Fugas - Viagens

Miguel Madeira

Marrocos pela boca

Por Sofia Lorena

Não há árvores de arganar em Portugal, como há restaurantes marroquinos. Mas se houvesse fazíamos a viagem na mesma. Viajar para comer é um belo projecto. Em Marrocos, nunca é aborrecido. Harira, por exemplo, uma sopa e nada mais, pode experimentar-se todos os dias e nunca ser igual. Sofia Lorena e Miguel Madeira comeram e já choram por mais

Cheirar, tocar, ouvir. depois provar. A comida pode cheirar-se, deve comer-se com as mãos sempre que se tiver vontade e pode até ser ouvida. O peixe ainda no mar ou o pescador no porto, à chegada. O vendedor no mercado. O lume à espera. Um campo cheio de menta.

Ao longe, pastam vacas. Do outro lado do monte, crescem uvas e no silêncio surge o ruído das pequenas mangueiras que permitem à vinha crescer. Galinhas.

Numa estrada há cabras em cima das árvores. São as árvores de arganar, com as suas nozes que as cabras deixam a descoberto e as mulheres hão-de partir, retirar grãos, espremer e amassar e depois vai haver um óleo e a seguir uma pasta a saber levemente a amendoins. No meio de uma cidade de encantar, há uma sopa que vem do campo e da serra e que se come com colheres de pau compridas. A acompanhar, chá de menta.

Estamos em Marrocos e queremos comer. Sucumbir aos cheiros, aos toques, aos sons, aos sabores que se adivinham em cada estrada, em cada rua, em cada esquina. Tâmaras, por exemplo, que se vendem em todas as fases de amadurecimento. Apetece comer uma e depois outra e outra ainda até poder dizer “sim, gosto desta, mas a minha preferida é aquela”. Há tâmaras verdes, de vários amarelos, de todos os vermelhos e castanhos. Como há cidades marroquinas de todas as cores. Marraquexe é vermelha. Casablanca, branca. Essaouira azul.

Chefchaouen também é branca e azul, mas fica verde e castanha por causa da montanha. Fez é de todas as cores. Estamos em Marrocos e vamos comer. Na rua, no chão, num restaurante de luxo ao som de música tradicional. Num clube da moda, ao som de dançarinas do ventre que vieram de todos os cantos do mundo. Num mercado, num porto, num jardim.

Aterramos em Marraquexe. Está calor e chove uma chuva quente e húmida. Ao longe, as montanhas do Atlas convidam a espreitar outro Marrocos, o do deserto e dos picos, mas o vento que daqui a umas horas virá daquela direcção vai fazernos preferir ficar, explorar o souq, as ruelas, perder tempo na Praça Jamah el-Fna, Património Oral e Intangível da Humanidade, onde perder tempo é uma arte e o tempo pára para aproveitarmos tudo.

Acordámos cedo, não almoçámos. Chegámos e fomos logo passear. A tarde ainda mal começou e não sabemos por onde começar. Não temos fome, mas o apetite pode estar adormecido, à espera de um estímulo que o desperte. Como as cores e o cheiro de um gelado de canela, na praça de todos os cheiros, sons e movimentos.

Geladaria Argana, na Jamah el-Fna, uma esplanada que deixa ver o buliço de quem passa, mas fi ca afastada o suficiente para se continuar em modo descanso póschegada, a mergulhar devagar.

Gelado de canela

Canela. Veio da Ásia, mas fica bem a Marrocos. Fica tão bem neste gelado de bolas, três, de castanhos desmaiados e sabores quentes.

Canela. Fica tão bem neste gelado na Argana na praça onde vão dar todos os caminhos em Marraquexe, cidade vermelha e quente, como o gosto que a canela deixa, mesmo em gelado. Este gelado é para saborear. Podemos até aproveitar para um café, mas antes é preciso deixar a canela entranhar-se, darlhe tempo. Então, um café. A olhar a gente que passa, a pé, de mota, com e sem capacete, as crianças que vendem lenços de papel ou cobras de brincar, os homens de túnicas compridas e as jovens de leggings e sapatos altos que revelam unhas pintadas, as senhoras mais velhas de sacos de compras e roupas largas e coloridas.

