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Nos Açores, há arte nestas casas de campo

Por Joana Gorjão Henriques ,

Uma quinta que data do século XVII é hoje refúgio para turistas - e lugar de criação para artistas. Tudo em família no Pico do Refúgio, em São Miguel.

Há o enorme desenho de uma mulher nua, de costas, numa das paredes, a reproduzir uma obra da escultora Luísa Constantina. Os próprios janelões desenham a paisagem ao fundo, com o verde verdíssimo da relva, a piscina, as árvores, e uma estrada em terra batida que vai levar-nos à casa principal. 

Aqui na recepção espalham-se obras de vários artistas contemporâneos: uma escultura de Miguel Palma que recria as crateras de um vulcão, uma fotografia de António Júlio Duarte que faz um grande plano da terra laranja e vulcânica dos Açores, um quadro que é outra fotografia de um satélite de Márcio Vilela, artista brasileiro que está a fazer um projecto sobre este tópico. Olhe-se, então, para o alto: no tecto está pendurado o candeeiro dos designers João Abreu Valente, Maria Pita Guerreiro e Dion Soethoudt, os primeiros a inaugurar o programa de residências artísticas do Pico do Refúgio, em Janeiro de 2015.  

A descrição podia levar-nos a pensar que estamos a falar de uma galeria ou de um centro de artes, mas não — o Pico do Refúgio é um turismo rural com casas de campo para alugar, em Rabo de Peixe, ilha de São Miguel, Açores. 

A quinta está nas mãos da família do actual proprietário, Bernardo Brito e Abreu, desde início do século XVII. Há a casa principal que serviu como forte de milícias e posto de vigia da costa Norte — estão lá os canhões a apontar para os eventuais piratas — mas a maioria dos alojamentos ficam na zona que serviu de fábrica de chá. Até chegar ao que é hoje, a quinta foi várias coisas ao longo do tempo: no século XVIII a família dedicou-se à laranja, só que em meados do século seguinte uma epidemia matou o laranjal e mudaram, então, para o chá, que produziram até aos anos 1950. 

A história do Pico do Refúgio é uma história de família, e isso sente-se na forma como Bernardo Brito e Abreu fala. Até as residências artísticas foram inspiradas na memória que tinha dos tempos em que a mãe, escultora, professora na Universidade de Belas Artes de Lisboa, levava para lá artistas. É, aliás, da mãe Luísa Constantina (1941-1990) o desenho na parede da sala de recepção. Também o bisavô, Luís Bernardo Ataíde (1883-1955), etnógrafo e fundador do Museu Carlos Machado, de Ponta Delgada, era artista — pintor “impressionista” e escritor. O Pico do Refúgio servia-lhe de casa de férias — porém, a mãe, e o próprio Bernardo até ter oito anos, viveram lá. Mudaram-se mais tarde para Lisboa e para Nova Iorque durante alguns anos. Nessa altura, Luísa Constantina trazia muitos artistas aos Açores durante as férias, e chegou a fazer um simpósio sobre basalto, com cinco escultores, entre eles o japonês Minoru Niizuma (1930-1998). 

Depois havia os verões em que convidava alunos e outros artistas para ali ficarem em residências a criar. Foi assim que nasceu a ideia de fazer do local o que é hoje. “Começou com a vontade de ter mais obras de arte”, conta. “Fizemos uma primeira residência muito experimental, com três designers de equipamento que foram lá desenhar móveis, candeeiros, etc. [João Abreu Valente, Maria Pita Guerreiro e Dion Soethoudt]. Descobrimos depois que havia um enorme número de pessoas que queriam desenvolver projectos nos Açores”, acrescenta o dono.

As residências acontecem durante cerca de um mês (normalmente entre Novembro e Março), com oferta das passagens aéreas, estadia, carro. Entre cinco a dez por ano é o total que está programado. Aos artistas é dada “total liberdade para desenvolverem os seus projectos”. Objectivo? Proporcionar “tempo de reflexão, pesquisa e produção”. Há também uma parceria com o Arquipélago — Centro de Artes Contemporâneas, na Ribeira Grande: o artista divulga ali a sua história, o seu percurso artístico e o que está a desenvolver na residência, explica Bernardo Brito e Abreu. “Esse é o cerne das minhas residências artísticas, trazer os artistas à ilha para a comunidade ficar a conhecer artistas novos e os artistas ficarem a conhecer a ilha”, conta. “Por exemplo, Miguel Palma tinha sido aluno da minha mãe mas nunca tido ido aos Açores.”

Com estas residências, o Pico do Refúgio oferece, assim, uma mais-valia turística, analisa. “Todos [os que trabalham no Pico do Refúgio] vivem intensamente as residências. A parte do espólio da colecção que se vai criando é a mais óbvia da interacção com os hóspedes [que podem ir vendo as obras penduradas nas paredes]. Se estiverem interessados, podem perceber o conceito que está por detrás de uma obra — ou então passar ao lado.” 

O que o artista deixa no Pico do Refúgio foi criado lá — mas o tempo para a finalização fica ao critério de cada um. Bernardo Brito e Abreu quer vir a ter um projecto “mais sólido” com uma programação a longo prazo, quer trazer artistas estrangeiros e desenvolver uma interacção mais próxima com os hóspedes e artistas. Tem o projecto arquitectónico, à espera de aprovação, de ampliação do espaço: para mais unidades de alojamento, oficinas para os artistas, lugar de convívio e uma infra-estrutura para começar “a albergar a colecção que está a crescer”. 

As casas de campo começaram a funcionar em 2008, com projecto de arquitectura do próprio dono, até muito recentemente oficial da Marinha — hoje é finalista do curso de Arquitectura. “Desenhei o Pico do Refúgio a navegar”, lembra. Foram assim projectados em alto mar cinco lofts e três apartamentos, de vários tamanhos. Em todos há arte pendurada nas paredes, a maioria fotografias, tiradas por amigos seus fotógrafos, ou resultado de uma parceria que tinha com uma galeria que entretanto fechou. Ao lado da casa principal, costumam ficar artistas ou os turistas americanos que gostam de ar condicionado. No Verão, a piscina serve para aulas de mergulho — ali funciona uma escola de mergulho, Bernardo Brito e Abreu é ele próprio instrutor de mergulho. 

Os T1, com 16 camas fixas mas com capacidade para 25, têm áreas que vão dos 55 aos 110 metros quadrados. Em todos há lareira a aquecer o Inverno e uma manta no sofá — como se estivéssemos em casa. “Cada vez mais as pessoas querem sentir-se parte da comunidade que vão visitar. Uma dessas componentes é fornecer essa ligação num espaço com uma história vasta e com uma dinâmica que continua a funcionar. Podia voltar a fazer chá, mas não percebo nada de chá. Reproduzi aquilo que gosto, que sei e que vivi: as residências artistas num espaço rural”. 

Informações

Preços: lofts e apartamentos entre 76 a 128 euros.

A Fugas esteve alojada a convite do Pico do Refúgio

Nome
Pico do Refúgio - Casas de Campo
Local
Ribeira Grande, Rabo de Peixe, Roda do Pico 5
Telefone
910529752
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