Fugas - dicas dos leitores

A Cuba das Casas Particulares

Por Pedro Serpa

Confesso que o destino Cuba já andava debaixo de olho há muito tempo. Mais do que as praias de areia branca e dos resorts de Varadero, despertava-me aquela cristalização no tempo, uma Cuba cheia de História, a (sobre)vivência daquela gente. Por isso não fazia sentido refugiar-me num Hotel. Queria estar no mesmo Mundo deles e não ficar refém das conversas de circunstância dos turistas.

A Casa Luís, na San Lázaro, reservada um mês antes pela internet, dista dois quarteirões do Malecon, a longa avenida à beira-mar onde os jovens se reúnem para passear, tocar música, pescar ou simplesmente conversar. A Casa Luís fica no segundo piso dum velho edifício, aliás como quase todos em Cuba. O sistema das casas particulares depende em muito do passa-a-palavra. E foi assim que o Luís me forneceu dicas preciosas para o resto da viagem.

Pepe, da Casa Colonial esperava-me na paragem de autocarros da estação, em Cienfuegos. Orgulhava-se de que em Julho último, altura por excelência de tufões, os turistas contrariando as orientações do Governo que os obrigavam a se refugiar nos Hotéis, considerados edifícios mais seguros, quiseram permanecer no acolhimento da Casa Colonial. A casa não tinha muitos quartos, à semelhança de todas as casas particulares. São casas de família, que por alguma razão têm quartos vagos, e cujos proprietários decidem rentabilizá-los, alugando a turistas.

Santa Clara, tem pouco para ver, além da estátua e do museu de Che Guevara. A casa particular Jorge & Sheila tem dois quartos para arrendar. Jorge já não trabalha fora de casa. Diz-se capitalista. Que recebia anteriormente cerca de 20 pesos convertíveis por mês como mecânico, mas que agora consegue cobrar ao turista 25 por apenas uma noite. Consegue cobrar mais do que a concorrência porque investiu nos mosaicos do piso, na cama e no resto da casa. Porque o turista está disposto a pagar mais pelas casas onde pode comer bem e onde não há cucarachas. Por isso é olhado de soslaio pelos vizinhos. O comunismo não sabe fazer contas; apenas serve para fazer a guerra. Tem a lição bem estudada.

Matanzas foi o destino seguinte e Villa Gloria foi a casa particular escolhida. Quando digo a Gilberto que sou da Madeira, associa logo ao Baptista e ao seu exílio. Vêm-lhe à memória os vinte mil cubanos assassinados pelo antigo ditador. Lanço uma provocação. Responde que os que morreram fuzilados a mando de Fidel foram julgados. Eis a grande diferença. Desafio-lhe outra vez. Responde que noventa e oito por cento dos cubanos costumam votar. Sim, apesar de haver apenas um único partido. Que quem está contra tem o direito de não votar. Eis o conceito de democracia de quem viveu os dias em que Cuba era o bordel e o casino dos americanos.

De regresso a Havana pronto para apanhar o avião de regresso, um último passeio pelo Malécon. "Holá, de qué país?", é a frase utilizada para entabular conversa, que invariavelmente conduzirá ao negócio clandestino de charutos. Respondo que sou de Cuba. Irritam-se. Sabem que minto. Que sou estrangeiro. Que estou só de passagem e que saio de Cuba quando quiser.

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