Fugas - Viagens

  • Uma freira cristã ortodoxa caminha por uma rua que leva ao Santo Sepulcro. Em primeiro plano, imagem de Jesus vista numa loja de souvenirs
    Uma freira cristã ortodoxa caminha por uma rua que leva ao Santo Sepulcro. Em primeiro plano, imagem de Jesus vista numa loja de souvenirs Yannis Behrakis/Reuters
  • Santo Sepulcro
    Santo Sepulcro Nir Elias/Reuters
  • Jerusalém, Santo Sepulcro
    Jerusalém, Santo Sepulcro Nuno Ferreira Santos
  • Jerusalém, Via Sacra
    Jerusalém, Via Sacra Nuno Ferreira Santos
  • Jerusalém, Via Sacra
    Jerusalém, Via Sacra Nuno Ferreira Santos
  • Jerusalém, Via Sacra, junto ao Santo Sepulcro
    Jerusalém, Via Sacra, junto ao Santo Sepulcro Nuno Ferreira Santos
  • Junto ao Muro das Lamentações
    Junto ao Muro das Lamentações Nuno Ferreira Santos
  • Junto ao Muro das Lamentações
    Junto ao Muro das Lamentações Nuno Ferreira Santos
  • Nazaré
    Nazaré Nuno Ferreira Santos
  • Igreja da Natividade, Belém
    Igreja da Natividade, Belém Nir Elias/Reuters
  • Igreja da Natividade, Belém
    Igreja da Natividade, Belém Nuno Ferreira Santos
  • Uma noiva a entrar na Igreja da Natividade, Belém
    Uma noiva a entrar na Igreja da Natividade, Belém Nir Elias/Reuters
  • Galileia, baptismos no rio Jordão
    Galileia, baptismos no rio Jordão Nuno Ferreira Santos
  • Galileia, baptismos no rio Jordão
    Galileia, baptismos no rio Jordão Nuno Ferreira Santos
  • Muro em Belém que divide os territórios de palestinianos e judeus
    Muro em Belém que divide os territórios de palestinianos e judeus Nuno Ferreira Santos
  • Nir Elias/Reuters

Israel, Terra Santa ou Jesus Cristo superstar?

Por Ana Gerschenfeld

Tudo aqui é confuso e dividido. Confuso porque os factos e a tradição se misturam há quase dois mil anos, criando uma história de sobreposições e encenações. Dividido porque, para além das lutas entre as diferentes fés religiosas, para além dos muros erigidos entre Israel e os territórios da Autoridade Palestiniana, existe também uma luta entre as várias igrejas cristãs pela partilha dos espaços sagrados. Bem-vindos à Terra Santa.

...Aguarda-se na fila, entra-se num pequeno espaço, dizem-nos que a segunda divisão, a do fundo, é o túmulo onde Jesus terá jazido aqueles três dias, antes da sua Ressurreição; volta-se a sair para dar lugar aos turistas seguintes... 


O Sr. Nuseibeh é um homem extraordinariamente importante. E sabe-o. Membro de uma das mais antigas famílias muçulmanas de Jerusalém, é ele quem, todas as manhãs, abre as portas da Igreja do Santo Sepulcro (e quem as fecha à noite). Não fosse ele trazer a chave, os representantes das igrejas cristãs que tomam conta do monumento sagrado - Ortodoxa Grega, Apostólica Arménia e Católica - e de várias outras confissões cristãs que partilham este recinto não conseguiriam entrar no local preciso onde, rezam os Evangelhos, Jesus terá sido crucificado e sepultado.

"Há sete séculos que a minha família abre esta porta", diz-nos o Sr. Nuseibeh com uma calma satisfação. A esta hora matinal, este homem já na terceira idade está sentado num banco, à entrada da igreja, a ler o jornal, levantando-se de vez em quando para cumprimentar ou ser cumprimentado por quem entra e sai. "Abrimo-la todos os dias desde Saladino", acrescenta. Ou seja, desde que, em 1192, o célebre sultão da Síria e do Egipto reconquistou Jerusalém aos Cruzados.

Ironia da História? Talvez. Mas não é a única nesta cidade nem nesta região, cenários milenares de confrontos sangrentos entre as três grandes religiões do Livro - cristã, judaica, muçulmana - e de encenação constante, pelas igrejas cristãs, dos últimos 2000 anos de tradição religiosa.

