Fugas - restaurantes e bares

Paulo Pimenta

Há um canto do Porto que tem New York blues

Por Andreia Marques Pereira ,

Não há como dar a volta: o Tribeca nasceu de e para ele - o jazz e seus derivados, como são os blues, a soul, o swing, a bossa nova. Nasceu de e para a música, portanto, sempre ao vivo. Não é um clube de jazz: é isso e muito mais em cinco andares bem no centro da cidade.
Há um canto do Porto que tem New York blues

Se não podemos ir a Nova Iorque, deixemos Nova Iorque vir até nós. Não terão sido apenas saudades de Nova Iorque que impeliram Paulo Rocha e Alfredo Pontes neste projecto - o primeiro viveu na Big Apple durante 14 anos, Alfredo chama-lhe a "segunda casa" -, terá sido também uma vontade de partilhar um pouco do espírito da cidade. O espírito da cidade como é vivido num bairro particular - Tribeca, que é o mesmo que dizer Triangle Below Canal Street - com uma banda sonora especial. "Frequentávamos muitos clubes de jazz em Tribeca". Espaços que não existem no Porto, afirmam. "Não havia local apropriado para jazz no Porto", para "ouvir com qualidade música culta, num ambiente um pouco distinto". E, assim, agora estamos no centro do Porto, como se estivéssemos em Tribeca - porque estamos no Tribeca, cafetaria, bar-sala de espectáculos, restaurante, galeria: não são 24 horas de portas abertas, mas quase, numa transmutação diária que acompanha a passagem das horas e se veste de muitos rostos. São cinco andares e muita ambição - sob o signo do jazz e da cidade onde nenhum sonho é impossível.

E também não foi impossível a abertura do Tribeca - foi no dia 10 de Dezembro, a nossa primeira visita no dia anterior e as entranhas (ainda) estavam de fora. Chegámos com o piano, de cauda, eléctrico - e acompanhámos a sua ascensão ao primeiro andar, a "sala da música". O caos antes da inauguração - e o frémito da preparação - distinto do caos da inauguração - e o frémito da descoberta.

É isso que fazemos, portanto, descobrir como Tribeca cabe num edifício a meio caminho da Rua 31 de Janeiro, inclinação sem vergonha temida por todos os transeuntes no Porto. "Tinha de ser na Baixa", declaram, até porque um dos seus "targets é também o turismo". Aqui, estão nos roteiros turísticos e rodeados de hotéis, "alguns ainda por abrir". Aqui, por fora, têm-se fachadas eclécticas e multicolores numa das ruas mais comerciais da cidade; por dentro, linhas militantemente contemporâneas com (poucos) toques barrocos e cor (quase) uníssona - negro. É escuro o espaço, como escura é a clássica imagem dos clubes de jazz fumarentos nova-iorquinos. Mas de forma alguma é pesado este Tribeca, amplo nos pés direitos, atravessado por escadarias de ferro e madeira - até porque o negro das paredes às vezes parece servir apenas para realçar a profusão de posters e instrumentos que as recobrem. E há ainda os quadros originais pintados num estilo impressionista rasgado e a parede lilás que prende o nosso olhar logo à entrada: é bem no fundo do rés-do-chão, a cafetaria, emoldura duas portas-janelas de vidro integral que dão para uma varanda que é quase só corrimão de ferro forjado (quando nos aproximamos, vemos que a parede é indisciplinada, quadrados mais ou menos salientes em jogos de luz).

Mas ainda não chegamos lá e já passamos pelo balcão longo, que é um teclado de piano - preto e branco ou o que calha quando os LED estão ligados. Em cima do balcão, um saxofone pousado, sob o olhar atento de um grande espelho. Um sofá negro acompanha a parede oposta, costas altas de capitoné sob candeeiros de parede que são como tochas douradas e abat-jour negro. Sai uma escadaria para cima e, mais à frente, para baixo: entramos nas entranhas do edifício, que até estava selado quando Paulo Rocha e Alfredo Pontes ali entraram. Cimento "rebentado", e agora uma escadaria que desce três pisos: casas de banho no primeiro, galeria no segundo (ainda vazia, à espera de Janeiro para receber a primeira exposição - é uma sala à procura do primeiro autor), e um jardim artificial no último (árvores e plantas a fazer de conta, só para serem vistas, avisa Paulo Rocha).

Quando voltamos ao rés-do-chão, sentamo-nos na sala das traseiras - mesas e cadeiras negras, candeeiros de parede dourados profusamente decorados. E molduras com espelhos, molduras de posters, e uma série de cinco violinos garantem que as paredes do rés-do-chão nunca são apenas negras - até porque a luz dos lustres que pendem no espaço asseguram um brilho extra.

