Fugas - Vinhos

ADRIANO MIRANDA

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A história extraordinária do vinho medieval de Ourém

Uma prática histórica que, entre outras razões, nasceu da necessidade de apressar tanto a elaboração do vinho como o momento de consumo. Quanto menos tempo os mostos se demorassem na adega, menos impostos teriam de ser pagos à Ordem de Cister, que diligentemente cobrava taxas pela utilização dos lagares divididas em períodos mínimos de 24 horas. Mas também porque, ao combinar uvas muito maduras de castas brancas vindimadas muito tarde para acrescentar grau alcoólico com uma percentagem muito pequena de uvas tintas, o vinho seria bebível muito mais cedo, despontando muito mais cedo para consumo caseiro ou para a venda nas muitas tabernas e mercearias da região.

A vontade de beber cedo os vinhos era tão grande, e a capacidade de resistência aos aromas e sabores dos vinhos novos era tão diminuta, que os tonéis antigos dos vinhos medievais de Ourém são conhecidos por terem não uma torneira no fundo mas sim várias aberturas espalhadas em diferentes posições e alturas nos tampos de modo a permitir retirar vinho logo após os primeiros momentos quando a coloração das uvas tintas entretanto acrescentadas ainda não era evidente no fundo do tonel… mas já perceptível e notória no seu topo. Por isso os tonéis antigos se encontram tão manchados e furados, numa espécie de homenagem à impaciência e à gula por um vinho novo.

Curiosamente, e porque as manchas do vinho que escorria das aberturas dos tampos ficavam marcadas nos tonéis depois de abertos, tornando fácil deduzir quando alguém se tinha ‘servido’ do vinho, muitos tonéis têm igualmente aberturas nos tampos do fundo onde por vezes os audazes atacavam na esperança de ninguém se entreter com a inspecção  das “traseiras” dos velhos tonéis.

Histórias extraordinárias de um vinho único e especialmente interessante que seria o sonho de qualquer candidato a marketeer mas que no século XX quase foi extinto devido ao abandono do campo, à falta de entusiasmo na preservação das tradições e à falta de uma legislação comunitária e padronizada que não se encaixa facilmente nestes detalhes históricos que quase ultrapassam a imaginação. Por sorte e entusiasmo de alguns produtores que não deixaram cair o vinho em esquecimento, o vinho medieval de Ourém acabou por ser certificado e defendido há cerca de dez anos, ganhando um estatuto especial que teoricamente o livrará desse fim que parecia estar já anunciado. Cabe-nos a nós provar e beber os vinhos, descobrir a sua originalidade e defender mais um vinho que demonstra a incrível diversidade e riqueza dos vinhos portugueses.

 

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