Fugas - restaurantes e bares

  • Pedro Almeida
    Pedro Almeida Oxana Ianin
  • ramen de barriga  de porco com ovo
    ramen de barriga de porco com ovo Oxana Ianin
  • tataki de carapau  com tomate
    tataki de carapau com tomate Oxana Ianin
  • sashimi de carapau com molho  à espanhola
    sashimi de carapau com molho à espanhola Oxana Ianin
  • nigiri de bitoque
    nigiri de bitoque Oxana Ianin

Como se faz cozinha japonesa de fusão com inteligência?

Por Alexandra Prado Coelho ,

Pedro Almeida não queria ficar preso à cozinha japonesa tradicional. Queria partir dela, sim, mas brincar com elementos de todo o mundo, misturando-a com sabores que podem ser asiáticos mas também portugueses. Porque não um sashimi de carapau com molho à espanhola? Ou um nigiri de bitoque?

Imagine-se primeiro o imenso universo que é a cozinha japonesa tradicional. Depois, imagine-se todo o resto da cozinha universal. As possibilidades de cruzar uma com a outra são infinitas. Isso pode conduzir a um resultado desastroso. Ou, se for feito com inteligência e sensibilidade, pode resultar numa cozinha de fusão que é um desafio, que nos faz viajar, que nos diverte, que nos põe a pensar. É isso que acontece com a cozinha que Pedro Almeida faz no restaurante Midori, na Penha Longa, em Sintra. 

Um exemplo: pensemos em sashimi, uma forma clássica de os japoneses servirem peixe cru. E de seguida pensemos em Portugal e num prato como carapau com molho à espanhola. Há alguma forma de os cruzarmos? A partir desta ideia, Pedro Almeida construiu um prato em que o carapau é tratado com a técnica japonesa e é servido sobre um disco de molho à espanhola concentrado e gelificado, acompanhado por uma espuma de salsa e crocantes de sementes de abóbora. 

Quais são, então, os limites que nos permitem fazer essa cozinha de fusão inteligente? Pedro Almeida está no seu dia de folga, na sala vazia do Midori, e disponível para nos explicar. “Quando falamos por exemplo de sushi - rolos e nigiris - tem muito a ver com a quantidade e o tempero do arroz, por um lado, e a quantidade de recheio ou de cobertura. Quando colocamos demasiados sabores dentro de um rolo, ou demasiadas distracções num nigiri, acabamos por ultrapassar os limites do que é aceitável num sushi de fusão. O meu limite estaria aí: na quantidade de ingredientes.”

É preciso, acima de tudo, manter uma harmonia nos sabores. “Alguns são demasiado fortes para contrabalançar o sabor do peixe. Enquanto um morango funciona muito bem com o atum, o mesmo não se pode dizer de um queijo Philadelphia com atum. São duas coisas que se abafam uma à outra. Com o Philadelphia num rolo não sentimos peixe nenhum.” O problema com muito do (mau) sushi de fusão é precisamente esse: “É uma mistura de sabores em que não se pensa na harmonia com o peixe.”

Mas não é só quando fazem fusão que os ocidentais alteram os sabores da cozinha japonesa. Isso acontece também nas versões mais tradicionais. “Ocidentalizámos o sushi. Há uma grande diferença entre o tempero do arroz no Japão e na Europa. Fizemos um tempero mais avinagrado, muito mais adocicado, e demos ao arroz outro sabor, que no Japão é muito mais subtil. Eles tendem a estragar menos o sabor do arroz e a manter as coisas como elas são na sua génese.”

Dar largas à criatividade

O interesse de Pedro pela cozinha japonesa e asiática começou “com um grande mestre, que é o Paulo Morais”, dos restaurantes Umai e Izakaya, de quem foi aluno. Mas logo aí percebeu que gostava de enveredar pelo lado mais criativo. “Eu dizia ao Paulo que não queria seguir a cozinha japonesa tradicional porque a achava muito barricada. Não permite fazer mais nada senão aquilo. E ele dizia-me que a cozinha japonesa são séculos de história e que eu nunca iria conseguir fazer todos os pratos.” Mesmo assim, Pedro sentia falta do lado criativo. “É por isso que me dá prazer fazer uma cozinha de fusão, muito mais louca, e poder criar coisas que sejam diferentes de tudo.”

Esteve recentemente no Japão, um mês, a trabalhar num restaurante para aprender e absorver tudo o que podia. “Vi o funcionamento das cozinhas, provei tudo, o que só por si é uma formação fantástica, poder perceber o que se come na rua, por exemplo, ver que no Japão existem sushis de tapete, que aqui são uma coisa brega, com uma qualidade muito superior a mais de 70% dos nigiris que se fazem em Portugal.”

No Midori, onde assumiu a chefia da cozinha há dois anos, tem espaço para dar largas à criatividade. O grande sucesso do restaurante são as duas noites de buffet (às quartas com sushi e sashimi, e aos sábados com cozinha japonesa em geral), mas o chef aconselha quem quiser conhecer o seu trabalho a vir num dos outros dias e a experimentar um dos menus de degustação. 