Três bolas de gelado de canela custam 30 dirhams (DR, cerca de 2,5 euros), um café nove. A vista para a praça e para a vida não custa nada. Na Argana também há bolos de mel e de amêndoa. E bolas de gelado sem ser de canela. De pistáchio, por exemplo, brancas e verdes, uma outra experiência, fresca do princípio ao fim. A canela e o pistáchio ficam bem à geladaria Argana, paredes brancas com espelhos, cadeiras confortáveis.

Vamos voltar a outras horas para comer gelado e olhar a praça sempre diferente. Dependendo da hora do dia, está a dar um qualquer espectáculo e já a preparar outro.

Os sons podem ser de música ou de carros a descarregar, até que, ao fim do dia, são de tudo e nasce o som da Jamah el-Fna. Mas agora ainda estamos a meio da tarde e queremos passear pela medina (cidade velha, normalmente dentro de muralhas), pelo souq. Sem destino ou pressa.

Deixamos a praça para trás e as ruas estreitam, com paredes cor de tijolo. Há portas de madeira e portões de ferro. Tentam vendernos malas a imitar marcas e malas de pele, marroquinas, de todas as cores como as cores das tinturarias de Fez. São bonitas, mas não se comem e nós somos de ideias fixas. Esta é uma viagem de um só prazer, que são tantos. Degustar.

Com os olhos, com os ouvidos, com as mãos, com os narizes e com a boca. Se pudermos, com os pés. Degustaremos até não podermos mais. Na zona do souq dedicada à comida, há azeitonas de todas as cores, como as tâmaras. Também há limões em frascos e percebese que serão usados para ajudar a confeccionar algo especial.

Abdel Fatah vende no seu balcão dois pratos de carne já confeccionados: cabeças a vapor, 60 DR (5 euros); e tangiyah, um dos poucos pratos tradicionais de Marraquexe. “É sempre o homem que prepara a tangia. Mesmo em casa”, assegura. A sua tangiyah custa 120 dirhans, nada para o que envolve preparar este prato que aqui está fechado em barro. A carne é coxa de carneiro e há três tipos de gorduras que são chamadas a actuar: azeite, a gordura da carne e uma manteiga especial com cheiro muito forte. Depois, junta-se alho, limão conservado em sal, açafrão e gengibre. Marrocos pela boca é uma experiência todo o terreno, radical.

Mas chegámos há poucas horas e cabeça ou a tangiyah implicam uma estadia um pouco mais prolongada. Encomendamos tangiyah num restaurante da medina para o dia seguinte. Antecipamos um almoço longo.

Chá de menta

Hoje ainda vamos jantar e antes há uma falha a reparar, que já chegámos há demasiadas horas para continuar em branco neste campo. Falta-nos beber um chá de menta. Continuamos pelo souq até à praça do Café das Especiarias, onde no chão se vendem todas as ervas. Cheiramos a menta fresca e tocamos-lhe. Agora, dirigimo-nos ao café de três andares. O primeiro é quase de ambiente snack; o segundo tem sofás confortáveis.

É no terraço do terceiro andar que vamos ficar, com vista para as senhoras vestidas de negro que vendem os molhos de menta e para as outras que vendem cestos de verga. A ver especiarias vamos por fim beber o chá quente de menta fresca, um dos motivos da viagem, afi nal, o chá e a menta, o copo a queimar-nos os dedos, o chá a deixar o corpo revigorado. Marrocos pela boca é chá de menta várias vezes por dia.

É já tempo de voltar à praça, agora sim para a enfrentar. O sol vai pôr-se daqui a menos de uma hora e os melhores terraços estão a ficar cheios para a experiência única de um pôr do sol na Jamah el-Fna. Fazemos a opção pés na terra, pernas para que te quero, esta praça não é para ficar parado a olhar, é para percorrer e sentir.

Tudo o que nela se passa, e é tanto, deve ser experimentado ao longe e ao perto, a várias distâncias, em grande plano e ao fundo, com a gente que passa diante dos músicos, dos actores, dos contadores de histórias, dos encantadores de serpentes, das senhoras que lêem a sina, das meninas que nos querem pintar as mãos e os braços de henna.