De facto, quem visita a Palestina defronta-se imediatamente com um pequeno (grande) problema. Como desemaranhar a "tradição da fé" da verdade histórica? Claro que existem diversas maneiras de o resolver. Os peregrinos cristãos, por exemplo, não aparentam quaisquer dúvidas - é essa, afinal de contas, a essência da sua fé. Para quem acredita no Novo Testamento, Jesus nasceu aqui, cresceu acolá, foi baptizado naquele local, viveu noutro, pregou ali, fez milagres um pouco mais além, organizou a Última Ceia ali, foi preso exactamente naquele sítio pelos soldados romanos, foi crucificado nesta rocha e sepultado um pouco mais longe. O seu túmulo, o Santo Sepulcro, está vazio porque Jesus ressuscitou. A fé dos peregrinos mais devotos é tangível: tocam tudo, beijam tudo, acendem velas, prosternam-se, rezam com fervor. Para eles, a experiência mística pode ser verdadeira, total, essencial.

Mas para quem observa estes rituais com menos devoção (com menos fanatismo?), o efeito pode revelar-se totalmente diferente. E para os europeus, crentes ou não, habituados como estão a visitar os maravilhosos lugares de culto do Velho Continente - com as suas extraordinárias catedrais, igrejas, ruínas e obras de arte, com os sinais da sua idade, muitas delas impecavelmente restauradas -, a Terra Santa pode ser uma desilusão. Aqui, aos templos e capelas antigas sobrepõem-se quase sempre construções recentes, muitas vezes dos séculos XIX ou XX, que parecem ter sido concebidas sem qualquer preocupação estética, só para assinalar, da forma mais berrante possível, que algo sagrado terá acontecido ali. Uma encenação perpetuada ao longo dos séculos pelas diversas igrejas cristãs.


Os lugares de Jesus

Mas comecemos pelo início, tentando acompanhar algumas das etapas consideradas pelos Evangelhos como cruciais na vida de Jesus, das quais a Igreja do Santo Sepulcro foi justamente a derradeira. Não foi essa a ordem da visita que fizemos ao longo de quatro dias, marcada pelas conveniências da geografia, mas é a mais coerente.

Portanto, partamos em direcção a Belém, o local que, conforme a tradição religiosa, viu nascer Jesus. Situada a uns quilómetros a sul de Jerusalém, Belém encontra-se hoje cercada pelo muro de betão que separa Israel da Cisjordânia. Os cidadãos de Israel não atravessam para o outro lado do checkpoint "por razões de segurança", diz-nos o guia israelita do grupo em que nos encontramos. E como os guias turísticos israelitas também não têm o direito de exercer a sua profissão nos territórios sob autoridade palestiniana, ficamos entregues, por umas horas, a uma jovem guia palestiniana católica.

Pelo seu lado, explica-nos a guia, os palestinianos só podem entrar em Jerusalém em certas alturas festivas - e se quiserem viajar para o estrangeiro, têm de o fazer via Jericó e Jordânia.

O ex-líbris de Belém é a Igreja da Natividade, um dos mais antigos locais de culto cristão do mundo. A sua fachada do século VI é bela e imponente, apesar de ter sido repetidas vezes remendada e ampliada posteriormente. Entra-se pela Porta da Humildade, de dimensões deliberadamente reduzidas para obrigar os visitantes a baixar a cabeça em sinal de respeito. Os diversos espaços interiores são administrados pelas igrejas Católica Romana, Ortodoxa Grega e Apostólica Arménia, sendo que igreja grega ficou com a maior fatia do "bolo".

O ponto de maior interesse espiritual, aqui, é o local considerado tradicionalmente como o sítio exacto onde Maria deu à luz Jesus. Localizado na Gruta da Natividade, debaixo da igreja, é assinalado no chão por uma estrela de prata de 14 pontas. No fundo da gruta, pode ver-se a manjedoura onde Maria terá deitado o seu filho recém-nascido.

Continuando um percurso mais ou menos cronológico, temos de voltar a atravessar a fronteira, regressando a Israel e seguindo em direcção a Nazaré, na Galileia, novamente em companhia do nosso guia israelita. Este é o sítio onde a tradição reza que o jovem Jesus cresceu - mas os historiadores pensam que ele também terá cá nascido (e não em Belém). Fica a uns cem quilómetros a norte de Jerusalém, já perto do Mar da Galileia.

