Fugas - hotéis

Enric Vives-Rubio

Vida de salão

Por Tiago Bartolomeu Costa ,

Em Cascais, como quem vai para a Boca do Inferno, há um lugar cheio de História. No Grande Real Villa Itália Hotel & Spa, a vida do jovem Humberto II é um pretexto para imaginarmos como seria viver um dia entre salões, festas e segredos.

Percorremos os corredores forrados a mármore do hotel Grande Real Villa Italia, com quadros que cobrem as paredes e espelhos que ampliam a dimensão estreita de alguns desses corredores, e não é difícil imaginar o que terão sido os dias de Humberto II, de Itália, que chegou ao Estoril no início de Junho de 1946. É como se estivéssemos dentro da cena final de "O Tempo Reencontrado", que Raoul Ruiz fez a partir de "Em busca do Tempo Perdido", de Marcel Proust. São corpos e rostos que lembram fantasmas e histórias. São memórias que não sabemos se temos ou tivemos, se imaginámos ou vivemos. O Grande Real Villa Itália Hotel & Spa é um desses lugares onde nos sentimos ultrapassados pela própria história.

Inaugurado em 2007, foi construído na antiga propriedade da importante e influente família Pinto Bastos, a Villa D'Este, que foi a casa de um rei sem reino durante onze anos, até que um grupo de fiéis monárquicos financiou a ampliação do terreno e o rei passou para uma outra casa, a sua residência definitiva, onde ficou mais 25 anos. O hotel, hoje, faz a ligação entre a Villa D'Este e a Villa Itália, construído com mármores arrancadas do próprio chão onde hoje tem as bases. E a sua dimensão, labiríntica e deslizante, leva-nos a imaginar o que terá sido viver ali.

O sol que se escondeu lá fora convida a que nos demoremos nos detalhes da decoração simétrica, mesmo que a música que percorre os corredores perturbe os sentidos (desde quando é que deixámos de poder viver sem música?). Cadeirões de pele, tapetes extensos, sofás e solitários diferenciados que convidam a demoradas leituras, janelas abertas que deixam ver o céu reflectido no mármore escuro, decorações distintas nos vários pisos, quartos espaçosos mobilados sem atropelo, e outros mais pequenos elegantemente mantidos numa traça que evoca as noites de Humberto, guiadas por frases de poetas portugueses, harmonizam-se com elegância, num jogo complexo que gere bem a dimensão dos espaços. E, assim, perdidos nos corredores, imaginamos as festas organizadas para animar um rei deposto, numa Cascais que se escondia da realidade nacional em quintas particulares, jogos no Casino ou banhos de mar ao entardecer naquela que era tida como a "Riviera portuguesa".

Percorremos os corredores de decoração simétrica, subimos as escadas que a cada patamar mostram quadros da Escola Portuguesa, espreitamos para ver se o céu encoberto já permite mergulhar na piscina, e é como se atrás de nós o toque de um copo de cristal noutro, ou uma gargalhada depressa abafada, como se se tivesse contado um segredo de Estado, se espalhasse pelas diversas divisões forradas a papel de parede escuro, por debaixo das mesas de madeira, ao longo dos corredores dos quartos, acima dos candeeiros elegantes, e seguisse rasteiro, junto aos tapetes, se fixasse nas paredes como as frases que aparecem inscritas nas suites privadas. Tentamos perceber se aqueles desenhos que parecem portas falsas não escondem, de facto, caminhos secretos, entradas por saídas, com ligação directa aos quartos, aos pecado e ao crime.

Oh, mas porquê ser-se moralista e fingir-se que também nós recusaríamos escapar-nos para dentro do primeiro quarto que aparecesse e, com a desculpa de que são tantos, seduzirmos quem lá dentro se encontrava, como se fosse a primeira vez. Outra vez...

Imaginamos o que dentro deles se terá passado, espaçosos como são, decorados a gosto, elegantes, numa mistura de sala de conforto que nunca esclarece se estamos para ficar ou já de partida. Imaginamos os dramas de senhoras que esperavam em vão por notícias e, em noites de lua encoberta ameaçavam atirar-se à Boca do Inferno, logo ali ao lado. Ou poetas loucos, bêbados de juventude, a prometerem seguir as damas que se deixavam seduzir por eles por entre as aborrecidas negociatas que os maridos faziam nos salões. E, também eles apaixonados, corriam para a Boca do Inferno onde encontravam essas rapariguinhas de folhos e pele transparente. E, num último sopro heróico, resgatavam-nas de uma tragédia menor do que um amor não correspondido.