A praça muda tanto tantas vezes ao longo de um dia. Agora, a um canto, nasceu um horto, com plantas e ervas e árvores até à venda. De onde veio e como se instalou ali permanecerá um mistério, mas sabemos que não existia horas antes. O mesmo acontece com os restaurantes tipo feira popular, identificados por números e mais ou menos organizados por ementa: há os que têm de tudo, refeições propriamente ditas, com espetadas de frango a 30 DR, salsichas a 20; há os hiper-especializados, que só vendem, por exemplo, sopa de caracóis. Há os de chá e bolos, que também costumam vender harira, a sopa marroquina, comida em todo o país, que leva carne, grão, tomate, lentilhas, arroz, cebola, pode ter ovos, tem sempre açafrão, cominhos e espessuras diversas, mais rica ou menos, mas nunca uma desilusão.

Não é hoje que aqui vamos jantar e ainda temos tempo para deambular pelos contadores de histórias que encantam mais os miúdos do que os adultos. Os músicos atraem uma plateia diversa, maior do que as dos encantadores de serpente - quem diria -, que parecem já ter visto melhores dias. Também há jogos de feira, daqueles para pescar objectos, feitos com latas de Coca-Cola. Chove outra vez, uma chuva miúda que não afasta ninguém mas que a nós nos lembra da hora da reserva que temos para jantar.

Não fica longe o nosso restaurante, mas fica noutro mundo, capaz de pôr à prova todos os sentidos, como este, mas noutro ritmo. Passamos de quinta para segunda e sentimos os motores quase a parar ao entrar no Dar Moha. Dois músicos de gnaoua ajudam o coração a continuar a bater, um toca o baixo árabe, o outro uma espécie de castanholas de metal, as nakkous. Somos conduzidos à esplanada, num pátio com uma piscina com fundo de mosaico e trepadeiras nos muros em redor e luzes amarelas nas paredes que não ferem a vista e deixam ver apenas o suficiente para identificarmos as muitas cores dos pratos que chegarão à nossa mesa.´

Um menu

Aqui, como no resto de Marraquexe e de Marrocos, degusta-se. Aqui é oficial, viemos pelo menu de degustação: 530 DR (47 euros), sem bebidas (não faz mal, um bom vinho tinto marroquino custa mais 13 euros), 14 entradas, uma pastilla, tagine e cuscuz mais sobremesa. Sentem-se com forças? Felizmente temos todo o tempo do mundo e os músicos estão quase a vir para o pátio para nos embalarem.

Recordamos a salada de courgette, as beringelas cozinhadas de todas as formas, os fritos com recheio de queijo, uns espinafres com molho de tomate e umas laranjas com cheiro de rosas. Dos pratos, fi xamo-nos na pastilla de pombo, que não se encontra em todo o lado e é divinal - o chefe nasceu em Marrocos e estudou no Norte da Europa. A pastilla, um tipo de tarte salgada, desfaz a crença de que em Marrocos só se come cuscuz, tagine e espetadas.

Esta leva. canela, açúcar, frutos secos, pombo. É seca sem o ser e agridoce sem que isso seja um problema. É tão boa que só vamos conseguir comer duas fatias de laranja como sobremesa. E isso só porque nos distraímos com os músicos e assim descobrimos espaço para a laranja, antes do chá.

Temos de andar e decidimos, por isso, que é o momento para ir espreitar a nova estação de caminhos-de-ferro de Marraquexe, que pede uma visita nocturna pela imponência e pela iluminação dessa imponência. Exagerada sem perder a elegância, chão de mármore, colunas em forma de palmeiras, vitrais. Prontos para dormir.

Sumo de laranja

Escolhemos o hotel pela localização, não pelo pequeno-almoço. Desta vez, tomamo-lo na rua, que é onde na cidade ele se encontra mais fresco. A Praça Jamah el-Fna está já ali, a quatro minutos, passando pelas carroças e pelos cavalos que dão a volta a uma rotunda à espera dos turistas. Sumo de laranja é o primeiro desejo da manhã, dez DR o copo, em banquinhas onde também se pode beber sumo de toranja. Queremos fazer prolongar o efeito do citrino e vamos resistir aos crepes e ao mel e optar por comer pão, achatado e bem cozido.

