Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

Os melhores do ano

Por Rui Falcão

O mês de Dezembro convida ao balanço, convida a festa e reflexão, compelindo-nos a querer seleccionar e eleger os momentos que mais nos marcaram ao longo do ano, aqueles que deixaram melhores memórias.

Ano após ano, a contabilização repete-se quando chega o termo do ano civil num misto de observação e sistematização, um exercício em busca da hierarquização dos vinhos mais apetecíveis provados ao longo do ano. Por muito que o queiramos negar a nós próprios, a maioria gosta de tabelas, gosta de criar e ler possíveis hierarquias e sistematizações, gosta de criar modelos e ponderar sobre aquilo que mais nos alegrou e motivou ao longo de um ano.

Uma lista que não pretende nem pode ser exaustiva, uma compilação que não quer ser uma relação fria e analítica do somatório aritmético dos vinhos que melhores pontuações obtiveram ao longo de um ano inteiro de provas. Mais que um repositório dos melhores vinhos do ano, gostaria de enunciar os vinhos que mais me impressionaram ao longo deste ano, aqueles que por diferentes e insondáveis razões me despertaram mais emoções e que mais me tocaram a alma. Vinhos que surpreenderam ou que se mostraram quase previsíveis e fáceis de entender, vinhos inovadores ou clássicos, caros ou baratos, velhos ou novos… mas sempre com personalidade, individualidade própria e aquela honestidade cada vez mais rara de se manterem autênticos ao local onde nasceram.

Esta é a minha lista, a contabilização dos vinhos que melhor correspondem aos estilos que valorizo, as minhas preferências naturais. Não são obrigatoriamente os melhores vinhos do ano, os mais perfeitos, os mais certinhos, os mais ajuizados ou os mais educados. A maioria são vinhos invulgares, seguros, e com boa capacidade de envelhecimento. Nesta relação decidi privilegiar aqueles que mais se aproximam do meu gosto pessoal, os que mais me impressionaram e abalaram.

Num país que se celebrizou internacionalmente pelos vinhos generosos e que contou, e continua a contar, com a ajuda preciosa destes verdadeiros embaixadores de Portugal para desbravar terreno para os restantes vinhos nacionais, seria quase impossível não começar com o notável trio composto pelos vinhos do Porto, Madeira e Moscatel de Setúbal. Sobretudo num ano que voltou a revelar-se admirável para a santíssima trindade dos vinhos generosos, com o engarrafamento de vinhos velhos e prodigiosos que sobressaltaram o mundo com a sua imensa longevidade, qualidade e carácter.

Os produtores de Vinho do Porto continuam a surpreender com a periodicidade com que são lançadas novas edições de colheitas muito antigas, algumas delas ainda do século XIX, libertando vinhos maravilhosos que com frequência dão lugar a emoções fortes. A publicação mais recente desta tendência foi editada pela Quinta do Vallado, que acabou de comercializar neste final de ano o “Vallado ABF Very Old Port”, um vinho que terá origem em 1888 e que foi lançado em homenagem a António Bernardo Ferreira, que adquiriu a Quinta do Vallado em 1818, acrescentando-a assim ao património da família Ferreira. Um vinho extraordinário, denso, viscoso, gordo e deliciosamente untuoso mas simultaneamente fresco, doce, amargo e incrivelmente longo.

A Madeira continua a ser a região de eleição para proporcionar vinhos muito velhos. Se os Frasqueira costumam ser os vinhos a prender a atenção e os olhares, este ano a maior surpresa e mérito terá de ser arremessada para o Blandy’s com o seu Malvasia 50 Anos, o segundo vinho da Madeira a figurar nesta categoria de vinhos com indicação de idade recente e ultraluxuosa dos 50 anos. É difícil perceber o que é mais comovente no vinho, se a acidez sibilina e gritante que corta a doçura lustrosa da Malvasia, se a riqueza e gordura de um vinho que mistura vinhos muito velhos sem que o tempo tenha atenuado a juventude e irreverência.

No mundo do Moscatel de Setúbal que infelizmente continua tão pouco valorizado só a José Maria da Fonseca se pode orgulhar de ter vinhos verdadeiramente velhos, muitos dos quais se aproximam ou chegam a ultrapassar o primeiro século de vida. Mas, mais que o Moscatel, o que queria salientar da JMF é o lançamento num futuro muito próximo do Bastardinho de Azeitão 40 Anos, uma versão ainda mais voluptuosa e complexa que o lote anterior. Os rendilhados intricados do mel, caramelo, tosta e figos secos são sublimados por uma acidez natural intensa que elevam o final, transformando-o num dos grandes vinhos do mundo. Mas não podemos nem devemos esquecer a Bacalhôa, que acabou de lançar o Moscatel de Setúbal Superior 30 Anos 1985, um vinho de 1985 que esteve 30 anos em casco a ganhar uma riqueza sublime que o catapultou para a ribalta do mundo. É um vinho profundo, incrivelmente untuoso, mas com um final fresco e assertivo que facilmente nos transporta ao céu.

Para rematar, não poderia deixar de salientar o lançamento do mítico Barca Velha, desta vez na colheita 2008, sempre um acontecimento que transcende o nome de um dois vinhos mais marcantes de Portugal. Entre os vinhos que se destacaram contam-se o Soalheiro, sempre preciso, rigoroso e perfumado. O Druida, um branco de produção muito limitada originário do Dão, merece igualmente louvores soltos num branco feito à moda antiga e sem qualquer luxo, um branco tenso, mineral, duro e incrivelmente profundo.

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