A cidade actual de Nazaré é um misto desagradável de Feira da Ladra e Disneylândia. A rua por onde caminhamos tem um sem-fim de lojas e mais lojas que vendem objectos religiosos de todo o tipo e feitio, agências de câmbio (embora todos os comerciantes aceitem euros), um caos de carros mal estacionados, enormes autocarros que param uns instantes para cuspirem centenas de turistas.


Em cada sítio uma igreja...

Primeira escala na Basílica da Anunciação, onde a tradição diz que Maria recebeu a visita do arcanjo Gabriel (era aqui que ela vivia antes de engravidar) - e onde mais uma gruta assinala o local tradicionalmente associado a esse evento místico. À volta da gruta foi construída uma primeira capela no século IV. Vieram a seguir uma igreja bizantina, destruída pelos muçulmanos uns séculos depois, uma igreja do tempo das Cruzadas, também destruída (mas da qual resta um belo muro, do século XII) e uma igreja no século XVIII que seria demolida para erigir no seu lugar o desinteressante edifício que se visita hoje (acabado de construir em 1969).

Ao pé da basílica foi escavado um pequeno conjunto de ruínas de uma aldeola contemporânea de Jesus. Infelizmente, uma gigantesca cobertura de betão torna o local triste e cinzento, oprimente. Felizmente está sol (e calor), um tempo inusitadamente estival nestes últimos dias de Novembro.

Também em Nazaré encontra-se a Carpintaria de São José, uma igreja construída em 1914 em torno daquilo que, segundo a tradição, terá sido a oficina do pai adoptivo de Jesus. Aí, é possível ver uma gruta que, no início da era cristã, era provavelmente utilizada para armazenar sementes.

Antes de mais: o Mar da Galileia é na realidade um grande lago de água doce, também conhecido como Lago Tiberíades ou Lago de Gennesaret. É alimentado pelo rio Jordão, que depois de o atravessar de norte a sul continua o seu percurso até ao Mar Morto, a sudeste de Jerusalém. Um pouco mais a norte desta massa de água surgem os montes Golan - ali mesmo ao pé, a fronteira com a Síria. A dada altura do nosso percurso em redor do lago, uma placa indica a direcção de Migdal, a aldeia considerada como o local do nascimento de Maria Madalena.


... ou uma sinagoga

O rio Jordão é mais um sítio de intensa peregrinação por ser considerado o local do baptismo de Jesus por São João Baptista. Aqui, a encenação religiosa atinge o auge. Isso não quer dizer que os peregrinos que entram nas águas gélidas do rio (já é de noite quando lá chegamos, porque nesta altura do ano o Sol põe-se por volta das cinco da tarde) não estejam a viver uma experiência espiritual muito profunda. Mas aqui o ritual adquire, para quem o observa friamente de fora, um ar de autêntico carnaval.

Vestidos de túnicas brancas adquiridas no local e enfiadas por cima do fato de banho, dezenas de homens e mulheres mergulham no rio, rezando e fazendo o sinal da cruz. Quem se baptiza aqui? Sobretudo fiéis de seitas protestantes e de movimentos de renovação carismática da América Latina, responde o guia. No fim, os fiéis podem encher com água colhida no rio uma garrafinha devidamente rotulada, para levar e mostrar aos amigos (e baptizá-los, quem sabe?)

Poucas horas antes de assistirmos a este singular espectáculo, tínhamos passado pela cidade de Cafarnaum, situada mesmo na margem noroeste do Mar da Galileia a uns 30 quilómetros a norte de Nazaré. Já adulto, Jesus viveu e pregou nestas paragens - e terá proferido o seu Sermão da Montanha no Monte das Bem-aventuranças, mesmo ao lado.

Foi na aldeia de pescadores de Cafarnaum que Jesus terá vivido os três últimos anos da sua vida. "Este era o seu quartel-general", explica o guia. O mais notável são as ruínas que aqui se encontram de duas sinagogas sobrepostas - a de cima, do século IV (época bizantina); a de baixo, da época de Jesus. A sinagoga de cima foi construída com pedra calcária loira e subsistem dela, a céu aberto, uma série de belas colunas e duas salas. A sinagoga de baixo, da qual só se vê o muro exterior, é feita de basalto - tal como as vizinhas ruínas da aldeia de Cafarnaum contemporânea de Jesus. 

