Fugas - restaurantes e bares

Miguel Manso

Eleven, um jantar como nos filmes

Por Luís Francisco

Grande momento no lisboeta Eleven: pela segunda vez, o chefe Joachim Koerper recriou a refeição servida no filme "A Festa de Babette". Uma sagrada experiência.

Falta aqui, talvez, a neve. O vento persistente que sopra em Lisboa à medida que as luzes substituem o brilho do sol até pode indiciar algum desconforto térmico. Mas cá fora, no terraço do restaurante Eleven, no topo do Parque Eduardo VII, percebe-se que o ar é morno e está carregado daquela sensualidade hipnótica das noites de Primavera. Lá dentro, as mesas estão postas. A expectativa é grande: o chefe Joachim Koerper vai recriar a icónica refeição imortalizada no filme A Festa de Babette.

Há diferenças óbvias no cenário e na lista de personagens e figurantes. Para começar, isto não é a Dinamarca, não se vê neve a cair do lado de lá das minúsculas vidraças das janelas. Já agora, nem sequer há janelas: a sala do restaurante abre um horizonte vidrado de 180 graus para as colinas de Lisboa, o Tejo e a outra banda. Estão postas quatro mesas, que hão-de encher, com dez lugares cada no filme, baseado num conto de Karen Blixen (a tal de África Minha), são apenas 12 os convivas.

[Babette é uma refugiada política que foge de Paris e acaba a pedir abrigo a duas irmãs, filhas de um pastor protestante, que lhes tinham sido recomendadas por um amigo comum. Em troca de alojamento, passa a servir em casa das duas solteironas, vencendo, a pouco e pouco, a desconfiança motivada pelo facto de ser a única católica numa austera comunidade protestante. Muitos anos depois, ganha um prémio na lotaria e decide voltar a Paris. Mas antes despede-se dos seus anfitriões com uma refeição fantástica, que acaba por lhe consumir todo o dinheiro.]

A forma como o realizador dinamarquês Gabriel Axel adaptou e filmou a história da sua compatriota Karen Blixen transformou A Festa de Babette num filme de culto e asseguroulhe a conquista do Óscar para Melhor Filme Estrangeiro em 1987. A refeição final, carregada de simbolismos (replica a Última Ceia de Cristo), é um dos mais espantosos momentos gastronómicos da história da sétima arte. De deixar água na boca.

E, portanto, esta noite sentamonos à mesa, puxamos o guardanapo para o colo e preparamo-nos para saborear o jantar em que Babette mostra a sua alma artística aos sisudos dinamarqueses ao longo da refeição, estes vão gradualmente descobrindo que a vida tem prazeres que merecem ser vividos...

Há quem tenha a história do filme mais na ponta da língua do que outros. "Tinha a cassete VHS, mas o aparelho já não funciona", lamenta um dos convivas. "Dá para tirar da Internet", sugere outro. "Estive a rever ontem, é realmente fantástico", assegura um terceiro.

Na cozinha, entretanto, a equipa liderada por Joachim Koerper, considerado um dos melhores chefes da Península Ibérica, afadiga-se para que tudo esteja pronto e no ponto. Conhecido pelo seu sorriso contagiante, Koerper está agora em modo criativo e pede para não ser incomodado. Deixemos o artista trabalhar.

[Na sua vida parisiense, Babette era cozinheira no Café Anglais, uma selecta casa de comida. Para as gentes simples da aldeola dinamarquesa, o mundo da alta cozinha francesa é completamente desconhecido tal como o é o passado da visitante que com eles vive, agora, há 14 anos. Babette, a criada, transforma-se em Babette, a artista, e confecciona uma refeição divinal.]

--%>