Fugas - Viagens

Kimimasa Mayama/Reuters

Desconcerto em Tóquio, harmonia em Kamakura

Por Catarina Gomes

Na capital japonesa, folheámos livros manga e cruzámo-nos com personagens saídas das suas páginas. Passeámos por uma praia de faz-de-conta e por jardins imperiais. E, entre uma espiadela ao monte Fuji e pratos vários da cozinha japonesa, também fomos tentar saber o nosso destino numa cidadezinha à beira-mar...

E se à saída da estação de metro de Akihabara desse de caras com um grupo de esbeltas raparigas vestidas de criadas tradicionais europeias? Como descodificaria a mini-saia preta, o avental branco de rendas em forma de semi-lua, a blusa preta de mangas em balão e a bandolete de renda branca? Fique a saber que se trata de raparigas vestidas como um dos tipos de personagem de banda desenhada japonesa (manga). Estão a distribuir panfletos tentando convencer clientes, por norma homens, até a um dos muitos cafés mais próximos onde a atracção é poderem ser servidos por uma destas criadinhas de servir; também existe a versão cabeleireiro.

A meca de todos as parafernálias electrónicas em Tóquio fica em Akihabara (também conhecida como cidade electrónica) e aqui se junta o mundo a perder de vista do material tecnológico made in Japan ao universo omnipresente do manga e dos anime (desenhos animados nipónicos). No mesmo edifício pode encontrar electrodomésticos no rés-do-chão e na cave banda desenhada para adultos. O local é considerado a sede da cultura otaku, que se traduz por uma fixação pelo universo manga.

Quem não quer comprar mas apenas ler ou ver manga aqui encontra os chamados ‘manga cafés'. Trata-se de locais que casaram o acesso à Internet com um local para recatadamente folhear manga. Muitos não se vêem à vista desarmada, é preciso procurá-los, são sítios discretos para um prazer que se usufrui em sossego.

À entrada de um destes cafés, sítio encafuado pejado de estantes de aspecto barato onde se acumulam centenas de volumes, pedem-lhe a identificação, diz quanto tempo quer fica, pode comprar um balde de massa chinesa instantânea e instalar-se em cadeiras reclináveis juntas ao chão, separado dos seus vizinhos por divisórias. Os olhares oscilam entre o computador e as páginas do livro na mão, ao lado estão empilhados um molho de três ou quatro livros, os auscultadores estão nos ouvidos, reina o silêncio.

A publicidade japonesa também tornou o mundo dos desenhos animados omnipresente nos anúncios que coloram a metrópole, por mais que os seus destinatários sejam adultos e o assunto de que se fala seja de seriedade. Mesmo tratando-se de um anúncio a um banco podem serem usados desenhos animados, como um super-yen com uma capa e um capacete; a melhor solução financeira pode ter como ilustração de público-alvo uma família de ursos.

Um mundo que parece infantilizado pode também encontrá-lo percorrendo a larga avenida Omote-Sando, preenchida de elegantes lojas e cafés. Aqui tanto se pode cruzar com mulheres que se vestem de soquetes pelo joelho e sapatos vermelhos de salto alto, cultivando um ar de eternas Lolitas, outras que se cobrem e abrigam do Sol e do indesejável bronzeado com sombrinhas de pano, adolescentes de ganchos coloridos no cabelo e hordas de crianças de escola que vestem uniforme estilo inglês de estampado às riscas; no meio desta multidão surge a ocasional mulher de meia-idade vestindo kimono.

No mundo do faz-de-conta da cidade, Tóquio quis fazer uma praia, onde se pode chegar através de um futurístico mono-rail sem condutor. Na baía de Odaiba foi criado um areal com vista para os arranha-céus acabados, ou em vias disso. Ali perto há parques de diversões para todos os gostos, a praia artificial é apenas mais uma oportunidade de lazer. Dali se percebe que a cidade continua a espraiar-se. Vê-se que é local de gente abonada, tanto que pode encontrar no passeio à beira da praia um casal de ar embevecido a passear o seu canino num carrinho de bebé próprio para cães. Ali mesmo ao pé pode abastecer-se numa loja onde se vendem toilletes duplas, uma delas inclui t-shirts com dizeres a brilhantes, para pôr os donos a condizerem com os cães.