Vamos ao mercado, mas agora ao dos frescos, o Mercado Municipal Jamah el-Fna, escondido dos turistas e de quem não o procure. Queremos fruta e legumes e é ali que eles se encontram mais perto da terra, acabados de sair dos carrinhos de mão que os transportaram das carrinhas que os trouxeram das hortas em redor da cidade. Melão, pêssegos, cerejas, alcachofras, pepino, cenoura, cebolas, courgettes. Mesmo que se vá sempre a restaurantes, andar por mercados de frescos é uma boa maneira de antecipar que entradas ou saladas nos vão servir. Em Marrocos cozinham-se os produtos da época.

O almoço encomendado ainda vai demorar o suficiente para deixarmos por um pouco a medina e andarmos até à Menara, jardins com um enorme reservatório de água, de onde num dia limpo se consegue ver o Atlas. Passeamos nos jardins em volta e andamos mais um pouco, até à Koutoubia, o minarete de 70 metros com nome de biblioteca. Tudo isto antes de almoço.

A tangiyah espera por nós a uns dez minutos do souq, na rua, no restaurante que é também riad, casa antiga marroquina adaptada a hotel. O repasto há-de encontrarnos no terraço, onde em cada um dos lados há uma sala com almofadas e sofás onde apetece ficar meio deitado. A tangiyah virá depois das entradas e será o que dela esperávamos: forte, quente, a saber quase demasiado a carne para ser suportável, tenra de gorduras e de limão, saborosa de ervas e do barro que lhe guardou os sabores.

Vamos prolongar por muito tempo a estadia nesta sala de sofás com almofadas (onde, coisa rara, não se pode fumar, estando para isso guardado um dos lados do terraço) em redor de um prato de bolos de maçapão e de um chá que apetece prolongar uma e outra vez. Uma sesta?

Mojitos e dança do ventre

Temos reserva para jantar no Comptoir, uma experiência de Marraquexe moderna. Temos pouca fome e ainda bem: a comida não é má, mas não é certamente o que traz tanta gente bem vestida ao Comptoir, restaurante, bar e clube.

Local para ver e ser visto, o que na noite em questão foi acentuado pela presença de uma equipa de um canal de televisão que gravava um programa sobre as férias do jet set britânico. Marraquexe é destino da moda - mais depois dos filmes que este ano estrearam com a cidade como cenário, incluindo O Sexo e a Cidade 2.

Como não temos fome, aproveitamos para beber. Para isso, sim, o Comptoir pode ser o sítio, pelo menos se estivermos em modo cocktail. Há um jardim com almofadas e uma árvore.

Interrompemos a tranquilidade do jardim para assistir ao momento alto da noite, constituído por dezenas de dançarinas do ventre muito magras, a música tão alta que ninguém consegue fazer ouvirse ou sequer pensar ou perceber o que tem no prato. Então só resta mesmo tentar aproveitar o espectáculo e sorrir para as sorridentes dançarinas, em número suficiente para que todas as mesas fiquem cercadas em simultâneo.

A dança do ventre e os mojitos (90 DR, 8 euros) arrumaram-nos e deitamo-nos cedo porque amanhã a viagem será longa. A estrada não é má mas está em obras em alguns troços. A caminho do Atlântico e de Essaouira há jacarandás. E de repente há cabras em cima dos ramos de árvores selvagens. Pode ter-se visto em fotografias, mas cabras em cima de árvores ao vivo é outra coisa.

Ocupadas com uma técnica só delas, a arte de bem descascar a noz do arganar. Assim, meio trabalho está feito. Apanhamos umas nozes do chão para cheirar e levamos algumas connosco.

Mais à frente, paramos numa cooperativa de mulheres que trabalham o arganar. Detêm-se e cantam para nos receber, depois continuam. A seguir podemos provar os óleos e pastas feitos a partir desta fruta, que na sua versão mais comum ganha cor de chocolate e se chama amlou. Em seguida, espera-se que façamos compras. Afinal, os produtos alimentares e de beleza feitos a partir do arganar justificavam por si só uma viagem. Como não queremos sabonetes nem cremes, compramos uns frascos de amlou com mel e sentamo-nos cá fora, onde há amlou e massa de crepe em pedaços enormes. Deveria ser para provar, acaba por ser para ir comendo. Também há um bule de chá e chávenas para qualquer um se servir depois da visita à cooperativa. Não apetece voltar já à estrada e deixamo-nos ficar.

