Estamos no coração das vinhas do Dão e a paisagem não engana. Naquela terra há muita uva que quer ver a luz do dia e que é tratada nas palminhas das mãos. Mas ali não se vive só de vinho. A gastronomia não fica atrás da veia vinícola. Há comida genuína, caseira da cabeça aos pés. Há queijos, enchidos, requeijão da serra da Estrela, compotas caseiras, carnes tenras. E há ainda um património arquitectónico e cultural que se espalha em várias direcções. O nosso destino é Lapa do Lobo, no concelho de Nelas. Choveu de manhã, a tarde está fria, mas há calor à nossa espera — e não estamos apenas a falar da lareira acesa no bar, da tábua de queijos e enchidos típicos da região, do tinto do Dão, de um quarto tipicamente beirão com varanda para um jardim.
O empresário Carlos Cunha Torres conhece a aldeia da família materna de olhos fechados. Apesar de viver em Lisboa, voltou à terra, comprou casas que o granito não deixa o tempo derrubar e transformou-as em casas de charme. Criou a Fundação Lapa do Lobo há quatro anos para que a arte e a cultura não fossem nomes estranhos para as gentes da região e ergueu um projecto turístico mantendo as características genuínas daquele território. O granito não foi beliscado, as madeiras de chãos e tectos foram recuperadas onde era possível, alguns objectos das habitações do início do século XX foram restaurados e reaproveitados para a decoração. As Casas do Lupo são mais do que um projecto da família Batalha Torres que regressou à aldeia com um brilho nos olhos e uma mão cheia de projectos. São também uma forma de dinamizar uma aldeia, de criar postos de trabalho, de dar vida a um pedaço de terra que teve a sorte de ser tão amada.
As Casas do Lupo nascem de uma vontade de não deixar apagar memórias. O granito também pode ser quente por dentro. O ambiente é familiar, na sala de estar vislumbram-se os contornos da serra da Estrela e as três casas unem-se através de um varandim tipicamente beirão, de cor verde. A família deu as orientações expressas para manter tudo o que fosse possível e João Laplaine Guimarães e António Santos assinaram o projecto arquitectónico.
A família está unida nos projectos. Carlos Cunha Torres, o pai, é o homem que gere o negócio. Maria do Carmo Batalha, a mulher, a engenheira agrónoma que está em todo o lado, no projecto turístico, na fundação, na quinta e casa da família, que está onde é preciso. Bernardo Torres, o filho, que trata da parte do marketing e comunicação das casas da aldeia — e que, ao mesmo tempo, gere uma casa de petiscos em Lisboa. Mariana Torres, a filha, a curadora da fundação, que organiza os workshops, as exposições, as sessões de cinema, e muito do que acontece na Lapa do Lobo.
Favorecer a natureza
Por fora, as casas parecem pequenas para a dimensão dos quartos. Quartos amplos, luminosos, decorados com requinte e bom gosto como se cada peça fosse desenhada propositadamente para aquele espaço — há portas antigas recuperadas e transformadas em testeiras de camas, há uma velha manta espalmada numa moldura de vidro na sala das refeições, uma salgadeira de madeira velha restaurada no hall de um quarto. E cada quarto, e são oito, tem a sua personalidade, vida própria. Têm janelas que mostram o que acontece na aldeia, portas de acesso a pequenas varandas, ao jardim, à piscina. Estes quartos são do passado, do presente e do futuro. Há um quarto verde, beirão dos pés à cabeça, com móveis antigos, que surgiu na antiga casa da Laurita, a antiga proprietária, com salinha de estar, casa de banho verde com janela na banheira. Há o quarto das galinhas com entrada para uma sala e quarto de casal no piso superior com uma janela no tecto. Há o quarto dos galos, na casa que foi do Cintinha, com hall, papel de parede decorado a preceito com galos, pois claro, vista para jardim,piscina, casas da aldeia. Há também o quarto dos namorados, pintadinho de branco, com escadas de acesso às águas-furtadas onde fica esse quarto com janela panorâmica e uma luminosidade quente e inspiradora. O quarto da Belavista é o mais moderno, e talvez o mais vaidoso, e fica no prolongamento contemporâneo. Tem móveis nórdicos, sofás, janelas panorâmicas para o jardim, a piscina e a serra da Estrela.