Esta é a Tóquio que se pode ver, depois há a Tóquio invisível. O centro da cidade não coincide, como acontece com cidades ocidentais, com o centro de comércio ou as zonas de negócios e serviços. O centro da cidade é o Palácio Imperial, local onde só uma parte dos jardins é visitável. O edifício em si apenas abre as portas a 2 de Janeiro e 23 de Dezembro (aniversário do imperador).

Como diz Roland Barthes no seu livro sobre o Japão, o Império dos Signos, Tóquio tem um centro oco onde a vegetação esconde um imperador e sua família. A urbe está organizada em torno de um local que é inacessível ao habitante e visitante.

Se preferir relaxar em jardins não tão reais, porque não apanhar o barco em Asakusa e fazer um percurso ao longo do rio Sumida? Passa por debaixo de muitas das modernas pontes da cidade. Nas margens vê o lado menos abonado de Tóquio com tendas de sem-abrigo, de roupa lavada estendida à entrada, bicicletas, e a manifestação pública do hábito doméstico japonês de deixar os sapatos à porta de "casa".

Escolha sair do barco nos jardins Hamarikyu. Aqui não ouve o trânsito, os arranha-céus parecem longe. Como em tantos jardins japoneses prima a simplicidade, não há bustos decorativos, nem estátuas e fontanários com repuxos. Há relvados ondulados com pinheiros elegantes de pernadas rebeldes e retorcidas carinhosamente envoltas em panos e amparadas por paus, há caminhos de seixos cinzentos lisos e pequenos lagos com uma casa de chá de madeira. Ali pode acalmar sabendo que um caminho de poucos minutos o pode levar de regresso à outra Tóquio.


E o Monte Fuji ali tão perto

Diz quem lá vive que há dias muitos raros em Tóquio em que a vista alcança o Monte Fuji, apesar de ficar a cerca de 100 quilómetros de distância. Se quiser a experiência ao vivo basta-lhe uma viagem de comboio e mais uma de autocarro. Chegado ao lago Yamakako, não deixe que os pirosos barcos para turistas em forma de cisnes de tiara na cabeça (perceberam? Lago dos Cisnes...) ou então os barcos de piratas o distraiam. Ignore-os. Assente os pés no areal preto de áreas vulcânicas que faz lembrar as praias açorianas e aprecie (se tudo correr bem) o enorme cone do Fuji, que terá ou não restos das últimas neves.

Se não for dos que o preferir escalá-lo, a área dos cinco lagos (Go-ko) permite-lhe várias vistas ao muito fotografado gigante que dá nome à marca de material fotográfico. O maior monte do Japão (tem 3776 metros) teve a sua última erupção em 1707, altura em que as ruas de Tóquio se cobriram de cinzas.


Entre templos budistas e xintoístas: Kamakura


"Doença: vai ficar melhor a longo prazo. Se mudar de médico vai melhorar; Prazer: razoável; Amor: Favorável; A pessoa por quem espera: virá atrasada; Discussões: vai ganhar; Vendas/compras: favorável; Vida e Morte: vai estar vivo". Tudo parece correr bem quando num dos santuários xintoístas de Kamakura compra um papelinho da fortuna e este é o cenário que lhe é traçado.

O ritual pode repetir-se em vários santuários da pequena cidade que fica apenas a uma hora de comboio de Tóquio. Desembolsa um pequeno valor, calha-lhe um número que corresponde a um papelinho tirado da gaveta de madeira correspondente. Os que não tiveram tanta sorte como o FUGAS têm a possibilidade de pendurar os mal-afortunados papelinhos numa espécie de estendais de arame que ficam sujeitos às intempéries, à espera que a sorte mude.

Outra opção espiritual disponível nestes locais, talvez mais proactiva, passa por comprar uma pequena tábua de madeira (conhecida como ema) onde escreve o seu desejo, o que tem o inconveniente de o deixar exposto a olhares indiscretos.

"Quero uma namorada", foi o pedido expresso de um lusófono que por ali passou; em inglês lê-se "Que o pai da Yuko tenha uma vida longa e feliz".

