Fugas - restaurantes e bares

Paulo Pimenta

Poderá o novo Luso ser o velho Luso?

Por Andreia Marques Mendes ,

Foi palco de estórias e da História; foi poiso preferido de intelectuais e proxenetas, estudantes e profissionais. Foi transversal a tudo e a todos. Depois fechou e agora reabriu. Agora é Luso Caffé, mas está em busca do tempo perdido.

Atrevemo-nos a dizer que é um "negócio arriscado". Não é impunemente que se retoma (ou tenta retomar) o fio de uma história interrompida há dez anos, depois de muitos anos a gravar-se na consciência popular de uma cidade. No Porto, na Praça Carlos Alberto, o Luso poderia ter sido mais um café com uma longevidade invejável (os 75 anos comemoram-se este ano - "oficiais", porque, "segundo pessoas antigas, ele já existia", contam os novos proprietários) e muitas memórias. Porém, entramos no novo Luso e vemos que as memórias também são pedaços de história - do país e da cidade - e estão alinhadas numa parede. Mas já lá iremos, a isso que é arqueologia, que se quer viva, do Luso.

Porque voltámos ao Luso dez anos depois de este ter fechado - o Porto preparava-se para a Capital Europeia da Cultura e o quarteirão de Carlos Alberto queria reabilitar-se, vestir-se de novo -, e dá vontade de dizer que qualquer semelhança entre este (o "novo Luso") e o outro Luso é pura coincidência (pelo menos, à primeira vista, à segunda só o tempo o dirá).

A inauguração oficial aconteceu no dia 17 de Setembro, mas o Luso já funciona desde o final de Agosto. Aos poucos e poucos, a palavra passou na cidade - quase como um boato, que no caso é a verdade: "O Luso abriu". Veja-se a página do Facebook, ouçam-se as conversas.

Nestas primeiras semanas de funcionamento, o Luso tem sido um local de peregrinações de nostálgicos, "ao fim-de-semana, sobretudo", nota Fernando Moreira, que com o irmão António, é o novo proprietário do café. "Aparecem muitas pessoas com 60 e 70 anos com muita curiosidade", confirma António. "Todas têm sempre muitas histórias para contar". Houve alguém que tomou café e recordou o pedaço do tecto que há dez anos caiu e quase lhe acertava - "o Luso já estava na sua fase muito decadente, nos últimos quatro anos antes de fechar", constata Fernando Moreira. E houve um homem que entrou, olhou para a fotografia de Humberto Delgado na parede e disse que foi ele quem fez os panfletos para a campanha: na altura trabalhava numa tipografia nas redondezas e esqueceu-se dos panfletos no Luso; não voltou para os buscar, não queria ser ligado a eles.

 

Memórias de Delgado

Vamos, então, à parede das memórias, que até lágrimas já provocou, a acreditar nas palavras dos proprietários: algumas fotos (e postais ampliados com carimbo) mostram a Praça de Carlos Alberto com carroças e carruagens, a Ribeira como que saída do Aniki-Bobó, a Rua dos Clérigos percorrida por um eléctrico - e este é o lado de turismo da memória. Depois, vemos o General Humberto Delgado numa varanda a acenar para um mar compacto de rostos a preto-e-branco; vemos cartazes do Fantasporto, de 1981 e 2010. O general que a história apelida de "Sem Medo" está no primeiro andar do edifício onde o Luso se encontra, que foi a sua sede de campanha, discursando em 1958 - "O meu coração ficará no Porto"; e nas mesas do Luso nasceu o Fantasporto, o festival de cinema fantástico, que há quase trinta anos colocou o Porto no roteiro cinematográfico.

Fernando e António Moreira conhecem estas histórias e desfiam-nas com orgulho. "Este é um local forçosamente com muita história", afirma António Moreira. "Aqui nasceu um evento muito importante para a cidade, a sede do homem que afrontou o regime era aqui por cima... E, apesar de não ter registo de actividades de oposição à ditadura, não tenho dúvidas de que muita coisa aqui se terá passado". "Queremos continuar nessa senda, continuar a fazer história", acrescenta.

Por enquanto, o Café Luso é o Luso Caffé (assim mesmo, com dois "efes"), um sinal dos tempos, talvez, mas que passará, quase apostaríamos, indiferente. O Café Luso sempre foi o Luso, e é assim que voltou novamente ao convívio da cidade, para os antigos frequentadores e para os novos, aqueles que vêm descobrir "o Luso" à espera de encontrar o Luso que está gravado na história e nas estórias da cidade. E esse é o Luso da boémia, das tertúlias mais ou menos inspiradas, dos encontros e desencontros, das conspirações políticas. O Luso dos novos e dos velhos, dos doutores, dos estudantes e dos outros, das prostitutas e dos proxenetas.

A história é conhecida dos novos proprietários - que até viveram parte dela, porque, contam, quando chegaram ao Porto, vindos de Baião, viveram ali a dois passos, no início da Rua de Cedofeita, e chegaram a frequentar o café. "Este sempre foi um espaço cultural da cidade e transversal a todos os sectores da sociedade", reconhece António Moreira, "é mítico". "Surgiu esta oportunidade e quisemos recriar tudo aquilo que foi o Luso no passado". Esse Luso que foi de todos, com as suas mesas de fórmica de tampos verdes, os seus pilares com remates de talha dourada e homenagens a Baco, o seu vinho verde à pressão (numa altura em que o vinho a copo vem ganhando espaço em terrenos noctívagos, ouvem-se os saudosos a lembrar os copos de vinho à pressão do Luso, que foi, portanto, pioneiro), as francesinhas, os finos, os tremoços.