Pela primeira vez, sentimos que não há aqui encenação desenfreada: se de facto Jesus cá viveu com os seus discípulos, é na sinagoga inferior, a de pedra preta, que terá orado - e na aldeia hoje em ruínas que terá vivido. Aqui torna-se possível imaginar a vida quotidiana naqueles tempos... desde que não olhemos em direcção à igreja octogonal, de cimento, construída nos anos 1930 para comemorar o suposto local da casa de São Pedro. Construída sobre pilares por cima da ruína em causa, de forma octogonal, parece uma nave espacial que aterrou nesta paisagem por engano. Mais uma ocasião falhada de deixar tudo como o encontraram...


Regresso à Judeia

E agora, o último acto. Uma semana antes da celebração da Páscoa judaica, Jesus viajou para Jerusalém com os seus discípulos, vindo de Cafarnaum. Como não tinha onde ficar, dormia ao relento do outro lado do Vale de Cédron, no Monte das Oliveiras. 

Quando foi pregar ao templo de Jerusalém (o chamado Segundo Templo, que seria destruído no ano 70 e do qual resta pouco mais do que o Muro das Lamentações), causou grande desagrado entre os sacerdotes. O que se seguiu tornou-se um dos mais dramáticos e venerados relatos da História.

Uns dias após a sua chegada, Jesus e os seus discípulos celebram a Última Ceia - que não é senão a ceia da Páscoa judaica - e Jesus anuncia que um dos presentes o irá trair. Desde a Idade Média que os Cruzados localizam o Cenáculo (o local dessa refeição pascal) numa das salas de uma casa do bairro aristocrático da antiga Jerusalém. A sala actualmente visitável é de arquitectura gótica, mas segundo a tradição o jantar decorreu mesmo ali. Mais uma ironia da História: o cenáculo fica no primeiro andar do edifício, por cima de uma antiga sinagoga onde está, segundo a tradição judaica, enterrado o Rei David (mais um monumento virtual: o guia assegura-nos que, por baixo daquele pano de veludo vermelho e daquela capa de plástico grosso, transparente, há uma lápide). E este edifício fica, por sua vez, a poucos passos da bela (e moderna) Igreja da Dormição, onde se diz que a Virgem Maria terá morrido (muitos anos depois do seu filho).

Após a refeição ritual, em vésperas de ser crucificado, Jesus foi descansar com os seus discípulos em Getsemani, o Jardim das Oliveiras, no sopé do Monte das Oliveiras. Enquanto os outros adormeciam, Jesus afastou-se uns passos, sentou-se num rochedo e sofreu momentos de profunda tristeza e angústia perante o que o esperava. Hoje, ergue-se nesse lugar a Basílica da Agonia, cujos vitrais de alabastro pretendem (e conseguem) transmitir essa tristeza e essa angústia ao filtrar para o interior uma luminosidade glauca, explica o guia. Dentro da igreja, debaixo do chão de vidro, transparece o rochedo onde Jesus se terá sentado naquela noite. E no jardim ao lado, algumas das maravilhosas e velhíssimas oliveiras que hoje ainda subsistem bem poderão ter ouvido o pranto de Jesus e presenciado a sua prisão, naquela longínqua madrugada. Apresentado perante Pôncio Pilatos, governador romano da Judeia, na grande fortaleza que na altura estava paredes-meias com o Templo, Jesus acabaria, poucas horas depois, por ser levado a morrer na cruz.



A caminho do Gólgota

A Via Dolorosa - o caminho exacto que Jesus terá percorrido da fortaleza romana até ao Gólgota, local da crucificação - pode ser retraçada passo a passo com a ajuda de marcos que vão assinalando as estações de cruz. Boa parte desse percurso faz-se hoje pelas ruas cheias de lojinhas de roupa, comida, objectos religiosos, tascas - incluindo um HolyRock Café! -, do bairro muçulmano da velha Jerusalém (também ela dividida em sectores conforme a confissão religiosa: muçulmano, judeu, cristão, arménio). "Este é um dos maiores bazares do mundo!", exclama o guia, caminhando à nossa frente. Podemos pensar que Jerusalém não terá sido assim tão diferente naqueles tempos, com os seus escaparates de rua e o seu bulício quotidiano.  

