais peremptório nas circunstâncias actuais da economia, necessariamente mais cordato no vinho a copo que no preço integral de uma garrafa, argumento capaz de fazer baixar os custos com as bebidas na refeição... ou incentivo suficiente para poder lançar-se a provar vinhos que em condições normais seriam rejeitados, precisamente por serem demasiado caros. Argumentos bastantes para perceber a justeza do combate pelo vinho a copo que, apesar das muitas batalhas ganhas, ainda está longe de mostrar a universalidade e sucesso que a iniciativa merece.
Do outro lado da barricada, expressa em muitos sectores da restauração, os argumentos afixam-se maioritariamente na dificuldade em gerir garrafas abertas, com os perigos potenciais de prejuízo que o conceito, se mal gerido, poderia acarretar para a casa. Mas as espinhas estendem-se ainda à indispensabilidade de investir em copos decentes... e à mais pura e genuína ignorância, perpetuando a lengalenga trágica que insiste em associar vinho a copo com tempos passados de tabernas de má reputação. E todos sabemos como é difícil romper preconceitos. Mas é na complicação e custo de gerir garrafas abertas e na necessidade de investir em copos que se sentem os maiores escolhos. Talvez por isso tenha surgido esta ideia quase inacreditável de, em vez de servir vinho a copo... servir vinho em copo!
Poderá até parecer uma simples subtileza de linguagem, mas a diferença entre os dois conceitos é capital. Porque aquilo a que um excêntrico industrial se propôs foi apresentar um vinho já "engarrafado" em copo, num copo de plástico com pé, imitando de forma genérica os maneirismos dos copos clássicos de vinho, vedado com uma simples folha de alumínio, ao jeito das embalagens de iogurtes e de tantos outros produtos alimentares. Se num primeiro instante a ideia poderá parecer quase absurda, ou até mesmo ofensiva, aparentemente a razão parece estar do lado de quem se lançou em tão estranho empreendimento, pelo menos face ao êxito instantâneo que o novo formato granjeou.
Claro que toda a crónica romântica e funcional sobre a necessidade do vinho a copo, tal como toda a lógica envolvida na promoção do seu consumo, não passam de meros pretextos, de uma simples desculpa para a criação deste novo figurino de comercialização de vinho. O "vinho em copo" destina-se, para além do abastecimento de minibares de hotéis, ao consumo em espaços abertos e ao ar livre, em concertos públicos, em churrascos e piqueniques, em passeios pelo campo, em todas as ocasiões em que o serviço de vinho seria especialmente problemático pelas dificuldades implícitas de logística. Sob essa perspectiva, e apesar da ideia aterradora de beber um vinho em copo de plástico rematado por uma tampa de alumínio, o conceito até poderia ser encarado com alguma bonomia, por permitir uma aproximação ao vinho em ocasiões onde o seu consumo seria especialmente espinhoso.
Estas não são, contudo, as razões principais para que o novo formato tivesse nascido. Como de costume, as razões assentam em aspectos muito mais prosaicos. É que o novo formato ajuda a contornar algumas das restrições habituais relacionadas com a fobia securitária que assola tanto a Europa como os Estados Unidos, permitindo o consumo de vinho sem a presença de vidro por perto, anunciando-se como a medida exemplar para companhias aéreas, comboios e todos os transportes colectivos que obriguem a medidas de segurança reforçadas.
Imagina-se que a sua implementação seria quase impossível em Portugal, ou para ser mais abrangente, na maioria dos países mediterrânicos, regiões onde a relação com a mesa e o vinho são encaradas com maior compostura. Só mesmo nos países centro europeus ou de matriz anglo-saxónica, países que voluntariamente aceitam a ideia de almoços de consumo rápido, por regra fora de portas, com sandes e saladas comidos na rua ou em parques, poderiam abraçar um formato de vinho pré-embalado em copo, da mesma forma que o aceitam para os refrescos e cafés gigantes que há muito se habituaram a passear pelas ruas. O que sim, será um pesadelo assegurado, caso o novo formato vingue, é a pegada ecológica do "vinho em copo". O desafio de ter de reciclar milhares de pequenos copos de plástico afigura-se como uma tarefa apavorante.
Por ora o sucesso tem atingido principalmente os vinhos comercializados pela célebre Marks & Spencer, vendidos sob o nome "Le Froglet", a marca própria da cadeia de lojas inglesa, engarrafado nas versões branco, rosado e tinto, respectivamente sob as castas Chardonnay e Syrah, embora sobreviva igualmente sob o cinéfilo nome "The Italian Job", igualmente nas três cores, mas aqui sob o patrocínio das castas Sauvignon Blanc, Sangiovese e Sangiovese/Merlot.
Poderá o "vinho em copo" representar o futuro do vinho? Esperemos que não!