O descanso está bem tratado e o pequeno-almoço é rei e senhor das refeições das Casas do Lupo. Tem tudo a que o corpo tem direito. Sumo de laranjas acabadas de espremer, chegadas de um quintal ali perto, doces e compotas caseiras, queijo de ovelha, requeijão, broa e pão da serra.
“Esta não é uma aldeia normal”, avisa-nos Maria do Carmo Batalha. E, de facto, não é. É uma aldeia onde há muito para fazer. Os hóspedes podem usufruir das iniciativas da Fundação Lapa do Lobo, podem visitar quintas e adegas da região demarcada do Dão, partir à descoberta de recantos da Beira Alta, desfrutar da gastronomia, fazer caminhadas, dar um salto à ecopista do Dão ou ao Mondego — e o rio passa ali tão perto, a três quilómetros por circuito pedonal. A oferta estica-se a programas mais específicos com a natureza presente, como a observação de pássaros ou a descoberta de fauna — e as várias espécies de cogumelos mesmo à mão de semear. Com tanta oferta ao redor, as Casas do Lupo criaram 11 roteiros que disponibilizam aos clientes. E empresta bicicletas e cestas de piquenique.
Ao fundo da aldeia, fica a quinta dos Batalha Torres — cerca de 43 hectares, com uma lagoa ao dispor dos helicópteros que se abastecem quando precisam de combater incêndios. É ali que moram a Lapa e o Lobo, os cães da família, que têm todo o espaço do mundo para correrias. A quinta tem um rio, um moinho totalmente recuperado e que as escolas podem ver em funcionamento. Tem uma floresta com árvores que pintam o cenário de cores quentes, em tons amarelados, acastanhados, alaranjados. Tem um miradouro de onde se vêem as serras da Estrela, do Caramulo, da Lousã, e para onde estão pensados momentos ao pôr do sol com gins tónicos ou vinhos do Dão como companhia. “Favorecemos a natureza e deixamos tudo tal como era”, explica Maria do Carmo. “Quisemos dinamizar um bocado o interior para criar alguma vivacidade”, acrescenta Bernardo.
Carlos Cunha Torres está em viagem de negócios. Maria do Carmo Batalha fala dos projectos que lhe ocupam os dias. Quer abrir uma pequena loja nas Casas do Lupo com bordados, produtos regionais e onde espera colocar o azeite que anda a produzir segundo uma técnica de extracção a frio. As suas oliveiras também fazem parte do cenário, erguem-se não muito longe da piscina com espreguiçadeiras, e aos pés de algumas nascem morangos que Maria do Carmo gosta de utilizar nos pequenos-almoços. “Aqui temos a sazonalidade das coisas, apercebemo-nos um pouco desta relação com a natureza.”
Nessa noite, há inauguração da exposição de fotografia Do Rural ao Urbano de dois fotógrafos da região — Carlos Marcela e Miguel Brito — na Fundação Lapa do Lobo, pertinho das Casas do Lupo. A Fundação Lapa do Lobo, totalmente privada, está em obras de ampliação. Há música ao vivo, novas fotos na sala de exposições, canapés, sangria e vinho servidos em bandejas, e gente da aldeia que encontrou na arte uma forma de um serão diferente. Mariana Batalha Torres é a curadora da fundação e recebe quem chega. A mãe Maria do Carmo e o irmão Bernardo acompanham-na nas boas-vindas.
