Fugas - hotéis

Rui Gaudêncio

O coração da cidade ouve-se bater com força no novo Altis

Por Ana Henriques ,

Ainda cheira a novo. O Altis dos Restauradores abriu vai para um mês, depois de um prolongado e esmerado trabalho de reabilitação do edifício com assinatura do arquitecto Cristino da Silva. Ana Henriques já lá dormiu, sentiu o pulsar de Lisboa dentro de portas e confirmou que o cinco estrelas é um excelente trampolim para a descoberta da cidade.

O coração da cidade ouve-se bater com força no novo Altis

Vrruuuum... o autocarro da Carris arranca Avenida da Liberdade acima, enquanto o hóspede do novíssimo hotel Altis dos Restauradores dá mais umas voltas na cama. São 6h00 de domingo e Lisboa começa a acordar, apesar de a barulheira do trânsito não ter comparação com a dos dias de semana. Vrruum... lá vem um camião de mercadorias. Vrruuum... Agora é uma carrinha. O vidro duplo das janelas abafa o ruído sem o conseguir dissipar totalmente. Se nos quartos das traseiras se dorme o sono dos justos, nos da frente, quase defronte da estação dos comboios do Rossio, as coisas não são assim tão fáceis. Enquanto os paralelepípedos da estrada entre os Restauradores e a Baixa não forem asfaltados, os autocarros da Carris e outros veículos pesados vão pôr os de sono mais leve a contar as horas, por muito que não tenham sido poupados esforços na insonorização do edifício.

O mais recente hotel de época abriu no coração de Lisboa vai para um mês, depois de um prolongado e esmerado trabalho de reabilitação do edifício desenhado em 1947 pelo arquitecto modernista Cristino da Silva. As linhas simples, os lacados negros e o uso do latão na decoração remetem para uma altura em que o glamour era sinónimo de simplicidade e esta por sua vez de bom gosto. Quem aprecia reposteiros nas janelas e folhos nas camas pode ir andando: aqui não se há-de sentir bem. Nos quartos só há o estritamente necessário, num mobiliário a remeter para a art deco. E existem as camas, grandes, que se agigantam nos quartos de menores dimensões.

Esta podia ser a casa da Rita Hayworth de Gilda ou de Marlene Dietrich, o fumo dos cigarros a evolar-se nas alturas e o mundo a despenhar-se lá fora. Como no tempo em que Cristino da Silva, ainda por cima casado com uma alemã, se tomou de amores por uma arquitectura que os críticos dizem ser de inspiração nazi. Quando o emblemático edifício de fachada autoritária e linhas verticais ficou pronto, a Europa começava a renascer com a ajuda dos dinheiros do lado de lá do Atlântico, depois da devastação da II Guerra. Em Lisboa, a circulação de carros de bois e burros de carga mal acabou de ser proibida. E do topo do novo prédio a vista não é assim tão diferente da dos dias de hoje: já lá está a cúpula do Coliseu e a Avenida da Liberdade espraia-se em frente. Da outra colina também já espreita o miradouro de São Pedro de Alcântara. O Eden de Cassiano Branco ergue-se logo ali ao pé. Hoje igualmente reconvertido a hotel, o antigo cinema aproveitou o terraço que existe no topo para esplanada ao ar livre, como vai fazer este Altis. Mesmo quem não estiver aqui alojado vai poder usufruir da grande varanda panorâmica do último andar, que será aberta ao público como esplanada da brasserie da unidade de cinco estrelas, ainda por cima num horário alargado: das 7h30 à uma da manhã.

Dentro da brasserie, local onde são servidos os pequenos-almoços, um painel de azulejos da época da construção do edifício mostra uma representação cartográfica da cidade. É a única parte menos feliz do hotel: a decoração em tons de dourado, azul e branco destoa dos azulejos e os sofás, de costas demasiado altas, comprometem a vista panorâmica de quem está a comer à mesa ou a beber um copo. Um pecado capital quando um dos principais trunfos do hotel são precisamente as vistas. Dos quartos das traseiras vê-se o castelo de São Jorge. E até a cozinha, dirigida pelo chefe Cristóvão Grenho, tem vista nada mais nada menos que para o Rossio.

Há um candeeiro que teima em não acender? Mudam-nos de quarto enquanto o diabo esfrega um olho. Doseada, a solicitude do pessoal nunca se transforma em intromissão. Mas ninguém esconde a simpatia pelo senhor de 93 anos que não só abriu a primeira unidade da cadeia hoteleira nos anos conturbados do pós-revolução como continua a manter debaixo de olho tudo o que a ela diz respeito. O próximo projecto de Fernando Martins é abrir uma nova unidade na Avenida Fontes Pereira de Melo, conta, entre o satisfeito e o pasmado, o empregado do bar, como se falasse de um tio um tudo-nada excêntrico.

A envolvência dos quartos alcatifados, aliada a mimos como os cremes e shampoos da linha L''Occitane, seduzem-nos para ficar mais um bocadinho, mas as escassas três dezenas de canais de televisão e o apelo irresistível da Baixa empurram-nos porta fora. O Teatro D. Maria é mesmo ao lado, ainda há tempo de comprar bilhetes.

Seca-se o cabelo num instante - num aparelho de qualidade irrepreensível, coisa pouco usual mesmo em hotéis de categoria superior - e desce-se, dispensando o elevador. Antes de sair há que apreciar a magnífica escadaria de pedra e corrimão de madeira que a reabilitação manteve intacta, sem qualquer alteração. Os nichos já existentes na parede foram ocupados com cabeças de bichos em louça, como se de um qualquer sortilégio se tratasse. A propósito: o hotel permite a estadia de animais de estimação, desde que estes sejam de pequeno porte.

Sai-se como que enfeitiçado para a balbúrdia de ruas e vielas, e com a célebre música que Sinatra cantou a Rita Hayworth na cabeça: The Lady is a Tramp.

(Abril 2010)

Nome
Altis Avenida Hotel
Local
Lisboa, Lisboa, Rua 1º Dezembro
Telefone
210440000
Website
http://www.altishotels.com
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