Fugas - Vinhos

Daniel Rocha

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O vinho que o padre bebe

Mas o que é um vinho natural? Pode levar sulfuroso, leveduras industriais, colas, etc? Que se saiba, a Igreja ainda não chegou a este detalhe, mas não deve faltar muito. Recentemente, o Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino e Disciplina dos Sacramentos, dirigiu uma Carta aos bispos diocesanos pedindo-lhes que vigiem a qualidade do pão e do vinho destinados à Eucaristia e a idoneidade daqueles que os fabricam. O que levou Frei Bento Domingues a perguntar, numa humorada e interessantíssima crónica no PÚBLICO: “Jesus não gostava de broa?”.

A preocupação do cardeal com a qualidade do pão e do vinho usados na liturgia tem um motivo bem prosaico: “Enquanto até agora, de um modo geral, algumas comunidades religiosas dedicavam-se a preparar com cuidado o pão e o vinho para a celebração da Eucaristia, hoje estes vendem-se, também, em supermercados, lojas ou mesmo pela internet”. Daí que, “para que não fiquem dúvidas acerca da validade desta matéria eucarística”, sugira que os bispos passem a garantir a matéria eucarística “mediante a concessão de certificados”.

O problema é que algumas doenças modernas vieram baralhar tudo. E se o padre é intolerante ao glúten? Aqui, a Igreja faz algumas concessões mas não muitas. “As hóstias completamente sem glúten são matéria inválida para a Eucaristia. São matéria válida as hóstias parcialmente desprovidas de glúten, de modo que nelas esteja presente uma quantidade de glúten suficiente para obter a panificação, sem acréscimo de substâncias estranhas e sem recorrer a procedimentos tais que desnaturem o pão”. Quanto ao vinho, se o padre tiver algum problema de alcoolismo ou não poder beber por qualquer outro motivo, pode recorrer a sumo de uva.

Para Frei Bento Domingues, estas concessões significam pouco. O que o preocupa é a insistência numa teologia dos sacramentos e da liturgia conservadora. "Não se pode pensar como se ainda estivéssemos no mundo cultural da época de Jesus. Pensar dessa maneira é amputar o cristianismo da sua significação universal e da sua capacidade de inculturação em todos os povos e culturas. Quem, no seu perfeito juízo, pode hoje supor que, na chamada celebração da última Ceia, Jesus tenha dito: ´fazei isto em memória de mim, mas só com pão de trigo, ázimo, e a bebida só pode ser vinho`?”, questiona.

Tudo bem com o pão. Pode mudar. Mas deixem ficar o vinho, com ou sem sulfuroso. Uma missa regada a cerveja ou a uísque não ia ser a mesma coisa. E eu até nem vou à missa.

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