E se é musical e nova-iorquino este Tribeca, é no primeiro andar (na "sala da música") que se encontra o coração a bater mais forte. Subimos e a primeira imagem, uma fotografia enorme que cobre uma porção da parede, é Nova Iorque - um poste com inúmeras tabuletas a indicar as direcções e claro que Tribeca está lá, aponta para o lado direito da sala, onde está o palco, onde está o piano.

E podem estar a bateria e o contrabaixo. E todos os instrumentos necessários para dar vida ao som da casa. Não há dúvidas: jazz é santo-e-senha. "Jazz e derivados", concretizam Paulo Rocha e Alfredo Pontes, abrangendo um período que vai dos anos 20 aos anos 60. "Blues, soul, bossa nova, swing..." - de fora fica o jazz experimental. Uma certeza, porém: a música é sempre ao vivo. Até Fevereiro, a programação está fechada e há poucas repetições, logo, o inesperado pode acontecer a cada noite no Tribeca, noites livres sem temáticas fixas. Esperem-se dois sets por noite, de 60 minutos - durante a semana começam às 22h, ao fim-de-semana às 23h30. Quando terminam os sets, e no resto do dia, a música é ambiente. Não será um paraíso de DJ o Tribeca, embora possam existir excepções - na passagem de ano, por exemplo, depois da meia-noite, a sonoridade avançará uma décadas para se soltarem os espíritos 80''s e 90''s.

Como no rés-do-chão, o primeiro andar é amplo, informalmente dividido pelo corpo da escadaria e é para fumadores ("tinha de ser", refere Paulo Rocha). O palco está meio abraçado por um sofá negro, que faz L, as mesas e cadeiras estão do outro lado - mas com visibilidade garantida para os músicos (no rés-do-chão, na cafetaria que depois das 20h00 se transforma em bar, os concertos são projectados em ecrãs), seja José Rito, que abriu a noite de inauguração ao piano, sejam os 13 elementos da Corleone Big Band que se lhe seguiu.

Mais posters (e cartazes, de concertos e edições discográficas: temos o Festival de Jazz do Porto no Pavilhão Académico e o Louis Armstrong e a Aretha Franklin, a Billie Holiday destaca-se nos St. Louis Blues), mais instrumentos em molduras - aqui, há novo violino "clássico" e um moderno, vermelho, que mais parece objecto de design, e trompete, e bandolim... - e fotografias que forram uma parede inteira com imagens a preto e branco personalizadas com um toque de cor em cada frame. A temática não tem novidade - o jazz anda no ar e nos alicerces - e a cor também não - continuamos com negro (no mobiliário, nas paredes divididas aqui com lambril cinza, no tecto, que parece pintalgado de branco mas são apenas os "furos" do tecto acústico, que deixa sair a música) e luzes cuidadas.

E continuamos assim quando subimos ao último andar, o restaurante. São 40 lugares divididos em mesas de quatro lugares, encostadas às paredes, e de dois que preenchem o meio da sala - tudo geométrico a abrir para nova varanda.

Quando saímos, a rua está quase deserta de gente e cheia de música, que nos vai acompanhando. Vamos trauteando a Garota de Ipanema, mas é a Igreja de Santo Idelfonso que vemos - ou a Torre dos Clérigos, que afinal fica para os lados de Tribeca.

Referências

New York steak e fingertips
Noctívago é o restaurante do Tribeca. A cozinha é de autor - Joseph, português apesar do nome - "de base portuguesa e requinte internacional", descreve Paulo Rocha. Entre as 20h e as 23h, abrem-se as portas para experimentar desde frango com nozes e laranjas ao New York steak ou aos fingertips com molho de mel e mostarda - e aqui é desnecessário referir qual é a principal influência internacional.

Consumir é preciso
O Tribeca está aberto das 8h00 às 2h00, mas não integralmente. Até às 20h00 funciona como cafetaria, a partir das 22h00 entra em modo bar - e o restaurante no último piso abre precisamente às 20h00. Há consumo obrigatório de €4 à semana e €8 ao fim-de-semana, mas quem janta não tem essa obrigatoriedade. No final do jantar é-lhes dado um cartão que os isenta do "obrigatório" - consomem (e pagam) o que desejam. A descobrir nesse consumo, o cocktail assinatura que leva o nome da casa e conserva os ingredientes em segredo.

Nome
Tribeca Bar
Local
Porto, Porto, R. 31 de Janeiro, 147
Telefone
967477527
Horarios
Quarta a Sábado das 08:00 às 02:00
Website
http://www.tribecacafebar.com
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