No sub-zero de uma praça antiga, um espaço move-se, há mais de 60 anos, ao ritmo do cabaret, do burlesco, das danças exóticas, do striptease. Um dia, dá-se a grande mudança: saem as meninas e entram os blues. Podia ser a sinopse de um filme. Mas não: assim acontece na Praça da Alegria, em Lisboa. O Fontória mudou de identidade. Agora, é bar para quem gosta de bons momentos de música ao vivo até horas que rivalizam com outros pontos da cidade. E pode trazer a família.
"Vá! Uns degraus mais e estará no dancing", lê-se no velho cartaz do vestíbulo, com a ilustração de dançarinas e mulheres nuas. É um dos elementos da decoração que faz referência à história do sítio, nascido em 1953 como Dancing Fontória Cabaret. Outro é a vitrina onde estão expostos cheques de avultadas somas. O que se compraria por 500$00 nos anos 1960? Francisco Nunes deixa a resposta à nossa imaginação.
É ele o proprietário da casa e o mentor do seu novo conceito, "everyday we got the blues". Se as raízes blues estão ligadas às canções de trabalho entoadas nas plantações do delta do Mississípi, Francisco tem as suas raízes numa aldeia perto de Arganil, que deixou aos 12 anos para ir trabalhar para Lisboa. Lá foi suando por um caminho que o levou, entre outras façanhas, a adquirir o Fontória em 1989. Foi já sob a sua alçada que o bar sofreu a maior remodelação: em 1991, pelo arquitecto Fernando Jorge Correia. Pouco mudou desde então, tirando a adaptação acústica para os concertos.
Descemos os dois lanços de escadas. As paredes estão forradas a espelhos, que reflectem as linhas de focos de luz no tecto como se a sala se prolongasse. A média luz confere ao espaço o carácter boémio que se espera encontrar numa casa que partilha o código genético com o Maxime. Em tons de vermelho, preto e algum bege, o mobiliário forma cabinas abertas. De qualquer uma se vê e ouve bem o que se passa no centro, sob a bola de espelhos e o olhar veterano do varão que teimou em manter-se no palco, firme e hirto.
No fundo, o que mudou foi o espectáculo. Os empregados é que não: atenciosos e cordiais, mas ainda a adaptarem-se às novas caras. Bom, nem todas são novas. Muitos clientes habituais transitaram sem reservas do dancing para o blues. "A diferença é que agora podem trazer a família", sublinha Francisco. Confessa que alguns ainda o vão desafiando: "Ó Chico, então e as meninas?". Ele responde com um sorriso ou, se a pergunta for a sério, com uma morada ou outra nas redondezas...
É que, aqui e agora, o chamariz principal reside mesmo nas bandas. A qualidade é assegurada pela colaboração com alguém que conhece bem a lacuna que existe na rede "ao vivo" lisboeta: Manuel Pais. Há quem o conheça melhor como Catman, o senhor que há poucos meses fechou as portas do seu Catacumbas. Quem se sentiu órfão desta sala de culto Bairro Alto encontra no Fontória uma espécie de reencarnação.
Voltemos à história do Fontória para dizer que esta porta até se abriu primeiro ao jazz (o Hot Clube começou aqui), pelo que não é de estranhar a união. Jazz e blues são, aliás, amigos de longa data - basta subir o Mississipí até Nova Orleães. O programador promete jam sessions "nada exclusivistas" e abertas a amantes ou amadores. "Desde que os grupos tenham qualidade, acabam por ter um lugar para divulgar o trabalho deles perante um público", acrescenta Francisco. E esse será um público atento, que vem porque sabe que aqui encontra sempre música ao vivo.
- Nome
- Fontória Blues Caffe & Dinner
- Local
- Lisboa, São José, Praça da Alegria, 66
- Telefone
- 213465431
- Horarios
- Todos os dias das 22:00 às 06:00
- Website
- https://www.facebook.com/FontoriaBluesCaffe