Fugas - restaurantes e bares

Fernando Veludo/NFactos

O sítio das "caipialquimias"

Por Andreia Marques Pereira ,

Começou à beira-mar, como convém a qualquer caipirinha que se preze. Tornou-se um fenómeno, a família expandiu-se e tem outra casa. No Café na Rua, a caipirinha desdobrou-se em variações e fezse múltipla, servida em copos de plástico para ser de todo o lado.

Quando Mário Ferreira recorda a altura em que servia 1700 caipirinhas por noite ainda deixa escapar trejeitos de surpresa. Pelo número, claro (e aí a surpresa é partilhada), e pela maneira como eram feitas. Agora, olha para trás e percebe que muita água (e quem diz água diz cachaça, vodka, licores...) passou por debaixo da ponte (e, novamente, falamos dos shakers, dos copos). A moda das caipirinhas já passou - embora, salvaguarde-se, nunca tenham saído de moda - e fazer caipirinhas - cocktails neste caso é mais correcto - é algo que Mário, numa espécie de demanda pessoal, elevou a uma categoria entre a ciência e a arte. Por isso estamos numa noite chuvosa do início do ano no Café na Rua (na Baixa-Clérigos, Porto), onde se fazem 1100 caipirinhas nas noites de fim-de-semana numa espécie de linha de montagem onde tudo é controlado - a rapidez e, sobretudo, a qualidade. E não há que enganar: o Café na Rua equivale a caipirinhas e suas mil variações (e exageramos, claro, são "apenas" 28). Por elas, vem gente de Braga, de Aveiro; por elas, turistas esgotam os stocks; por elas nasceu a Caipicompany; por elas houve referência no blogue da revista do New York Times.

Sexta e sábado sabemos: mais de mil caipirinhas saem do Café na Rua. "Mas nos outros dias nenhuma", afirma Miguel Ferreira - Mário e Miguel são os dois irmãos proprietários. Não fala a sério, sabemos, é mais pela comparação desproporcionada - até porque quando escutamos isto, já estamos no Café na Rua há algumas horas (quarta-feira) e vemos que há poucos tempos mortos. E a partir das 23h30/24h00, começam a entrar grupos maiores. E ouvimos pela primeira vez um ruído que se sobrepõe à música - é uma misturadora: "Alguém pediu uma caipichocolate", adivinha Mário. Confirma-se. Pouco depois, alguém levará na mão um copo de plástico com tampa e palhinha (é "transportável" e "shake yourself") cheio de um líquido espesso com Kinder Bueno e Bailey''s, "tipo um smoothie, com pedaços de chocolate".

Não, as "caipirinhas" aqui não são comuns. A "Caipichocolate", por exemplo, levou quatro anos a ser terminada, conta Mário. Foram experimentados "mil ingredientes", era "muito enjoativa" até que deixou de o ser. Até que chegou "ao ponto certo". A escutar Mário quase o vemos no seu momento "eureka", ele que é um alquimista das caipirinhas, pipeta na mão a criar fusão de sabores; ele que nem sequer gosta de álcool mas sabe que a reacção deste com as frutas - produto sempre em mutação e o acompanhamento mais constante nestas caipirinhas ("Cada vez mais é fruta ''tirada da árvore''", brinca Mário, "excepto o maracujá e o morango, congelado") - é variável e determinante no produto final. Por isso, na Manga Hot, por exemplo, os pedaços de fruta "têm" de ser esmagados à mão (e sempre na hora - regra para todas), por isso à manga adiciona-se malagueta.

É que fazer caipirinhas não é só esmagar a fruta e juntar álcool e isso Mário aprendeu nos últimos seis anos, desde que começou a fazê-las, quase por carolice, para amigos, no Bar do Molhe (agora Café na Praia), propriedade da família há 60 anos. Tornaram-se um fenómeno, mas desde que a tal moda passou e o movimento abrandou, Mário passou a dedicar-se à qualidade (quase uma obsessão, tanto que há uma empresa a certificar todos os passos do processo) e agora olhamos a parede do Café na Rua, que se juntou a esse Café na Praia em Setembro, onde está a lista de bebidas em repas de madeira e vemos o produto do seu labor.

Se Mário já foi apelidado de "Mário das Caipirinhas", rapidamente evoluiu daí para a invenção ou adaptação de vários cocktails (com um toque pessoal, segredos do ofício, diríamos), a que deu nomes muitas vezes começados por "caipi" mas que estão cada vez mais distantes da tradicional bebida brasileira. As caipirinhas, caipiroskas, morangoskas são quase uma "obrigação" à beira das bamoroskas (banana, morango e vodka), majaris (safari e maracujá), caipicellos (limoncello e lima), caipivinho (Casal Garcia Rosé e lima), caipimelloa (vodka e melão ou meloa - daí os dois "l"), frambuoska (vodka e framboesa), maracujoska (vodka e maracujá); das "brincadeiras" caipichupa (vodka, muita fruta e chupas), e caipiursos (vodka, muita fruta e gomas de ursos); da geladoska (vodka, morango e gelado - Ben & Jerry''s), por exemplo - e a blackiroska (vodka preta e lima), a mais vendida. Os nomes, normalmente, não enganam e revelam a mistura de ingredientes.

