Fugas - restaurantes e bares

Luís Pó

Daqui, posto de comando de Bordalo Pinheiro

Por Luis J. Santos ,

2009 já poderia ser considerado Ano Bordalo Pinheiro. Com essa ideia em mente passámos a noite no bar baptizado segundo a célebre revista satírica do mestre, celebrando um aniversário marcante: A Paródia (Lisboa) nasceu como galeria de antiguidades, pela graça de Luís Pinto Coelho, a 27 de Abril de 1974. É a mais íntima e noctívaga das evocações do espírito Bordalo.
Dois dias depois da Revolução de 1974, enquanto ainda se abriam cravos e revolução pelas ruas, abria em Lisboa uma pequena galeria de antiguidades pela mão de um mestre da matéria, Luís Pinto Coelho. Era para ser só loja de antiguidades, mas dado o proprietário - que antes criara o histórico bar Procópio e depois criaria o Fox Trot e o Pavilhão Chinês -, as gentes começaram a transformá-lo em bar. Caso resolvido: no ano seguinte tornava-se oficialmente o bar A Paródia. Evocando o génio rebelde e polifacetado de Rafael Bordalo Pinheiro, o bar chamou a si o espírito da célebre revista de sátira homónima, fundada pelo mestre nos alvores do século XX.

Saltamos no tempo e entramos n''A Paródia do séc. XXI (que, felizmente, pouco difere da do séc. XX). A porta, ornamentada por uma bela coroa metálica, está fechada, mas para entrar não é preciso senha; é só tocar à campainha. "Se vindes com sede, sede bem-vindos" reza o mote folião da casa. Como anfitriões, ambos mais novos que a casa, temos agora Filipa e Pedro, atentos a cada detalhe num ambiente informal de proximidade. Contam-nos que querem preservar as memórias do lugar, mas também impor-lhe ritmo. Por isso, o bar é cenário de vários eventos: por vezes um concerto intimista, por vezes poesia ou teatro, outras há debates ou tertúlias.

O ambiente é intrinsecamente aconchegante e o bar reparte-se por duas salinhas pequeninas e um corredor-balcão, tudo para uma lotação máxima de 40 pessoas). Com a madeira e as cores a aquecerem todo o espaço, é uma montra Belle Époque de mobiliário antigo, com candeeiros a oferecerem iluminação q.b., sofás, cadeiras e bancos altos de outros tempos e um belo balcão de bar com tampo de mármore, "comme il faut". E, por todo o lado, há a mestiçagem de sinais de Bordalo e encruzilhadas de artes novas e artes déco. As paredes são corridas a capas da revista A Paródia, desenhos e caricaturas, do mestre e de outros criadores, fotografias (algumas históricas; de Carlos Relvas, por sinal) e todos os seus espaços usados para objectos de artes várias, incluindo uma parede revestida a... caixas de fósforos - uma fantástica colecção de caixinhas onde, diz-se e já se comprovou, havia clientes que guardavam moedas e outros souvenirs e que agora são como cápsulas do tempo em miniatura.

Ao longo dos anos foram passando por aqui muitos ilustres, destacando-se José Cardoso Pires que apontou A Paródia no seu "Lisboa - Livro de Bordo" como uma "capelinha modesta", realçando o seu espírito e humor bordalianos. E esta sempre foi casa de escritores e artistas, jornalistas e políticos. Diz-se, aliás, que nos anos mais quentes pós-Revolução as duas salinhas se dividiam naturalmente: uma para os da esquerda, outra para os da direita. Políticas à parte, continua a ser também palco de outros espectáculos. Recentemente, foi mesmo cenário de uma gravação de Mário Laginha, Pedro Burmester e Bernardo Sassetti incluída no DVD que regista o concerto "3 Pianos" - é que na sala interior, a estrela é um belo piano, sempre pronto a tocar.

A história de como Filipa e Pedro tomaram as rédeas d''A Paródia é também tocada a muitas mãos, faz parte de várias histórias de amor e é uma demonstração de como um bar se torna de sempre e pode até aspirar a ser para sempre. De Luís Pinto Coelho, a casa passou ao sr. Albino, um lendário e clássico barman, com muitos fiéis, que manteria o espaço até à idade o cansar. Um dos fiéis mais fiéis, que sentia A Paródia como extensão da sua casa, era precisamente o pai de Pedro que, nem por sombras, queria ver o seu bar desaparecer. Por isso, decidiu-se a adquiri-lo. Mais tarde, o filho Pedro começou a geri-lo. E, um pouco mais tarde, uma nova cliente tornou-se mais uma fiel d''A Paródia. A nova cliente, Filipa, tornar-se-ia também namorada do Pedro. E eis como agora A Paródia é muito passado mas também a conjugação do futuro de Filipa e Pedro, apostados em manter velhos fiéis e agregar novos. Com novidades e algumas surpresas, mas sem bruscas mudanças, porque o segredo é mesmo assegurar que se regressa à A Paródia como quem regressa à casa muito estimada. Uma revolução na continuidade, diria algum político, já com Bordalo na sombra a esfregar as mãos.

A Grande Paródia de Rafael
A revista "A Paródia" foi a última publicação satírica fundada por Bordalo Pinheiro - nasceu em 1900 e durou até 1906 (Rafael faleceu em 1905 mas o seu filho prosseguiu a obra) e fazia fama à verve ácida do contestatário mestre (bons exemplos: "Política - A Grande Porca" ou "Instrução Pública: A Grande Burra"...). Pelo bar, há algumas caricaturas e desenhos de Bordalo, seus seguidores e outros artistas da sátira e comédia.

Ementa aconchegante
A carta oferece diversas especialidades e é até marcada por uma certa alma alentejana. Tem um portfólio de fazer crescer água na boca de tostas em pão alentejano (presuntos, queijos, e uma especialidade: atum com queijo), doces requintados e uma vasta lista de cocktails (capifrutas - vodkas com frutas - são especialidade). Procuram manter bebidas especiais ou difíceis de encontrar, sejam as clássicas, sejam licores raros como de poejo, castanha, bolota, sejam pródigas cervejas belgas.

Nome
A Paródia
Local
Lisboa, Lapa, Rua do Patrocínio, 26B
Telefone
213964724
Horarios
Todos os dias das 22:00 às 02:00
Website
http://www.aparodia.com
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