Fugas - restaurantes e bares

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Nos Anjos, um espaço para ser o mundo

Por André Marques Vidal ,

Nesta casa dos Anjos, em Lisboa, há sempre algo a acontecer. Além de um café e esplanada como epicentros, vive de uma programação cheia, entre formação artística e workshops, concertos, teatro ou exposições. O Sou é muitas coisas e vive em constante mutação.

No número 73 da Rua Maria há uma porta vermelha. Quem por lá passa distraidamente pode nem reparar que, lá dentro, há vários mundos em ebulição, orquestrados por uma associação cultural baptizada de Sou. Já quase a celebrar nove anos (foi criada em Setembro de 2004), a Sou tem-se orientado para a formação, programação e criação artística nas mais diversas áreas, procurando levar todas as culturas aos Anjos. O café e a esplanada que por lá se encontram também ajudam à tertúlia.

A associação foi fundada por Vanda Melo e, no início, era apenas um pequeno espaço numa outra rua próxima, onde se realizavam algumas aulas. Marta Silva, a actual vice-presidente, foi uma das pessoas a colaborar com o projecto inicial e explica que, desde aí, a ambição foi sempre diversificar as actividades, tendo em conta o bairro onde o Sou está inserido.

No entanto, isso só foi possível em 2008, quando Vanda e Marta se depararam com um novo espaço na rua Maria que se adaptava àquilo que pretendiam. "Já estava dividido de uma forma muito interessante onde a nossa actividade cabia", conta a vice-presidente.

Foi então que puseram mãos à obra para preparar a casa, que tinha uma característica diferente: era uma cave. É por isso que, ao entrar pela porta vermelha, o único caminho a ir é para baixo, através de umas escadas de madeira que vão dar ao átrio de entrada. Uns passos mais à frente e chega-se à zona de café, onde se encontram algumas mesas, candeeiros, móveis recuperados, um armário com roupa vintage e um pequeno sofá desgastado pelo tempo. No corredor, está uma modesta biblioteca, criada através da doação de livros e uma grande porta que esconde o estúdio, onde as aulas acontecem.

"Percebemos que, neste lugar, podíamos apostar na formação artística e em actividades de programação cultural. Isso faria com que o Sou não fosse apenas frequentado por alunos e tornaria", explica Maria, adiantando o objectivo de tornar o local "uma espécie de casa da cultura deste bairro, em que qualquer pessoa pode entrar", explica Marta Silva.


A arte de ensinar

Nas tardes de segunda-feira, o corredor do Sou nem parece o mesmo. A calma dá lugar ao rodopio das crianças, que correm de um lado para o outro, e, entre as brincadeiras, fazem-se ouvir vozes estridentes. Acabam de sair da aula de dança criativa. Às mesas, estão alguns dos pais e avós que esperam, pacientemente, o momento de levá-los para casa.

Albino Cardoso é avô de Inês. Sentado, de livro da mão, conta a razão de ter sido esta a actividade escolhida para a neta: "Diverte-se ali dentro e dá largas à sua criatividade. Sei que ela está num espaço de liberdade e de um tipo de educação diferente do que é hoje habitual".

Esta é apenas uma das apostas do Sou na área da formação, que se estende para além das crianças. Na área do bem-estar existem aulas de postura e alongamento, de análise corporal e análise-movimento. Na área artística, o destaque é dado à dança, ao teatro e à música, em que se inserem as aulas de voz e de canto, de piano, guitarra, acordeão e flauta transversal.

Seja qual for a aula, as opiniões parecem ser consensuais: têm um ambiente diferente, informal e familiar. E o mesmo diz Rini Luyks, professor de acordeão: "O ambiente é muito descontraído. É menos clássico do que numa escola de música normal", refere o músico holandês.


Diversão com cultura à mistura

Na terça à noite o Sou transforma-se numa sala de cinema. As pessoas chegam e vão-se acomodando, ora no sofá, ora em cadeiras que colocam viradas para a parede onde, alguns minutos depois, é projectado o filme da semana. Aqui não há pipocas, nem bilheteira. O acesso é livre e a sensação é a de que se acabou de entrar em casa.