O vinho já não se serve à pressão, nem sequer a copo - "mas há uma boa garrafeira, sobretudo com vinhos do Douro e do Dão", asseguram os proprietários. No entanto, as francesinhas, os pregos, os finos e os tremoços também regressam com o novo Luso. Fazem parte da sua identidade, consideram, e é um piscar de olhos aos antigos clientes: "A gastronomia está igual, ou pelo menos semelhante", para que "os saudosistas venham e sintam que este é o café que foi deles, e para que os que ainda não tiveram o prazer de conhecer venham e encontrem o passado no presente". Mas o novo Luso não podia manter apenas essa oferta culinária - e ela alargou-se de tal forma que o café, que tem a polivalência de um espaço que funciona desde manhã cedo até às primeiras horas da madrugada, também entra no roteiro de restaurantes do Porto (e uma sala na cave está apenas reservada para essa nova vocação).

Café contemporâneo

Se calhar é a infl uência dos tais dois "efes" no café. O Luso perdeu a aura de café-tasco e ganhou um visual indisfarçavelmente contemporâneo, com um piscar de olhos ao passado dos grandes cafés; ganhou espaço e luminosidade; saiu à rua e tem, pela primeira vez, uma esplanada coberta por grandes guarda-sóis, à espera de outra solução para os meses de Inverno.

A fachada rasga-se em três portas-janelas (mais uma do que anteriormente - a terceira era a entrada para uma pensão no primeiro andar) emolduradas de granito, e dentro o Luso é amplo e geometricamente alinhado como um café tradicional - as filas de mesas de tampos alvíssimos (fórmica?) sobre pé de ferro negro compõem-se com cadeiras de madeira escura e espaldas levemente abauladas sobre um chão de madeira brilhante. Há mármores como lambris e mármores a cobrir paredes, com diferentes caprichos visuais; há mais madeiras a forrar o fundo da sala, onde um ecrã plasma transmite ininterruptamente. O balcão ocupa toda uma parede, é branco levemente tingido, e é "montra": na frente há gelados, de lado há sobremesas e frutas.

Na esplanada, a mesma disciplina geométrica de dentro, mas as cadeiras são de verga escura e as mesas de metal brilhante - ao fim-de-semana, uma das portas do Luso vira balcão para a noite portuense, e aos finos juntam-se, por exemplo, as caipirinhas e os shots.

À primeira vista, o Luso não é o Luso. Mas o Luso sempre foi uma forma de estar. Há planos para que se abra a eventos culturais, a tertúlias (mais ou menos informais), a discussões sobre a cidade. E está à espera dos estudantes que fizeram parte da paisagem local e se preparam para voltar às aulas. Ao fim-de-semana à noite, talvez haja música "mais clássica". No dia da inauguração, foram as tunas masculina e feminina da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto que deram música a todos os que se juntaram no Luso. Novos e velhos, artistas e engravatados, famílias e amigos confluíram no café. Como será daqui para a frente era a interrogação na boca de muitos. Até na dos proprietários. Que deixam o convite: querem "todo o Porto" no Luso, no novo Luso, onde o design substituiu o charme decadente, que era quase um modo de vida. Querem todos ir em busca do tempo perdido.

Luso à mesa

A grande novidade formal deste novo Luso é a sua faceta de restaurante. E na cave ela é totalmente incorporada num espaço "mais reservado, para quem tem mais tempo", onde a decoração não deixa espaço a concessões nostálgicas: o design é inconfundivelmente moderno nas suas linhas simples e até na iluminação - veja-se a parede dos fundos, onde um painel de LED dá luz e cria volumes numa tela branca. Na gastronomia, às francesinhas e pregos juntam-se agora uma série de propostas de cozinha mediterrânica e tradicional. Ao meio-dia, as sugestões do chefe fazem refeições mais económicas - propostas de carne e de peixe, sopas, entradas e sobremesas (no dia em que fomos, a proposta mais dispendiosa era o salmão grelhado a €5,50); à noite, as escolhas são "à la carte", com preços a rondarem os 10, 12 euros. E como o Luso pisca o olho à juventude, não faltam pizzas, massas, saladas, omeletas e crepes. As francesinhas (entre €7,50 e €8,50) não são uma religião, mas uma tradição levada a sério: a "Francesinha à Invicta" é apresentada como a verdadeira (com lombo de porco e pão "bijou"); há a "à Luso", com lombo de boi; e há a "actual". E um dos orgulhos deste Luso são os mini-pregos (€1,90) com lombo de boi, que António Moreira garante poderem ser comidos mesmo por quem não tem dentes.

(Setembro 2010)

Nome
Luso Caffé
Local
Porto, Porto, Praça Carlos Alberto, 92
Telefone
222014030
Horarios
Todos os dias das 08:00 às 02:00
Website
http://www.lusocaffe.pt
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