Fugas - Vinhos

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Encruzado, a história de uma grande casta a sair do esquecimento

Por Rui Falcão

O brilho do vinho branco é um fenómeno novo entre os consumidores e nesta descoberta há uma casta que se tornou um caso sério. A Encruzado do Dão está a merecer cada vez mais elogios e cuidados e entrou no lote das castas brancas mais atraentes do país.

A vida faz-se de ciclos, de modas, de etapas que consumimos de forma cada vez mais acelerada. Há menos de dez anos poucos perderiam tempo a falar de vinhos brancos, poucos se dignariam a olhar para os vinhos brancos, aqueles que eram bebidos mesmo antes de se chegar aos verdadeiros vinhos, o vinho tinto. Há menos de vinte anos poucos tinham ouvido falar no nome de alguma casta nacional, poucos conseguiriam reconhecer o nome de três ou quatro variedades portuguesas, com as devidas e conhecidas excepções da Alvarinho e da Baga. Há menos de dez anos poucos teriam ouvido falar da casta Encruzado e ainda menos saberiam de que região a variedade era originária, se era branca ou tinta, quais os aromas ou quais os vinhos onde ela entrava.

Em pouco mis de uma década tudo mudou em Portugal e hoje, apesar de esse conhecimento continuar restrito a um pequeno núcleo de entusiastas, já conhecemos muitas castas pelo nome, sabemos algumas das suas sinonímias, sabemos ao que cheiram e sabem, conhecemos alguns dos vinhos mais famosos onde essas castas brilham. Entre os nomes mais intuitivos desta nova realidade encontra-se a Encruzado, uma das três grandes castas brancas portuguesas a par de outras duas variedades de enormíssima qualidade, a Alvarinho e a Loureiro.

Sim, a Encruzado é uma variedade brilhante, uma casta de elogio obrigatório, uma das jóias maiores do vasto património ampelográfico nacional. Embora não se conheça a sua história a fundo, presume-se que será originária da região do Dão, denominação onde brilha e onde se concentra de forma quase exclusiva. Convém não esquecer que se hoje falamos da Encruzado com tanta eloquência e a elogiamos de forma tão arrebatada, num passado recente a maioria não valorizava a casta e poucos aspiravam plantá-la ou vinificá-la… tal como poucos valorizavam ou mostravam afecto pela Touriga Nacional, casta que entretanto se transformou no porta-estandarte dos vinhos lusitanos… e que, curiosamente, será originária da mesma região, situação que a par da qualidade excelsa das duas variedades permite traçar um conjunto de paralelismos interessantes entre as duas castas.

De todas as castas brancas portuguesas, a Encruzado é aquela que mais se afasta do modelo simples de vinhos ligeiros ou aromáticos, dando corpo a vinhos relativamente austeros, fechados, pouco fragrantes no aroma, mas cheios, intensos, pujantes e profundamente autoritários na boca. Não é uma casta fácil ou condescendente, podendo mesmo, por ser tão corpulenta e robusta, chegar a fazer passar a ilusão de estar perante um vinho tinto. De forma mais directa e talvez um pouco brutal na sem-cerimónia, a Encruzado é uma casta absolutamente rica e extraordinária mas que dificilmente vive sozinha, dificilmente dá manifesto a vinhos insuperáveis quando é proposta em versão monocasta, sem o amparo de outras castas que lhe ajudem na definição aromática.

É fácil voltar a estabelecer um paralelismo com a Touriga Nacional, casta insigne mas que tal como a Encruzado agradece a companhia de outras castas para se poder expressar na plenitude, para aumentar a complexidade e criar vinhos incomparáveis. Na verdade, a apresentação da Encruzado em vinhos estremes é um fenómeno recente e sem sustentação na história que a privilegiou nos vinhos de lote. A história ensina-nos através do exemplo dos enormes vinhos brancos da região do Dão, muitos deles das décadas de cinquenta e sessenta do século passado, que a Encruzado se sente mais confortável e permite melhores resultados quando combinada com algumas das outras variedades tradicionais do Dão, castas como a Malvasia Fina, Bical (Borrado das Moscas na região) ou as quase desaparecidas Sercial e Terrantez, castas outrora típicas e presentes na região. Deixarmo-nos enredar, em pleno século XXI, na pretensão de fazer vinhos estremes, deixarmo-nos perder em tiques importados de produzir vinhos varietais quando a tradição portuguesa e a tradição da região sempre foi elaborar vinhos de lote é um erro que nos irá sair caro. Sobretudo quando a Encruzado se sente muito mais feliz e confortável quando em coligação com outras variedades igualmente originárias da região. Não faria mais sentido tentar resgatar do oblívio as castas Sercial e Terrantez num regresso a um passado recente de evidente sucesso?

