Ao passarmos a entrada, encimada por um letreiro quase cinematográfico (ou teatral — se o teatro for na Broadway), com lâmpadas amarelas a desenhar a palavra “café”, estamos em espaço onde a madeira, clara, nos parece quase como uma segunda pele. Apenas o tecto se exibe desde as entranhas, sem maquilhagens, e por momentos faz-nos quase sentir como se estivéssemos numa caixa colocada dentro do número 575 da Rua da Firmeza, a dois passos do Bolhão. E, a ser uma caixa, o BOP Café (aberto em Dezembro de 2015) seria uma caixa de música. Afinal, antes de tudo houve a música — ou, se calhar mais apropriadamente, a música em vinis, que se tornaram objectos de culto para Filipe Ribeiro, 30 anos, o mentor do BOP. Ele recua até 2001 para descrever o processo de enamoramento, que “há seis ou sete anos” o levou a “coleccionar a sério”.
Entretanto, houve um curso de luz e som, estágios, a (vã) procura de emprego na área. E como havia os vinis, havia os blogues de coleccionadores e foi através deles que chegou a um que lhe indicou o caminho. Do outro lado do mundo, entrou no bar JBS em Tóquio e já não quis sair. Pareceu-lhe a resposta para a interrogação que até então nunca tinha tido — “Tenho tantos discos, como vou ouvi-los todos?” — e que desde então não mais lhe saiu da cabeça — “Vou levá-los para o trabalho”. Na verdade, Filipe atreveu-se mais: inventou um trabalho em torno dos seus vinis. Se o dono do JBS, Kobayashi Kazuhiro, é um reformado que abriu uma espécie de segunda sala de estar, uma extensão da sua casa, onde serve uma selecção de bebidas e vinis, Filipe viu aqui a oportunidade de fintar o desemprego. O que, na realidade, “envolve muito mais trabalho do que ‘estar’ em casa”, reconhece.
O trabalho começou logo pelo projecto, dois anos a preparar com toda a minúcia o plano de negócios. Dois anos em que teve o apoio de João Brandão, amigo e responsável pelos Estúdios Sá da Bandeira, que viria a tornar-se sócio do BOP. Muita da inspiração para a carta de comidas do BOP veio, aliás, das férias consecutivas que passaram juntos percorrendo os EUA. A inspiração japonesa acabou por tornar Filipe num epígono de Kazuhiro — “Além de copiar o estilo de vida, também copiei o bar. Para roubar que sejam coisas boas”, brinca — mas levou-o um pouco mais longe. No BOP, há, por exemplo, três postos de escuta com gira-discos e auscultadores que permitem aos clientes ouvirem os vinis que pretendam. A catalogação de todos os vinis ainda vai a meio, mas em breve estarão disponíveis as 3000-3500 referências, de vários estilos musicais que percorrem muitas décadas, que vão constituir a totalidade do acervo desta fonoteca informal (reunindo as colecções de ambos os proprietários), para que os clientes possam escolher da base de dados. Enquanto tal não se concretiza, o funcionamento dos postos de escuta é bastante informal: “Tens isto?”, “Queria ouvir alguma coisa calma”, “Tens algum groove dos anos 70?”, exemplifica Filipe. Contudo, avisa, não se espere entrar no BOP numa altura com muito movimento e poder utilizar os postos de escuta: “Há muita confusão para manusear os discos e é impossível manter uma conversa com o cliente que, normalmente, quer discutir o que vai ouvir, pedir sugestões.” E essa é a ideia do espaço, que Filipe descreve como um “café de bairro com classe” — o convívio, se for em torno da música, melhor.