Kamakura é exemplo da mistura religiosa entre o budismo e o xintoísmo que marca a prática espiritual de muitos japoneses. Nesta localidade são mais de 40 os templos budistas e cerca de dez os santuários xintoístas. Embora aqui prevaleça o budismo, muitos japoneses praticam rituais de ambas as religiões os casamentos são muitas vezes xintoístas e os funerais budistas.

No budismo presenciamos a influência chinesa (a religião entrou no Japão no século VI), o xintoísmo é considerado a religião indígena. A mistura das duas culturas também é visível no alfabeto que mistura o hiragana (alfabeto fonético japonês) e os caracteres chineses (kanji) .

Apesar de ser uma cidade com turismo, Kamakura serve como contraste ao bulício de Tóquio. Um comboio directo deixa-o numa espécie de mini-Kyoto, mesmo à mão de semear. Capital do Japão entre 1180 e 1333, é hoje uma pacata povoação costeira abrigada entre montes verdes. O que torna este passeio aprazível é o facto de quase não ser preciso andar de transportes (contrariamente a Tóquio) e a exploração poder fazer-se a pé.

Mesmo que seja apenas uma pequena escapadela de um dia há pelo menos dois templos imperdíveis. Subir até ao cimo Hasedera leva-o a uma construção religiosa que aproveitou as montanhas e as incorporou na sua arquitectura. São diferentes socalcos com variadas formas de adoração a Buda, desde as filas de mini-budas cinzentos com inscrições nas costas aos altares onde foram deixados brinquedos de peluche de desenhos animados japoneses como oferendas-sim, também aqui! No topo tem uma belíssima vista dos areais de areia negra vulcânica de Kamakura, que condizem com os telhados do mesmo tom. Neste dia de mar revolto o ocasional surfista tenta a sua sorte.

Outra visita que vale a pena, e que é um símbolo de Kamakura, é o templo onde um gigante Buda de bronze se impõe (Daibutsu). Construído no século XII, a estátua de 13 metros e 121 toneladas assistiu ao templo que então o circundava ser levado por um maremoto no século XVI. Resistiu e já neste século decidiram fazer-lhe adaptações para o tornar à prova de terramotos.


Um mundo para além do sushi e do sashimi

Sushi e sashimi. Mesmo o menos conhecedor de cozinha japonesa associará à primeira palavra rolinhos de arroz com diferentes recheios e à segunda fatias de peixe cru. Os dois somados são para muitos sinónimo de cozinha japonesa. Numa visita ao Japão a lista do vocabulário gastronómico pode sofrer grandes acrescentos yakitori, okonomiyaki, shabu-shabu são apenas três exemplos.

A importância da cozinha no Japão é visível num rápido zapping pelos canais de televisão, há programas gastronómicos a toda a hora. Nos restaurantes, por muito variados que sejam, há algo que é altamente valorizado: a passagem do cru ao cozinhado é um percurso a que se pode assistir e que pretende atestar a frescura inicial dos alimentos.

Senão vejamos o shabu-shabu. O prato é de carne. À frente do comensal é colocado um pote de água a ferver sobre um pequeno fogão, chega uma travessa de fatias de carne de vaca, quase translúcidas, suficientemente finas para serem cortadas com pauzinhos, fatias de couve, vários tipos de cogumelos, tofu e muitos outros vegetais. Funciona como um fondue cozido com dois molhos, um de sésamo e o tradicional de soja, a que se podem juntar pedacinhos de funcho e molho de rabanete picante a gosto. No final, a água da cozedura ainda é aproveitada para um saboroso caldo que se temperou com sal e pimento e que é bebido.

O Yakitori consta de pequenos acepipes feitos no churrasco e servidos em forma de mini-espetadas. A variedade é grande e pode ir desde o ovo de codorniz, ao pimento recheado com carne, aos tentáculos de polvo, ao espargo com bacon e ao cogumelo envolvido em carne de porco. É boa ideia sentar-se ao balcão: assiste-se à preparação e torna-se mais fácil a escolha, basta apontar.