Curiosamente, e apesar de a Encruzado ser considerada como uma das jóias maiores do património ampelográfico nacional, a casta continua pouco valorizada dentro e fora da região, pouco divulgada e pouco estudada, quase inexpressiva dentro e fora do Dão. Sim, é verdade que dentro da região começa a ganhar algum protagonismo e alguma ascendência, apesar de por enquanto ainda pouco visível na área plantada. Mas ao contrário da Touriga Nacional, que se converteu numa moda quase imparável dentro e fora de fronteiras e a levou a ser transplantada para a plenitude das regiões portuguesas, e para muitos países do mundo entre os quais se destacam a África do Sul, Austrália, Argentina, Espanha e Brasil, a Encruzado permanece como uma casta puramente regional, sem expressão fora das fronteiras naturais do Dão.

O mundo do vinho vive repleto de mistérios insondáveis, de grandes e pequenos enigmas que a razão raramente consegue explicar. Qual o fundamento para que uma das castas mais interessantes de Portugal, aquela que permite fazer os vinhos mais longevos, cheios e elegantes, envolventes e sérios, continua a ser tão ignorada pela quase totalidade dos viticultores e produtores portugueses? Como é possível de entender que uma casta que proporciona estrutura, equilíbrio, untuosidade, uma incrível capacidade de guarda e uma extraordinária afinidade com a fermentação e envelhecimento em madeira continue a ser tão desaproveitada?

A falta de entusiasmo na propagação da Encruzado é um dos maiores mistérios que envolve o universo do vinho em Portugal. Sobretudo quando se sabe que é uma casta relativamente produtiva e sem complicações especiais, com uma capacidade única para manter um equilíbrio quase perfeito entre açúcar e acidez, os dois parâmetros fundamentais da enologia.

Cinco escolhas de Encruzado

Quinta dos Roques Encruzado 2012

É fácil sustentar que a Quinta dos Roques é parte integrante da elite nacional, encontrando-se entre os melhores do Dão e de Portugal. O percurso consistente de quase três décadas com os pés bem assentes na terra, sem loucuras de preços, sem alterações inconsequentes de perfil, sem variações qualitativas é sinal de um produtor maduro e exigente. Nos Roques respira-se seriedade, humildade e uma vontade férrea em fazer bem e em consonância com o que a terra dá, sem subverter o ano agrícola. A aliança subtil entre classicismo e modernidade patente nos topos de gama seduz, tal como o binómio potência/elegância, que representa o paradigma do Dão, o justo equilíbrio entre fruta e acidez. Os vinhos da Quinta dos Roques raramente são vinhos fáceis, mostrando-se frequentemente sérios e sóbrios, sólidos e estruturados, prontos para uma vida longa em garrafa. Este Encruzado não é excepção mostrando-se sisudo no nariz, fechado a sete chaves, soltando-se mais na boca que se apresenta firme e ampla, estruturada, cheia e pujante, terminando fresca e retemperadora graças à acidez sibilina que assegura.

Preço: 11.40€ na Garrafeira Nacional, Lisboa, www.garrafeiranacional.com

 

Quinta das Marias Encruzado 2012

Peter Viktor Eckert, suíço de nascimento e homem do mundo, rodeou-se das melhores pessoas, vestiu a camisola do Dão e dos vinhos portugueses e vive entre Portugal e a Suíça promovendo os seus vinhos e o Dão, esforçando-se por criar vinhos originais e seguros. Vinhos possantes e agigantados na dimensão sem deixar de perder de vista os fundamentos de elegância e austeridade que caracterizam a região do Dão. Os vinhos são francamente bons, bem-feitos, elegantes e impressionantes. Em pouco tempo a Quinta das Marias guindou-se ao topo da pirâmide hierárquica do Dão, apresentando-se como uma das referências da região e um dos modelos a seguir. Este Encruzado fermentado em madeira revela, como é apanágio da casta, um nariz discreto e austero preferindo oferecer o protagonismo à boca. Mostra-se cheio, citrino, levemente abaunilhado pela presença suave da madeira, fino e elegante, amplo e profundo, capaz de viver um bom par de anos em garrafa.