Há momentos em que o silêncio se apodera do BOP. Não é opressor, é de expectativa. Aqui, a música que anima o espaço é, naturalmente, de vinil, ouvido sempre integralmente, e, quando este termina ou é necessário mudar de lados, leva o seu tempo pois não há DJ: a música passa à vontade, não do freguês, mas dos funcionários. Por isso, estes são também especiais, muitos deles ligados à música, garantia da qualidade e eclectismo musical, diz Filipe. Por exemplo, se está a trabalhar o Rafael Ferreira, dos Glockenwise, “provavelmente passará rock, mas se estiver na onda também pode sair Marcos Valle, de quem ele também gosta”; se for o Carlos Jesus, dos The Sunflowers, o melhor é estar preparado para “coisas totalmente diferentes” — “Muitas vezes pergunto-lhe ‘Porquê isto?’; e ele diz ‘Porque não conhecia’. E pode ser uma balada brasileira totalmente melosa.”
A primeira vez que entramos no BOP, sexta-feira ao final da tarde, é Lester Young quem faz ouvir o seu saxofone. Já há quem coma neste espaço que não é minimalista mas ostenta uma pureza de linhas inegável (mais uma vez a inspiração japonesa). A madeira que reveste paredes desenha armários: no interior do balcão, é o repositório dos discos, no exterior abrem-se poucas prateleiras e os nichos principais, os dos pontos de escuta, alinhados com três das poucas mesas que ocupam o espaço pequeno. O balcão é servido por bancos ao estilo diner americano e tem a profundidade suficiente para se estar totalmente confortável.
Já entramos pelas influências norte-americanas, que se reflectem, então, de forma mais evidente na carta (e é aqui que o BOP mais se descola da inspiração japonesa, com a vertente de restauração). Ao nosso lado há quem coma sanduíches (em versão carne branca ou vermelha, e vegana), à nossa frente preparam-se bagels (servidos com diferentes recheios) — da lista fazem ainda parte, por exemplo, as tábuas de queijo ou o húmus com baba ganoush, tartes salgadas (de frango ou vegetariana) e doces (de frutos), bolachas e taças de fruta com iogurte. E chegamos aos cafés, também uma “importação” norte-americana pelas versões apresentadas: o “nosso” expresso tem a companhia do café filtrado e do café pour over, também ele filtrado mas de forma manual, num ritual de precisão e equilíbrio entre o café moído na hora e a água. Em termos de bebidas espirituosas, Filipe Ribeiro assume que não tem muita variedade, mas o que tem foi seleccionado a dedo; as cervejas, sim, fazem uma pequena volta ao mundo (ao contrário dos vinhos, portugueses todos), com destaque para as de pressão, pouco comuns: a Guinness, a Erdinger e a BOP, uma semi-artesanal que faz as vezes de cerveja da casa.
Temos de despedir-nos voltando à música, que à noite pode ir para o rock mais moderno e até para a electrónica (apesar de Filipe ter pouca), mas tem na soul, funk, folk, jazz, blues e até portuguesa (do fado ao rock, de hoje e de ontem) o epicentro. O nome escolhido para o café era para não ter nenhum significado – “queríamos apenas um nome curto, três letras”, explica Filipe – e depois de escolhido veio-lhes a revelação. Bop, bebop, hard bop, jazz — há destinos inescapáveis.
Preços: Cervejas de pressão: BOP Beer a 1,50€; Erdinger a 3,25€; Guinness a 5,50€; cerveja em garrafa entre 1,50€ e 6€; espirituosas desde 2€; vinho a copo desde 1,50€; expresso a 0,80€; café a 1,20€, pour over entre 2,50€ e 4€; sumo natural a 2€; menus de pequeno-almoço a partir de 3€; bagel com recheio a 1,80€; sanduíches a 5,50€ e 6€.
- Nome
- BOP Café
- Local
- Porto, Santo Ildefonso, Rua da Firmeza, 575
- Telefone
- 222001732
- Horarios
- e Segunda-feira das 12:30 às 01:00
Domingo, Terça-feira, Quarta-feira e Quinta-feira das 10:00 às 01:00
Sexta-feira e Sábado das 10:00 às 02:00