Porém, aqui não há ortodoxias. Pode-se pedir caipirinha à medida. "Às vezes pedem coisas estranhas", ri Mário, "nós fazemos, mas não nos responsabilizamos" - por exemplo, caipirinha com whisky ao invés da cachaça. Aliás, esta abertura foi fundamental para a lista que hoje existe: "Algumas bebidas nasceram de pedidos dos clientes", explica Mário, e estes são muitas vezes convidados a experimentar as novas criações - "Eu faço a leitura das suas reacções". Por estes dias, a carta ainda não tem a vodka preta com maracujá, mas já é um dos favoritos da casa - a vodka preta é, aliás, é cada vez mais pedida, revela Mário, "é mais suave, parece que não tem álcool". E este é, na verdade, um dos traços dominantes das caipirinhas aqui: não terem um forte sabor a álcool, independentemente da bebida base - é isso que faz uma "boa caipirinha", considera Mário.

E as caipirinhas do Café na Rua foram feitas "para levar". "Queríamos vender caipirinhas para a rua", confessa Mário, mas os clientes começaram a trocar-lhes as voltas. E a sentarem-se nas poucas mesas ou a deixarem-se ficar em pé enchendo o espaço, que não é grande. O Café na Rua queria ser uma espécie de "fast-caipirinhas", imaginamos, e, mais do que tudo - aqui é o caso de um nome que não engana -, queria mesmo estar na rua. E, não o podendo (embora até já haja holofote a "apropriar-se" do edifício grafitado em frente), "trouxe-a" para dentro de portas, ou melhor, alguns dos seus elementos. Não de forma óbvia e ostensiva, explica Mário ("não há semáforos ou sinais de trânsito", por exemplo).

Betão, pinho e azulejos são os materiais primordiais. Os azulejos estão na fachada da rua estreita, o betão está no balcão rugoso, no lavatório da casa-de-banho (duas, unissexo, forradas a azulejo azul brilhante), o chão é de lajes tingidas pelo tempo, há um andaime estilizado que compõe um mezanino (espaço reservado para grupos), as paredes de pé direito respeitável são azul nocturno (porque é de noite que se vive nesta "rua") e o pinho está nas estantes, nas mesas e cadeiras - o pinho são "caixas de fruta" que a fingirem bancos têm almofada negra.

Chegue-se cedo ao Café na Rua e observe-se como parece uma mercearia, frutaria, de outros tempos - tanto que no início até se vendia fruta à unidade, a mesma que cobre a "estante" de limas, melões, bananas, abóboras... Há ainda uma velha televisão a preto-e-branco e uma motorizada Solero vermelha, como aquelas em que se faziam entregas (só falta a caixa atrás), que faz a delícia dos clientes: fotos em cima dela com o copo na mão são clássicos instantâneos. Os cinzeiros são latas de conservas e, como estamos na "rua", há uma máquina de bebidas - sumos e águas saem dali, "para ser mais rápido também".

Tendo sido pensado como "espaço para circular", diz Miguel, o Café na Rua não fez sua prioridade uma programação regular. A música está sempre presente em regime de play list ambiente, feita de reggae e música do mundo, com os DJ a aparecerem pontualmente, em eventos especiais. Mas isso irá mudar, avança Miguel. A ideia agora é ter cartaz cultural semanal, com, obrigatoriamente, música ao vivo, "alguém a tocar bateria, saxofone". Não está ainda claramente definido o rumo, sabe-se apenas que não pode ser igual aos outros - e na zona o que não falta é oferta musical distinta. "Alternativo", querem que seja o Café na Rua. Alternativo para todos os que buscam surpreender-se com caipirinhas e escutar Ricardo, o gerente, a pegar no altifalante ("tipo feirante", brinca Miguel) a anunciar as promoções: sim, de repente o preço pode baixar e algumas caipirinhas ficarem a €2,50.

Referências

Caipirinhas da época
Dissemos que o Café na Rua tem quase três dezenas de caipirinhas distintas, mas esse é um número variável. Do elenco fixo fazem parte 24, depois há aquelas que vão mudando de acordo com a estação do ano. Por agora provese a Caipimel, a Caipiboske, a Morangui e a Capichocolate - venha o Verão e não se podem deixar de fora as que levam kiwi, Blackiwiroska, aconselha Mário. E, aliás, na próxima estação estival, o Café na Rua vai apresentar uma nova criação, por enquanto ainda no segredo dos deuses, mas já em testes. E os iogurtes, feitos ali mesmo, também irão no futuro integrar a lista de ofertas da casa.

Os cafés vão a todo o lado
Quando Mário Ferreira começou a fazer caipirinhas na Esplanada do Molhe - hoje Café na Praia - não imaginava que um dia ia fundar a empresa Caipicompany, que agrega os dois espaços e todos os projectos que virão. Ele e o irmão, Miguel Ferreira, que também se entusiasmou com o negócio: Mário trata da inovação do produto, Miguel da qualidade e profissionalismo de todo o funcionamento. Por enquanto, a Caipicompany agrega os dois "Cafés na..." (o conceito do nome é para manter e é café pela "mania portuguesa de ter o café como local de convívio") existentes, mas ideias de expansão não faltam. Braga e Viseu estão na mira dos irmãos que têm prioridades bem claras: a qualidade e a imagem.

(Janeiro 2011)
Nome
Café na Rua
Local
Porto, Porto, R. Conde de Vizela, 122
Telefone
934385607
Horarios
Terça a Domingo das 22:00 às 04:00
Website
http://www.cafenarua.com
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