Essaouira é outro mundo e fica já ali, no fundo da estrada. Antiga Mogador, cidade portuguesa com um forte para o provar, é hoje uma cidade para fazer surf e kitesurf, mas continua a ser, felizmente, uma cidade de pescadores, com porto, doca e mercado. Cruzamos a rua comprida, com mercados de produtos diferentes de um lado e de outro, e só paramos no porto, terraço do restaurante do hotel L’UCIA.

As sardinhas duraram até à tarde e a próxima refeição já será noutro destino.

Harira e pão

No dia seguinte voltamos a partir para Norte e é no caminho que faremos uma paragem para almoçar. Numa terra de uma só estrada, num café sem nada que o distinga de outros noutras terras, uma esplanada, uma senhora com um tacho de sopa, harira, e um homem que acaba de fazer kebabs deliciosas, com salsa e alho e colorau, para comer com a mão, com ou sem pão. Continuamos, passamos a saída de Marraquexe e só paramos em Casablanca, a cidade branca, dos prédios dos anos 1920, com muita gente e muito trânsito e muita vida, onde os marroquinos não gostam de viver e os turistas podem descansar de ser turistas e perder-se entre a multidão.

É tempo de ir tomar um banho e descansar até ao jantar, porque o jantar assim o exige, será de esforço. Do restaurante Ostréa (aberto no Ramadão) adivinhase o movimento na doca. Agora, é tempo de comer: linguado grelhado, mas antes ostras, frescas e encharcadas em limão, mais camarões que nem tinham sido pedidos e salada de polvo à qual não conseguimos resistir. Até é bom descansar entre ostras e mais ostras.

A manhã seguinte está de céu claro e pede uma visita à mesquita Hassan II, imponente sem o ser, pois atrás de si está a marginal e o mar e porque por todo o lado os espaços são ocupados por jovens que lêem ou conversam. Em seguida, decidimos ignorar os “clubes de praia” para os quais é preciso pagar bilhete e as esplanadas com ar de serem caras e escolhemos descer até à praia da cidade. É sexta-feira e parece que todos os adolescentes e jovens de Casablanca se juntaram neste areal.

Não é possível contar quantos jogos de futebol decorrem em simultâneo e resta-nos entregarmonos a um dos grandes prazeres da vida, observar o que se passa em redor sem objectivo. E em redor passa-se tanto. Há grupos de três rapazes e duas raparigas, calções e parte de cima do biquíni, a correr atrás de bolas que saltam de um jogo para outro. Há rapazes que tocam instrumentos e outros que ligaram rádios. Há amigos que se reencontram com grandes abraços. A praia de Casablanca é um mundo dentro da cidade e não temos vontade de tirar os pés da areia.

Prolongamento opcional

Quem quiser, pode deixar-se ficar mais um pouco. Neste caso, saiba que vai dormir a Marraquexe e que a sua viagem gastronómica acaba amanhã, mas propomos aqui um prolongamento opcional. É possível saltar para o final sem prejuízos de maior: não se sente a falta do que nunca se experimentou. Ou seguir para Norte, de volta às carnes e a caminho do campo.

Escolhida a opção prolongamento, a primeira paragem vai ser a imperial capital Rabat. Passamos pelas muralhas do antigo castelo, pelo mausoléu onde está enterrado o pai do rei Mohammed VI, e paramos por momentos a olhar a marina. Agora vamos ao souq, à medina. Vamos comer maracujás que se vendem em carrinhos e passear pelas ruas até ao anoitecer. Também há cabeças de cabra à venda. E rapazes que fritam e vendem fatias de beringela panadas. Para o jantar propriamente dito escolhemos um restaurante barato no cimo do souq, junto à zona onde à noite se vende roupa nova, jeans e camisolas, mas também CD e DVD em lençóis abertos no chão.

O restaurante parece uma cantina, mas esconde umas escadas que levam a uma sala no primeiro andar que esconde dois terraços que não costumam ser usados, mas que, a pedido, podem ser abertos e para lá se podem mudar mesas e cadeiras.

