Ninguém diria ao que vamos. Chegamos debaixo de chuva forte e de um céu de chumbo que pinta um quadro austero. O rio Dueça, aqui mesmo em frente, corre cheio e barrento, e meia dúzia de cabras empoleiram-se na encosta do outro lado da rua, indiferentes à quase intempérie.
Corremos sobre o deck de madeira sem prestar a atenção devida ao enquadramento e, agora sim, percebemos ao que viemos. Empurramos uma porta de vidro e damos de caras com isto: "Veni, vidi, vivi." Estamos conversados: viemos para ver e viver. Tens a certeza que os romanos estavam loucos, Astérix?
Acabámos de entrar no mundo encantado do Duecitânia Design Hotel, um quatro estrelas inaugurado em Dezembro de 2012 em Penela, mas não é de banda desenhada que vamos falar. Tudo neste hotel familiar (em duplo sentido: foi o sonho de uma família e pisca claramente o olho às famílias) foi pensado ao pormenor para homenagear a civilização romana.
Patrícia Maduro, a filha dos proprietários, recebe-nos com um sorriso nolobby, onde temos já uma amostra do que há-de vir. Num grande painel em tons de dourado, a contrastar com o preto de algumas paredes, o nome e o logótipo remetem-nos logo para o conceito de hotel temático que a família Maduro aqui procurou recriar. "Duecitânia seria como os romanos chamariam às terras do rio Dueça. Para símbolo do nosso hotel, escolhemos Pégaso, o cavalo alado, exemplo da imaginação criadora", sintetiza Patrícia.
É ela quem, durante uma visita guiada pelos quatro pisos do hotel, nos explica os contornos da sua história. O edifício onde estamos foi uma antiga fábrica de papel, que a família comprou em hasta pública à Câmara Municipal de Penela. O projecto de reconversão em unidade hoteleira durou três anos, durante os quais os Maduro foram aprumando o objectivo de nela homenagearem a antiguidade clássica. "Sendo esta uma zona de forte presença dos romanos, e sendo o meu pai um apaixonado pela cultura clássica, achámos que fazia todo o sentido", recorda Patrícia, sublinhando que a família não queria fazer apenas "mais um hotel".
Encontrado o conceito, houve que materializá-lo. Nos três pisos superiores (no rés-do-chão encontra-se o restaurante Gustatio, a piscina interior aquecida e as salas do spa) instalam-se quartos de três tipologias (duplos superior, duplos deluxe e suites deluxe) e em cada andar é abordado um período específico do Império Romano: a fundação, a consolidação e o declínio. Voz a Patrícia Maduro: "Estes períodos do império reflectem-se também no jogo de cores que escolhemos para cada um dos andares." Assim, se no primeiro piso a decoração é em tons de bordeaux, passa a cinzento no segundo e torna-se verde no terceiro. Denominador comum a todos os andares é a linguagem figurativa do chão e das paredes, com representações históricas e mitológicas correspondentes a cada um dos períodos do império. Detalhe importante: o número de cada um dos XLII quartos está escrito em numeração romana, claro (embora também haja a "tradução" para o sistema decimal).
Calhou-nos em sorte o quarto CCCIII. Abrimos a porta e estamos, de facto, em território verde. É ele que impera na parede que temos à nossa esquerda (e onde encontramos a frase "Cito Maturum, cito petridum", que é como quem diz, "O que cedo amadurece, cedo apodrece"; Patrícia já nos explicou que em cada quarto há um "provérbio romano"), na alcatifa, nas mantas e almofadas que jazem nas camas, no painel da generosa casa de banho - de onde se tem, aliás, uma óptima vista. (Nesta mesma casa de banho, saúda-se o secador de cabelo "a sério" e a qualidade dos atoalhados, mas lamenta-se que os produtos de higiene sejam reduzidos a um mínimo demasiado básico).