É aí que se pode provar um amuse bouche de enguia com foie-gras, molho teriaki e esferificação de laranja sanguínea, um sashimi de salmão com puré de ervilhas e hortelã e chips de raíz de lotus, o sashimi de carapau com molho à espanhola, ou - em pratos com uma apresentação cuidadíssima - um shimesaba de cavala (shimesaba significa que o peixe é marinado, com vinagre de arroz) com dashi e edamame (esfera de dashi tendo no interior um grão de soja do edamame, que é a vagem), tofunaise (maionese de tofu) de alho negro e cerveja. 

Um dos pratos mais surpreendentes é um tataki de carapau com tomate. Primeiro é-nos apresentada uma palhinha transparente que tem no interior miolo de pão torrado. Depois surge um copo de gaspacho à temperatura ambiente sobre o qual vem uma tosta de pão rectangular coberta com um pó de tomate. Sobre esta repousa o tataki de carapau e um pequeno pedaço de gelado de tomate com dashi e mirin - uma conjugação de sabores, texturas e temperaturas muito bem conseguida. O menu inclui ainda, servido sobre um tronco de madeira, um belíssimo tataki de atum de Outono, com cogumelos, castanhas e nozes pecan, e, numa fusão Japão/Portugal, um nigiri de lingueirão à Bulhão Pato.

Fazer um sushi de salmão é fácil, diz Pedro Almeida. Maior desafio é trabalhar com peixes como o carapau ou a cavala, “muito mais complexos de se comer crus, e que reduzem as nossas possibilidades de criar a fusão”. Como é que se chega, então, a um prato como o sashimi de carapau com molho à espanhola? “Tentámos usar uma coisa que estamos habituados a comer, o carapau, e trazer sabores que para nós são familiares e que funcionam muito bem com o carapau, mas sem abafar o sabor deste. A cozinha de fusão tem que ter um elemento base japonês a partir do qual se tenta criar alguma coisa que dê um sabor extra ao prato.”

O menu de degustação inclui ainda dois pratos que, por razões diferentes, não podem ser esquecidos neste texto. Um deles é o nigiri de bitoque, que nasceu de uma brincadeira na cozinha. “Costumamos brincar com aqueles clientes que vêm aqui e pedem um bitoque, e então decidimos criar mesmo um bitoque.” O resultado, servido num prato de barro, é um nigiri com um pedaço de bife atado ao arroz, um mini-ovo estrelado também sobre o arroz, um minipão “para molhar no molho” e meia dúzia de batatas fritas. 

E, depois desta fusão inesperada, vem um clássico dos clássicos: ramen de barriga de porco com ovo a baixa temperatura. “Usamos algumas técnicas ocidentais como as baixas temperaturas, mas o coração da ramen, que é a massa e o caldo, é 100% tradicional. O importante aqui é a atenção aos pormenores. Aquele caldo demora 48 horas a fazer, são 48 horas com uma pessoa a tomar conta de um caldozinho, que é feito com legumes, carne de porco, pés de porco, entrecosto, toucinho de porco preto. Apesar de a massa ser feita aqui, diariamente, à mão, o segredo da ramen está todo no caldo.” A carta oferece ainda outras opções de ramen, uma de camarão “com um twist mais tailandês”, com espuma de coco e raspas de lima, e uma com frango katsu, passado por panko (pão ralado japonês) e frito, “com uma gema super-cremosa, a baixa temperatura”.

Imperdíveis no Midori são também as sobremesas. Aí, Pedro atribui o mérito a dois membros da sua equipa, Diogo Lopes e Nídia Figueiras. “O Diogo é a cabeça por detrás das sobremesas, é das pessoas que conheço que mais lê, investiga, estuda, e isso faz dele um profissional soberbo. Ele e eu a conversar conseguimos encontrar coisas muito boas. E na parte do empratamento temos a Nídia para nos ajudar a criar os pratos.”

Sobre sobremesas (que no Midori incluem coisas como diamantes de pera nashi; yuzu, maracujá e manga; ou esféricos de chocolate, lima e wasabi), para princípio de conversa, uma informação: “No Japão, sobremesas, zero. Eles gostam sobretudo de brincar com gelatinas, fruta, gelados. O que fizeram foi importar a doçaria francesa para o Japão. Nós agarramos em ingredientes e sabores japoneses ou asiáticos e criamos sobremesas completamente ocidentais.” 

Evitando os ovos e o açúcar, para não cair na doçaria portuguesa, criam a partir de tudo. Um exemplo: “Pensámos que gostávamos de ter uma tarte de abóbora, e vamos ver que sabores se conjugam com a abóbora. Concluímos que era engraçado com laranja e miso.” A primeira versão, com gelado de miso, era “brutal mas demasiado esquisita”. Trabalharam o equilíbrio de sabores (o miso foi integrado numa panna cotta) e o resultado é uma sobremesa inesquecível. A isto chama-se fusão inteligente. Pode parecer fácil, mas implica muito trabalho. Aqui sentimos que Pedro e a sua equipa divertem-se a fazê-lo. Talvez esteja aí o segredo.

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Preços: Buffet de sushi (quartas-feiras): 49€ sem bebidas. Buffet japonês (sábados): 57€ sem bebidas.

Nome
Midori
Local
Sintra, São Pedro de Penaferrim, Estrada da Lagoa Azul
Telefone
219249011
Horarios
Terça-feira, Quarta-feira, Quinta-feira, Sexta-feira e Sábado das 19:00 às 23:00
Website
http://www.penhalonga.com/
Preço
50€
Cozinha
Autor
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