De facto, o chinfrim comercial que nos acolhe, na manhã em que visitamos a velha cidade, permite imaginar outros gritos: os da multidão ao ver passar Jesus carregando a cruz, naquela mítica sexta-feira. Mas, mais uma vez, trata-se de mais uma notória encenação: "Os marcos da Via Dolorosa foram alterados há 200 anos", avisa o guia.

Seguindo o trajecto no sentido certo (o que não fizemos) atinge-se finalmente a Igreja do Santo Sepulcro, reconhecível pelo facto de uma das suas duas grandes portas (a da direita) se encontrar murada (e a chave da outra, como dissemos, na posse do Sr. Nuseibeh).

A sala principal em que penetramos poderia ser qualificada de cenário de pesadelo, talvez em parte devido à hora da nossa visita, com a penumbra que reina dentro da igreja ainda não totalmente dissipada. No meio de uma gigantesca e nua rotunda, bordeada de altíssimos arcos e coroada por uma cúpula, ergue-se um monumento sinistro, escuro, de arquitectura ilegível e, quem sabe, sujo da poeira dos séculos. Tem vários metros de altura e um terraço do qual emerge uma improvável torre.

Trata-se de uma interpretação, de um simulacro do jazigo, talhado na rocha, onde Jesus terá sido sepultado há 20 séculos, após o seu corpo sem vida ter sido depositado numa pedra, logo à entrada da igreja, e lavado, ungido e vestido com um sudário, conforme a tradição judaica. À porta da actual estrutura, um sacerdote ortodoxo grego controla com alguma impaciência o fluxo de visitantes. Aguarda-se na fila, entra-se num pequeno espaço, dizem-nos que a segunda divisão, a do fundo, é o túmulo onde Jesus terá jazido aqueles três dias, antes da sua Ressureição; volta-se a sair para dar lugar aos turistas seguintes.

Um pouco mais longe está o Gólgota, o Calvário. No tempo de Jesus, a parte da cidade velha onde nos encontramos neste momento situava-se fora das muralhas da cidade e era apenas um promontório rochoso. Um bom sítio para os romanos crucificarem os criminosos, faz notar o guia, bem à vista, destinado a intimidar quem chegava à cidade. Dentro da igreja, o Gólgota é hoje assinalado por um altar ortodoxo grego, sobrecarregado de ouro e prata, no centro do qual reina um grande Cristo na cruz. E por baixo do chão de vidro vê-se a tradicional rocha do suplício.


O escadote da discórdia

Novamente na rua, o guia aponta para a fachada da igreja, para um objecto insólito ao nível da janela direita, no primeiro andar. Um pequeno escadote de madeira encostado ao muro exterior. Ainda mais insólita é a sua história, emblemática das guerras santas e políticas que assolam há séculos esta região do mundo.  

Como vimos, o recinto do Santo Sepulcro é gerido principalmente pelas igrejas Ortodoxa Grega, Apostólica Arménia e Católica. Mas não só: também as igrejas ortodoxas Copta, Etíope e Síria partilham certas responsabilidades e controlam determinados espaços.

O direito de passar pelo território dos outros rege-se por complicadas regras, num status quo de "convivência" imposto pelos otomanos em 1767. 

Mas a coabitação das diferentes alas do cristianismo dentro do monumento ainda é, por vezes, violenta. Sem ir mais longe, em Novembro de 2008, 11 pessoas foram hospitalizadas quando num dia quente, um monge copta, que costumava estar sentado num sítio específico no exterior da igreja, deslocou a sua cadeira uns poucos centímetros para se pôr à sombra... O acto foi considerado como uma provocação pelos religiosos etíopes, que tinham o controlo do sítio abrangido pela mancha de sombra...

E o escadote? Está ali, no mesmo sítio, desde pelo menos 1852, ano em que o status quo foi oficializado! Como ninguém sabe quem lá o colocou, ninguém tem mexido nele desde então, para não criar um incidente diplomático. Um símbolo do impasse e das divisões da região que ostenta, com uma ironia de que só os deuses se poderiam lembrar, o nome improvável de Terra Santa.

A Fugas viajou a convite do exit.pt, com o apoio da Viva Tours

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