A ideia partiu de um ex-aluno do Sou e continuou através de um vizinho que não quis deixar de lado as noites de cinema. Ofereceu-se para continuar a levar os filmes e preservar a iniciativa, que ainda hoje perdura. "As parcerias com as pessoas que por aqui passam são extremamente importantes. Esta lógica da troca de serviços tem sido o alicerce que aguenta o Sou", afirma a vice-presidente.

De facto, dada a pouca capacidade financeira do Sou, a programação cultural tem-se mantido graças à generosidade das pessoas que lá vão. "Foi uma luta, porque se pode convidar um amigo para vir aqui fazer o seu trabalho de graça porque é amigo, mas convida-se uma vez", explica Marta Silva.

E, se à terça há cinema, à quarta há sempre um quiz cultural e, nos outros dias da semana, a oferta pode repartir-se por concertos, teatro, mercados de artesãos, sessões de contadores de estórias, leituras de poesia ou bailes temáticos. A maioria das actividades (cuja programação actualizada pode ser seguida no blogue ou Facebook) é gratuíta e as que se pagam não costumam ir além dos três euros.


De artistas a criadores

No centro está um microfone e, assim que a música começa, o aluno que está à frente dirige-se ao meio e começa a cantar. O professor estende, na mão, uma bolacha ao aluno. Este, enquanto canta, vai mastigando. "Quero ouvir as palavras", diz o professor repetidas vezes, enquanto o aluno tenta esforçadamente cumprir a ordem.

A aula chama-se Oficinas de Criação e é uma das apostas do Sou para marcar a diferença no mundo artístico. Aqui o objectivo não é aprender a dançar, a cantar ou a pintar. Em vez disso, a ambição é fazer com que os alunos aprendam a criar. "Este é um espaço de criação, onde eu dou a possibilidade para que eles tragam as suas ideias e onde aproveito para experimentar coisas novas", afirma Claudio Hochman, professor responsável pelas Oficinas. Catarina Ribeiro é uma das participantes. Fez o Curso de Artes Performativas no Sou e a seguir foi convidada para dar aulas de dança criativa. "O Cláudio é genial na forma de trabalhar. Tem a capacidade de, do caos, construir uma coisa extraordinária", explica a aluna.

No entanto, esta não é a única forma da associação fomentar a criação artística. Ana Caetano é artista plástica e expôs o seu trabalho no Sou no ano passado, altura em que fez da associação uma residência artística. Faz bodyprint, uma prática que consiste em pintar com o corpo em movimento. Pinta, sobretudo, caras em telas gigantes, que vai desenhando enquanto que, com os braços e as pernas, espalha tinta sobre o papel. "Durante uma semana fazia todos os dias uma pintura no local. E, por isso, quem quisesse podia assistir à criação do trabalho", conta a artista.

Casos como este, aliados à capacidade de integrar os habitantes do bairro nas suas actividades e as parcerias efectuadas com escolas e outras instituições têm feito com que o Sou permaneça com a mesma diversidade de sempre, procurando que a cultura continue a fazer parte da vida das pessoas.

Quem por ali passa, distraidamente, no número 73 da rua Maria, pode não reparar do que se trata. A verdade é que o Sou está em constante mutação. Se num dia há cinema, noutro há um concerto, um teatro ou poesia e noutro está cheio de crianças de um lado para o outro. Para lá da porta vermelha acontecem dezenas de actividades, num espaço que se tornou, ao longo do tempo, num verdadeiro camaleão, levando aos Anjos a cultura revestida de diversas formas.

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Sou Café
Aberto de segunda a sábado (12h - 24h), o Sou Café, que inclui uma protegida esplanada, propõe refeições e diversos petiscos. As "chamuças mágicas" caseiras são afamadas. Acolhe também concertos e outros eventos.

Nome
Espaço Sou - Movimento e Arte
Local
Lisboa, Anjos, Rua Maria, 73
Telefone
211547790
Website
http://www.sou.pt
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