Preço:9.80€ na Coisas do Arco do Vinho, Lisboa, www.coisasdoarcodovinho.pt

 

Pedra Cancela Branco

Pedra Cancela é o filho querido de João Paulo Gouveia, sócio e figura carismática da Vines&Wines, a empresa de consultoria vitícola e enológica mais prolífica das Beiras. Quando João Paulo Gouveia comprou a quinta descobriu uma pequena parcela, conhecida como Pedra Cancela, onde existia uma vinha estreme e velha de trinta anos, plantada com a casta Encruzado ladeada por uma segunda vinha de vinte anos plantada com Touriga Nacional, justamente as vinhas que dão nome e estão na origem do Pedra Cancela estreme da mesma casta. Por crença pessoal e profissional pratica uma agricultura sustentada garantindo assim a sanidade e variedade da população dos solos, assegurando a continuidade no tempo das boas colheitas. Este lote de Encruzado e Malvasia Fina solta um travo cítrico muito fresco, aromas de restolho e casca de pêssego. Depois entre em acção uma boca musculada que dá alma a este lote de Encruzado e Malvasia Fina, uma boca carnuda e mineral, cheia e viva, volumosa mas fresquíssima, engrossada por um final poderoso e longo.

Preço: 10.68€ na Vinho Web, www.vinhoweb.pt

 

Quinta do Cerrado Encruzado 2011

Os vinhos da Quinta do Cerrado, nascidos perto de Carregal do Sal, contam a história de uma família e de uma empresa, a União Comercial da Beira, uma das empresas mais antigas da região do Dão. Hoje é já a terceira geração a comandar os destinos da casa e é sempre com prazer e com um sorrido nos lábios que terminam as provas deste produtor. O sentimento de segurança e satisfação são transmitidos por vinhos impecáveis na arte e no brio, vinhos reconfortantes e consistentes que convertem a Quinta do Cerrado num produtor de valor adquirido. O Encruzado da casa é um branco cheio e entroncado, suave nos aromas vagamente florais e nas notas de pêssego, envolvente e sedoso, rico e complexo, complexo, cheio e com um final de textura levemente amanteigada. Com tantos predicados não é fácil perceber por que razão os vinhos da Quinta do Cerrado não são mais e melhor conhecidos do grande público.

Preço: 6.40€ na Garrafeira Dom Vinho, Coimbra, www.domvinho.com/garrafeira-dom-vinho

 

Quinta dos Carvalhais Colheita Seleccionada Branco 2009

A Quinta dos Carvalhais é um projecto que se revelou capital tanto para o universo Sogrape como para a região do Dão. Ajudou de forma decisiva na renovação e rejuvenescimento da região, na mudança de atitudes, na revolução da gestão da vinha e na implantação de tecnologia de ponta. Carvalhais tem proporcionado muitos momentos de alegria e o Colheita Seleccionada é um dos exemplos felizes de como uma empresa grande pode manter o compromisso e princípio feliz de introduzir colheitas mais antigas no mercado, vinhos com um longo estágio em garrafa, missão na qual a Quinta dos Carvalhais está profundamente empenhada. O Quinta dos Carvalhais Colheita Seleccionada branco, um lote de Encruzado e Malvasia Fina, é um modelo de elegância, estrutura e delicadeza, original no estilo levemente oxidativo cada vez menos habitual. Mostra um nariz repleto de fermento de padeiro, melão, manga, brioche e manteiga, uma sucessão de vagas aromáticas quase contraditórias que o enriquecem de forma substancial. Meloso mas vivo, denso, quase mastigável, é um branco diferente do habitual e com excelentes aptidões para envelhecer em garrafa.

Preço: 9.70€ na Garrafeira Nacional, Lisboa, www.garrafeiranacional.com

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