Imaginamos tudo isto nas varandas que dão para a piscina, ou sentados junto desta, com os empregados a arrumarem as últimas mesas como se ali se tivesse dado uma festa que aproveitou os primeiros fins de tarde quentes. E olhamos em volta, para aquelas paredes ocre, para as janelas fechadas, para a marginal que passa em baixo e para as palmeiras que abanam com o vento e quase conseguimos ouvir o pobre Humberto em falas lamuriosas com o criado da sua mãe, o conde Dino Oliveri, sobre o aborrecimento que lhe deveriam causar aquelas pessoas todas que vinham para ver o rei, que depressa tinha entrada nos hábitos daquelas gentes, a quem o provincianismo nunca curou de uma morbidez voyeurista. E Oliveri, imaginamos nós, a diverti-lo com historietas da outra realeza de sangue azul, também ela deposta, e Humberto a pensar na missa do dia seguinte, a fechar-se no quarto, longe dos salões, e a querer fugir para mais um passeio na praia.

A história de uma Itália que não o quis está também nas paredes do hotel, em nomes como Úmbria, Duque de Aostia, Piemonte, Medicis, Príncipe de Sabóia. Nomes de uma Itália da qual Humberto teve que fugir. E foi a essa memória que Raul Vieira (arquitectura) e Graça e Gracinha Viterbo (decoração) foram buscar o lastro de um glamour dessa "Riviera portuguesa". Os quartos e os salões equilibram-se em gosto, dialogam em mobiliário, seduzem em cores não impositivas, acolhedoras, discretas.

É um hotel para fechar os olhos e sonhar. Daqueles onde imaginamos que vamos conseguir ler todos os livros que acumulámos durante os anos, livros pesados, cheios de histórias. E onde sabemos que, se adormecermos numa das cadeiras do pátio ou num dos sofás dos salões, há um chá que nos espera quando acordamos e um cobertor leve para afastar o frio. São poucos os hotéis onde nos sentimos tão bem dentro dos quartos como fora dele. E, por maior que seja, não deixa nunca de ser íntimo.

Do Spa à mesa ou como a sedução é uma arte

Há dois atractivos no Grande Itália: o Real Spa Marine e o restaurante La Terraza. No primeiro simulam-se umas termas romanas, de azulejo pequeno, cabines separadas, funcionários dedicados e liberdade de movimentos. No segundo oferecem-nos uma experiência ao mesmo tempo intrigante e irresistível. Como não ceder ao convite de prepararmos a nossa própria refeição num hotel como estes? A cozinha, aberta para os clientes, possibilita que não apenas possamos escolher os ingredientes, como saltar o balcão e ajudar a prepará-los.

Chamam-lhe showcooking e mesmo se nem tudo é feito aqui, à nossa frente, é possível ajudar a preparar, por exemplo, um creme de ervilhas ou corar umas vieiras. De base mediterrânica, a cozinha oferece uma variedade de pratos, do gaspacho com camarão panado a um indescritível assado de foie gras em compota de cebola roxa e redução de vinho do Porto. E ainda aguentamos uma alheira de caça em cama de espinafres de sonhar a noite toda. Servem-nos em tapas, numa sucessão de paladares que acompanhamos com um branco Montes Claros 2007 fresco, primeiro, e com um Aragonês tinto do Alentejo, depois. Chegar à mesa de sobremesas é um desafio: o toucinho-do-céu com espetada de gingas embala-nos a viagem.

Hotel Real Villa Itália
Rua Frei Nicolau de Oliveira, 100
Cascais, Portugal
2750 - 319
GPS: Latitude 38°41'25.84"N;
Longitude 9°25'25.46"W
Tel.: 210 966 000
www.realhotelsgroup.com
Preços:  Deluxe Room (vista de jardim) | single: 160€ / duplo 180€ | Suites single 310€ / duplo 330€ | Penthouses entre 2500 e 3500€

Nome
Grande Real Villa Itália Hotel & SPA
Local
Cascais, Cascais, Rua Frei Nicolau de Oliveira, 100
Telefone
210966000
Website
http://www.hoteisreal.com
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