...Aguarda-se na fila, entra-se num pequeno espaço, dizem-nos que a segunda divisão, a do fundo, é o túmulo onde Jesus terá jazido aqueles três dias, antes da sua Ressurreição; volta-se a sair para dar lugar aos turistas seguintes...
O Sr. Nuseibeh é um homem extraordinariamente importante. E sabe-o. Membro de uma das mais antigas famílias muçulmanas de Jerusalém, é ele quem, todas as manhãs, abre as portas da Igreja do Santo Sepulcro (e quem as fecha à noite). Não fosse ele trazer a chave, os representantes das igrejas cristãs que tomam conta do monumento sagrado - Ortodoxa Grega, Apostólica Arménia e Católica - e de várias outras confissões cristãs que partilham este recinto não conseguiriam entrar no local preciso onde, rezam os Evangelhos, Jesus terá sido crucificado e sepultado.
"Há sete séculos que a minha família abre esta porta", diz-nos o Sr. Nuseibeh com uma calma satisfação. A esta hora matinal, este homem já na terceira idade está sentado num banco, à entrada da igreja, a ler o jornal, levantando-se de vez em quando para cumprimentar ou ser cumprimentado por quem entra e sai. "Abrimo-la todos os dias desde Saladino", acrescenta. Ou seja, desde que, em 1192, o célebre sultão da Síria e do Egipto reconquistou Jerusalém aos Cruzados.
Ironia da História? Talvez. Mas não é a única nesta cidade nem nesta região, cenários milenares de confrontos sangrentos entre as três grandes religiões do Livro - cristã, judaica, muçulmana - e de encenação constante, pelas igrejas cristãs, dos últimos 2000 anos de tradição religiosa.
De facto, quem visita a Palestina defronta-se imediatamente com um pequeno (grande) problema. Como desemaranhar a "tradição da fé" da verdade histórica? Claro que existem diversas maneiras de o resolver. Os peregrinos cristãos, por exemplo, não aparentam quaisquer dúvidas - é essa, afinal de contas, a essência da sua fé. Para quem acredita no Novo Testamento, Jesus nasceu aqui, cresceu acolá, foi baptizado naquele local, viveu noutro, pregou ali, fez milagres um pouco mais além, organizou a Última Ceia ali, foi preso exactamente naquele sítio pelos soldados romanos, foi crucificado nesta rocha e sepultado um pouco mais longe. O seu túmulo, o Santo Sepulcro, está vazio porque Jesus ressuscitou. A fé dos peregrinos mais devotos é tangível: tocam tudo, beijam tudo, acendem velas, prosternam-se, rezam com fervor. Para eles, a experiência mística pode ser verdadeira, total, essencial.