Pedimos harira e mais nada e comemos harira e pedaços de pão escuro cortado em triângulos e fi camos a ouvir vendedores e a olhar a lua. Pagamos quatro DR por sopa e descemos para o caos semi-organizado que avistávamos do terraço.

Comer pouco e dormir cedo faz sentido, tendo em conta a estrada que nos espera no dia seguinte. O caminho é longo mas bonito, especialmente a parte final, que tem rios que têm quase sempre água e campos que podem ter papoilas. Vamos almoçar em Chefchaouen, terra no meio da montanha, com a montanha aos seus pés, onde apetece ficar a respirar ar puro e a descansar das cidades grandes. Paramos no restaurante Darcom, perto da praça principal, para um cuscuz de frango e vegetais. Ainda não tínhamos comido cuscuz e este é delicioso, com um molho que não vai sobrar.

De regresso à estrada, vamos atravessar florestas e campos e chegar a Al-Hoceima, na costa do Mediterrâneo, bem à noitinha. Comemos fruta e pão no caminho e, não tendo fome para jantar, apetece ainda uma cerveja. No centro parece não haver, mas esta é uma cidade de porto e onde há porto há pelo menos um bar.

Descemos até perto dos barcos e a regra é confi rmada: um bar, o único com cerveja, terraço e muitos homens, mas também mulheres.

A tagine

Al-Hoceima é aqui apenas um local confortável para passar uma noite a caminho de um dia longo. O verdadeiro destino deste desvio mediterrânico é a zona de Taounate, vila 90 quilómetros a norte de Fez, no meio das montanhas do Rif, onde vamos parar para almoçar antes de visitarmos a barragem e vaguearmos pelas montanhas a espreitar a vida dos agricultores e aquilo que por aqui eles fazem crescer da terra.

O almoço vai acontecer numa cave, no Restaurante do Lago, o mesmo nome do hotel na porta ao lado. Chegam saladas e pão. Vamos por fim ter uma refeição inteiramente dedicada à tagine, prato que se cozinha numa panela de barro com o mesmo nome e tampa cónica. Chega a tagine de borrego e pequenas ervilhas e não conseguimos parar de comer. Surpreendem-nos com uma segunda, que começamos por pensar ser de frango e já nos arrependemos do pão com o molho do borrego. É coelho e desfaz-se na boca, como antes o borrego.

A tarde vai passar-se de carro, entre propriedades agrícolas: há quem cultive vinha e provam-se uvas; há quem se dedique à meloa e traz-se meloa. Há campos de menta fresca e de salsa e de coentros e agricultores pouco habituados a visitas que nos querem oferecer as suas ervas de cheiros puros.

Cansados de conduzir, paramos junto a uma propriedade de onde se avistam uvas e perguntamos se podemos ficar e lanchar. Pés na erva molhada do sistema de irrigação das videiras, trazem-nos mel e ovos cozidos, pão, crepes, azeitonas, fruta. Queremos ficar aqui para sempre.

Mas não há aeroportos nas imediações e por isso vamos dormir a Rabat, onde desta vez chegamos sem conseguir sequer pensar em comida. Terminado o prolongamento, o fim é comum e chama-se Marraquexe. De regresso, só queremos fi car na Jamah el-Fna com o tempo parado para a viagem não ter de chegar ao fi m. Jantamos aqui, por fim: harira, que parece saber melhor por ser comida com umas compridas colheres de pau, uma espécie de conchas individuais, acompanhada de chá e seguida de bolos de amêndoa que se chamam cornes de gazelle.

Ao nosso lado, comem mulheres marroquinas de várias idades. Já é noite e temos bilhete de avião para a manhã seguinte, mas podíamos começar tudo de novo.

A Fugas viajou a convite da TAP e do Turismo de Marrocos

O que fazer

Para além de comer, sugerimos compras de comida nos souqs: especiarias e tâmaras, por exemplo, podem trazer-se facilmente, o mesmo acontecendo com os bolos.