A fundação é de toda a comunidade, tem um auditório com 90 lugares, uma biblioteca com computadores e acesso à Internet, sala de reuniões, salas para os serviços administrativos. Esta fundação construiu um forno comunitário no centro da aldeia e tem a porta aberta para gente de todas as idades. Organiza workshops de bordados, de informática, de inglês, com inscrições gratuitas, promove sessões de cinema todos os meses e quando o tempo permite leva os filmes ao pequeno anfiteatro da aldeia. “As crianças crescem com uma realidade diferente”, comenta Mariana. Entre as actividades, há o Clube do Pensar, um projecto de filosofia para crianças da primária que estará em acção até Junho do próximo ano. Há também espectáculos de dança, de novo circo. Hoje, no auditório baptizado de Maria José Cunha, a avó de Carlos Cunha Torres, o universo animado de Joana Toste está em destaque com a exibição de alguns dos seus filmes a partir das quatro da tarde. E a entrada é livre.
A Fugas esteve alojada a convite das Casas do Lupo
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Como ir
De Lisboa, entrar na A1 em direcção a Norte, logo a seguir a Coimbra virar para a IP3 em direcção a Viseu, seguir até à saída do IC12 Carregal do Sal/Nelas/Mangualde. Saindo da IC12, virar à esquerda e novamente à esquerda em direcção a Lapa do Lobo.
Do Porto, entrar na A1, seguir pela A25 no sentido Viseu/Guarda, sair da A25 no nó que indica Nelas. Em Nelas seguir a direcção de Canas de Senhorim e na entrada do IC12 virar à direita e depois à esquerda para Lapa do Lobo. As Casas do Lupo ficam na praça central da aldeia.
GPS: 40.472559,-7.918458
Onde comer
O pequeno-almoço é a refeição que as Casas do Lupo privilegiam, com uma mesa recheada de produtos caseiros e um sumo de laranjas acabadinhas de apanhar. As restantes refeições são ligeiras, como tábua de queijos, requeijão da serra da Estrela, enchidos da região, e vinhos do Dão ou, no Verão, saladas e menus mais frescos que normalmente são servidos junto à piscina. A gastronomia da região beirã é rica, com paladares autênticos, com produtos de Denominação de Origem Protegida, e há vários restaurantes ao redor. As Casas do Lupo têm sugestões. Uma delas é o Bem-Haja, no número 5 da Rua da Restauração, em Nelas. Casa típica de granito, tem uma ementa com o que de melhor há para estômagos mais exigentes e uma carta de vinhos que confirma a riqueza vinícola da região. Tem ovos verdes, pezinhos de coentrada, pataniscas nas entradas. Tem vitela assada, javali com castanhas, cabrito, e um variado buffet de sobremesas.
Tel.: 232 944 903
www.restaurantebemhaja.pt
O que visitar
As Casas do Lupo criaram 11 roteiros que, por exemplo, indicam o que há para conhecer nas serras da Estrela ou do Caramulo, que sugerem uma visita ao Solar Condes de Santar ou então um fim de tarde em Caldas da Felgueira, conhecida pelas suas termas. Há também dicas para explorar Viseu, Piódão, Oliveira do Conde, Gouveia, Canas de Senhorim, Santa Comba Dão, Mangualde e, claro está, Lapa do Lobo e Nelas. As Casas do Lupo têm bicicletas de adulto e de criança ao dispor dos hóspedes. Ao fundo da vila, fica a quinta da família Batalha Torres para quem gosta da natureza, de observar a flora, de deitar o olho às serras ali à volta.
Preços: Na época baixa, durante a semana, um quarto single custa 80€ a noite e um quarto duplo fica por 100€. Ao fim-de-semana, um single custa 100€ e um duplo 120€. Na época alta, entre meados de Junho e início de Outubro, a estadia custa 120€ a noite. Todos os quartos estão equipados com ar condicionado, minibar, cofre, secador de cabelo, televisão e wi-fi.
- Nome
- Casas do Lupo
- Local
- Nelas, Lapa do Lobo, Terreiro dos Antunes
- Telefone
- 232673441
- Website
- http://www.casasdolupo.com/
- Observações
- É um projecto turístico erguido numa aldeia pelas mãos de uma família com fortes ligações à terra. Tem oito quartos e um T2. Fica na Lapa do Lobo, aldeia com pouco mais de mil habitantes, no concelho de Nelas.