No Okonomiyaki, que significa ‘cozinhe o que quiser', o cliente senta-se em torno de uma enorme placa de eléctrica (alguns restaurantes japoneses em Portugal têm a modalidade) onde é frita uma amálgama de ingredientes, que juntam ovos, farinha, água, couve em pedaços e outros, como a carne e gambas, formando o produto uma espécie de panqueca.

O assunto da cozinha japonesa é tão variado que até o famoso semiólogo francês Roland Barthes decidiu dedicar-lhe um ensaio no seu livro sobre o Japão, Império dos Signos. Na sua opinião, os pratos japoneses são como paletas de alimentos à escolha, em que, contrariamente à cozinha ocidental, não existe sequência de ingestão nem uma hierarquia em que se começa no aperitivo, se avança para o primeiro prato, segundo prato e sobremesa. Tudo pode ser comido pela ordem que se desejar. É aliás normal que os restaurantes não tenham sobremesa; as casas de vistosos doces, onde o chá verde é presença constante, estão por todo o lado.

Barthes nota também que, enquanto a comida ocidental exige a faca e o garfo que de "forma predadora" cortam aquilo que vai ser ingerido, os pauzinhos orientais pressupõem um delicado fraccionamento da comida apresentada em porções "infinitesimais". Até o arroz japonês, mais pegajoso do que o chinês, é separável em porções que se comem com elegância. Diz Barthes que na cozinha oriental os pauzinhos funcionam como uma extensão das mãos que vão depenicando uma selecção de fracções de comida que pode ser ingerida a seu bel-prazer.

Como ir
Não há voos directos para o Japão e as opções de ligação para o aeroporto de Narita (Tóquio) podem ser várias dependendo das companhias. Muito depende da época do ano em que decida viajar, mas a viagem nunca deverá custar-lhe menos de 900/1000 euros (com taxas incluídas).

Quando ir
A melhor altura para visitar o Japão é na Primavera, de Março a Maio, ou no Outono, entre Setembro e Novembro, períodos do ano em o tempo é mais estável. Se optar pelo primeiro período evite aquela que é conhecida como a semana dourada (de 29 de Abril a 7 de Maio), período de pico de turismo doméstico por ser a altura em que muitos japoneses aproveitam para tirar férias.

Como se deslocar no Japão
Há uma compra que lhe pode poupar algum dinheiro e facilitar-lhe as deslocações dentro do país. O Japan Rail Pass só pode ser comprado fora do Japão, em Portugal apenas é vendido pela agência de viagens Frontia, em Lisboa (213528945) e custa entre 193 euros (sete dias), 14 dias (295 euros) ou 21 dias (372 euros), em classe económica. Quando chegar ao Japão tem que trocar o voucher que recebeu na agência pelo passe que mostra em todas as estações ferroviárias. Só há um senão, só pode andar nos shinkansen (comboios-bala) das duas velocidades mais lentas, que mesmo assim são muito rápidas, os kodoma e hikari. Ficam de fora os super-rápidos nosomi. Esteja atento aos cais de embarque nas estações.

Onde dormir
Tóquio tem fama de ser uma das mais caras cidades no mundo, mas é possível dormir por preços bastante acessíveis. Tudo depende do que pretende. Se estiver disposto a fazer algumas cedências no conforto, consegue acomodações por preços aceitáveis. Numa pousada da juventude (não tem que ser estudante nem jovem) pode conseguir dormir por 30 euros por pessoa, se quiser ousar um hotel cápsula (onde o quarto consta de um cubículo com televisão onde apenas se consegue estar deitado) a apertada noite pode andar pelo mesmo preço. Um hotel médio em quarto duplo pode andar pelos 70 euros e um individual pelos 45 euros. Tenha em conta que muitos alojamentos fazem a distinção entre quartos de tipo ocidental (com camas) e de estilo japonês; no último caso dorme-se em colchões dobrados que à noite se entendem em chãos de tatami. Os ryokan são alojamentos tipicamente japoneses que oferecem esta modalidade. Existem alguns em Tóquio que podem andar pelos 30 euros (individuais) e 70 euros (duplos). Em Kamakura as opções são menos, mas os preços andam mais ou menos pelos mesmos valores.

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