De volta ao quarto, o que domina são mesmo as janelas, duas, que se levantam quase até ao tecto - e, estando nós no último andar do hotel, o pé direito é bem pronunciado. O resultado é o que se sabe: muita luz natural, que se agradece, ainda mais num dia como este. Corremos os estores e o que vemos lá fora é gratificante: um ambiente bucólico, fruto da chuva, sim, e do rio que corre turvo, mas também das oliveiras que se espalham pelos 13 hectares da quinta onde está instalado o Duecitânia. É fácil imaginarmo-nos aqui num dia de Primavera, com céu azul, água límpida e pastos verdes em redor.
Não é o que temos agora, por isso voltamo-nos para dentro e concluímos a inspecção ao quarto. Duas camas, área de trabalho junto a uma das janelas, TV de ecrã plano, um cadeirão de acrílico - uma decoração "leve e contemporânea", como já tínhamos lido no site do hotel. O roupeiro é aberto, o que significa que se trata apenas de um varão na parede, e preferíamos que não estivesse localizado imediatamente por cima do minibar, mas, no nosso caso, o contratempo não é de monta.
Antes que anoiteça, ainda paramos no bar, o Tabernae. Apesar do mau tempo, há um casal que aproveita uma trégua e se aventura na esplanada com vista para o jardim que, apostamos, será uma das grandes mais-valias em dias de calor. Não hão-de ficar muito tempo, que a chuva voltará a fazer das suas em breve.
Lá fora já é o dilúvio. Estamos agora no restaurante, com vinho tinto no copo e, para inícios de conversa, um crepe de cogumelos e farinheira no prato. Definitivamente, estes romanos estão tudo menos loucos.
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Como ir
Do Porto e de Lisboa, seguir pela A1 e sair em direcção a Condeixa. Tomar depois a A13 e sair em direcção a Penela. O hotel, e as indicações para ele, aparecem logo a seguir.
Onde comer
O restaurante do Duecitânia, o Gustatio, será sempre uma opção, até porque, para hotel, tem preços simpáticos. Quem quiser pode inclusive experimentar o menu romano preparado pelo chef Helder Caetano. Em Penela, costumam aconselhar o D. Sesnando, mas esse a Fugas não testou. Experimentou, sim, o Varanda do Casal, na aldeia de xisto de Casal de São Simão, a uns 20 minutos de Penela, e recomenda.
O que fazer
Em Penela, obrigatória a visita ao castelo, declarado monumento nacional já em 1910 e de onde se tem uma vista privilegiadíssima sobre as serranias da zona. De resto, os vestígios romanos no concelho são uma das mais-valias de Penela e é proibido abandonar a região sem uma visita ao Rabaçal. Primeiro ao museu, na freguesia homónima, onde se tem uma visão geral da implantação e legado dos romanos, através da exposição Villa Romana do Rabaçal: era uma vez... Feitas as apresentações no espaço museológico, parte-se para a estação arqueológica (a VillaRomana propriamente dita, datada do século IV d.C.), que inclui a residência senhorial, o balneário, a área rústica e os sistemas elevatórios de água. O circuito completa-se com a subida à Chanca, com belveder sobre o povoamento e a paisagem. Ainda no capítulo romanos, diga-se que o Rabaçal fica a 12 quilómetros de Conímbriga.
Visitar as aldeias do xisto é também um programa mais do que recomendável. No concelho de Penela há uma, Ferraria de São João, mas, sinceridade acima de tudo, Casal de São Simão, no município de Figueiró dos Vinhos, tem outro encanto.
O que comprar
Haverá certamente outras coisas, mas não pode sair de Penela sem levar na bagagem pelo menos um queijo Rabaçal. Vendem-se em vários locais da freguesia.
Preços
Diferem consoante o alojamento seja de domingo a quinta-feira ou nas noites de sexta e sábado. Assim, em jeito de promoção de abertura, os quartos duplos superior custam ou 68 ou 88€; os duplos deluxe 88 ou 108€; e as suites deluxe 148 ou 165€.
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A Fugas esteve alojada a convite do Duecitânia Design Hotel
- Nome
- Duecitânia Design Hotel
- Local
- Penela, Espinhal, Ponte do Espinhal
- Telefone
- 239700740
- Website
- http://www.duecitania.pt