Passear nas cidades e espreitar as mesquitas e os jardins de Marraquexe e Rabat. Passar uma tarde de sexta-feira na praia de Casablanca. Fazer um percurso a pé pelos edifícios dos anos 1920 em Casablanca. Ir a um hammam (banho turco) também é uma forma de conhecer as cidades, especialmente se a sorte ditar que se apanha uma tarde de fim-desemana, com muitos utilizadores locais; mais do que um banho, um hammam popular é uma forma de passar o tempo. Fazer um curso de cozinha, oferecido por vários hotéis ou pelo Souk Cuisine (http://www.soukcuisine.com/, em Marraquexe), é a forma ideal de completar a experiência gastronómica; alguns cursos começam no mercado, às compras com o cozinheiro, e o fim acontece naturalmente em redor da refeição que se aprendeu a confeccionar.

Como ir

A TAP voa desde o Verão de Lisboa para Marraquexe (à volta de 230 euros). Não é preciso visto.

Onde dormir

Todas as cidades grandes e médias de Marrocos têm hotéis para todos os bolsos, desde uma noite dormida num terraço por menos de um euro a quartos de luxo em hotéis de cinco estrelas, que são cada vez mais em cidades como Marraquexe. Entre uma experiência e outra, há riads confortáveis a preços variados. Por isso, o primeiro passo é decidir que tipo de estadia se pretende ter.

Onde dormir: EM DESTAQUE
Mazagan Beach Resort: Um resort familiar para amantes de golfe
Não é Marrocos nem deixa de ser, mas não deixa de ser um destino apetecível, mesmo muito, dependendo do que se procura. Chama-se Mazagan Beach Resort e fica nas imediações da cidade de Mazagão, nome português da actual El Jadida, a sudoeste de Casablanca. Para uma família com crianças, alguém que goste de golfe e outra pessoa que queria nadar numa praia quase deserta, este até pode ser o destino perfeito.

O Mazagan Beach Resort tem uma praia privativa de sete quilómetros e um court de ténis plantado nas dunas ao longo do mar, em respeito absoluto pelo ambiente, garantem-nos. O edifício, construído em 22 meses por quatro mil trabalhadores, é em forma de riad, o nome das casas tradicionais marroquinas que se espalham em redor de um centro de água. Aqui, o centro é a piscina.

Entre a piscina e a praia, há espaços dedicados aos mais pequenos, onde monitores podem receber crianças de todas as idades ou organizar matinés dançantes para adolescentes que não se entretenham só com jogos de vídeo. Ou seja, as crianças podem ser para cá trazidas a diversas horas, se os pais também quiserem descansar delas. A praia atlântica é muito bonita e mesmo quem nunca pegou num taco de golfe pode imaginar-se neste green a olhar o mar entre buracos.

O Mazagan Beach Resort não peca por falta de opções na altura de comer, do self-service junto aos jardins e à piscina, ao Market Place, onde cozinham diante de nós pratos de todo o mundo, passando pelo restaurante marroquino, algo luxuoso sem ser piroso, com vitrais, candeeiros de cobre e outros de pêlo de cordeiro, lanternas e cortinas.

Se alguém estiver a morrer por umas compras, a palavra de ordem é mesmo luxo, da Versace aos diamantes sul-africanos. Há naturalmente uma discoteca onde actuam DJ internacionais e centros de congresso com soluções inovadoras, onde podem sentarse 1300 pessoas. Mas o melhor do Mazagan são os quartos, para quem os possa pagar, bem entendido. A suite real é esmagadora, com os seus tectos altíssimos, mosaicos, madeiras castanhas, espelhos que ocupam paredes e portas que parecem pesar toneladas. Custa entre 6000 e 9000 euros por noite e tem uma vista incomparável, do quinto andar. Preferimos a suite embaixador, com 186 metros quadrados e banheira com vista para a lagoa e para o mar. Custa uns módicos 1200 euros. Aqui também se paga pela segurança: há mais de 900 câmaras e vêem-se quatro a cinco seguranças em cada andar.

Quando o dolce fare niente em versão luxo tiver cansado, sugerese uma pequena viagem a El Jadida, que a UNESCO considerou Património da Humanidade em 2004, descrevendo a cidade como um "exemplo extraordinário de intercâmbio de influências entre as culturas europeia e marroquina". Há uma cisterna e uma igreja manuelina que merecem uma visita.

A FUGAS viajou a convite da TAP e Turismo de Marrocos

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