Fugas - restaurantes e bares

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Nesta capela, Baco é deus maior

Por Andreia Marques Pereira ,

Capela Incomum é o nome deste bar. E assenta-lhe muito bem: é, mesmo, uma antiga capela, agora tornada bar de vinhos.

Se começarmos pelo nome podemos bem sintetizar ao que vamos: Capela Incomum. Não falta o local de culto, e, na verdade, este é incomum. A capela há muito que foi dessacralizada e já não recebe rituais católicos há mais de meio século; vai daí que passou a ser um wine bar. É um destino pouco comum para uma capela, convenhamos. Ainda que nas eucaristias “o sangue de Cristo seja simbolizado por vinho”, sublinha Francisca Lobão, a mentora do projecto que chegou a contactar o bispo do Porto para certificar-se de que a sua ideia não era sacrílega. Com a bênção chegada do paço episcopal deu forma à sua “intuição”. Nunca pensou ter um bar de vinhos, mas tudo mudou quando chegou ao edifício onde, supostamente, ia ocupar um espaço como atelier para a sua actividade de formação, design de interiores. 

Já iremos à história, também ela incomum, desta mudança de rumo: de Francisca e da capela abandonada. Primeiro, chegamos ao pequeno largo, árvores frondosas diante do edifício que a um canto tem a capela e para o outro a antiga casa do “guardador” desta. É pela “casa” que entramos e é logo na entrada que se presta reverência ao novo deus que tomou conta do espaço: ao fundo, uma estante, toda ela transparência, faz as vezes de altar preenchida que está com os novos santos da casa — as garrafas de vinho, claro.

São “cerca de 80” as referências que compõem o menu do Capela Incomum (mais a sugestões fora da carta, 12, compostas por pequenos produtores — “têm produção reduzida e nem sempre têm disponibilidade do produto, por isso não arriscamos colocá-los na carta”), 20 servidas a copo (metade tinto, metade branco), todas podendo ser acompanhadas por petiscos, pois Francisca não esconde as suas raízes minhotas — tábuas de queijos, enchidos e mistas, numa lista de razoável extensão que inclui chouriço assado que em pouco tempo veremos servido numa mesa onde já estão dois copos de vinho tinto.

Aí já estaremos na capela, vermelha, o que surpreendeu Francisca a primeira vez que aqui entrou — e que viria a fazer todo o sentido com o projecto que congeminou. O retábulo de madeira escura do antigo altar é a presença imponente da pequena capela (mas com um pé direito desmesurado — cinco metros rematados com tecto de madeira onde se intrometem vitrais), no qual os bancos corridos foram substituídos por mesas e onde ao final da tarde se acendem as velas que ajudam à luminosidade especial do espaço.

Francisca considera que é o espaço romântico por excelência da casa: o casal que espera o chouriço parece concordar com ela. Nas paredes, as imagens dos santos foram substituídas por fotos de vindimeiras e vindimeiros, os homens e mulheres que dão o corpo para que o vinho aconteça. A porta principal, encimada por pequeno vitral encaixado em granito, está fechada e é ao lado desta que uma escadaria nos leva à terceira sala da casa com passagem por um antigo púlpito, base granítica e varandim agora transparente.

No primeiro andar temos a sala de “convívio”, onde nos sentamos a conversar com a música ambiente que acompanha todo o funcionamento da casa — “jazz, às vezes fado, bossa nova, chill-out, blues, músicas do mundo”. O tecto aqui é mais baixo, mas há quatro janelas a derramar luz. Não é a mesa da última ceia, mas é grande q.b., ou não fosse uma antiga porta da capela (substituída por vidro), a que tutela a sala, elevada e rodeada de cadeiras altas; as restantes mesas são normais e os candeeiros de pé e fundo vermelho juntamente com o armário antigo (onde se guardam jogos de tabuleiro pouco ortodoxos: por exemplo, uma espécie de Monopólio versão vinícola) trazem a cor da capela até aqui.

É aqui, então, no “ambiente mais acolhedor”, próprio para “grupos de amigos”, que Francisca conta como surgiu o Capela Incomum na sua vida e na vida do Porto. Recua até à sua relação de trabalho com a Comissão dos Vinhos Verdes, quando foi chamada para intervir em diversas quintas da rota, ajudando-as a transformarem-se para o enoturismo. Aí começou a sua maior apreciação pelo vinho, pela sua cultura e histórias. E quando andava à procura de um espaço maior para trabalhar, uma amiga da família sugeriu-lhe uma sala, “que talvez precisasse de obras”, neste edifício.

Quando veio ver o espaço, que corresponderia à sala de entrada, viu o resto e foi um caso de amor à primeira vista. Queria devolver a capela à luz do dia e fez o que faz sempre que começava um projecto de design de interiores: investigou o seu passado. Foi aí que descobriu o visconde de Vilarinho de São Romão, que mandou construir a capela anexa ao palácio ao lado. Personagem “fascinante”, no final da vida interessou-se pela agricultura e viticultura, chegando mesmo a escrever livros sobre o Douro e o vinho do Porto. As peças do puzzle começaram a encaixar-se. “Parecia que tudo apontava na mesma direcção, eu apenas segui pistas” — e a intuição revelou a vocação actual do espaço.

Foi um processo de dois anos, em que Francisca, 27 anos, teve várias dúvidas. Mas uma certeza — queria dessacralizar o vinho. “Os wine bars e, sobretudo, os restaurantes vínicos parecem colocar o vinho num estatuto quase inacessível”, explica, “e num país produtor o consumo não creio que esteja ao nível”. Pela democratização do vinho, portanto, abriu o Capela Incomum. “Não é um bar para quem percebe muito de vinho”, assume, “é para iniciantes, principalmente”.

Aqui, têm logo à entrada, e em todas as salas, uma roda dos aromas, e nos menus um guia de prova; e, claro, aconselhamento e explicações, não só sobre os diferentes vinhos como sobre a melhor forma (e momento) de os desfrutar. “Por exemplo, estamos a apostar no Porto Tónico, um pouco em contraponto ao gin tónico, e sugerimos sempre para antes do jantar” — um dry white com água tónica e limão. Para o pós-jantar, um tawny é sempre a melhor opção. Há sangrias para os menos ortodoxos e há sempre quem não abdique da cerveja, do gin, do whisky, reconhece Francisca (“num grupo há sempre alguém assim”).

Por isso, a Capela Incomum abre excepções, sem abdicar do que é o seu leit-motiv: inspirar o consumo de vinho. Em nome do Douro, do Dão, da Bairrada, do Alentejo, de Lisboa, dos verdes e do vinho do Porto.

Nome
Capela Incomum
Local
Porto, Miragaia, Travessa do Carregal, 77-81
Telefone
222011849
Horarios
Terça-feira e Quarta-feira das 16:00 às 00:00
Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 16:00 às 02:00
Website
https://www.facebook.com/Capela-Incomum-Wine-Bar-822119827851652
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