Fugas - Viagens

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Cerveira tem muitos segredos à espera de quem os descubra

Por Patrícia Carvalho

Tivéssemos ido sozinhos e muito do património da vila ter-nos-ia passado ao lado. Mas, acompanhados das pessoas certas, explorámos fortes e fortalezas, entrámos em moinhos recuperados, vimos o castelo e uma igreja que merecia melhor sorte. Há muito para ver em Cerveira.

O carro pára na beira da estrada e seguimos Marina por um caminho incaracterístico, entre eucaliptos. Afastamo-nos de uma poça de água, vemos um sofá velho que alguém atirou para ali e embrenhamo-nos um pouco mais entre a vegetação, que já não é só composta por eucaliptos, mas também por mimosas. A pequena fortaleza surge de repente, como um velho destroço saído de alguma bruma do passado. Está coberta de silvas e musgo e há uma porta que em tempos deve ter impedido o acesso ao interior, mas que agora jaz no chão, em frente ao arco quebrado que dá acesso ao interior.

A Atalaia — é este o seu nome — é um dos segredos escondidos de Vila Nova da Cerveira. Sem Marina Carvalho e Bruno Gonçalves nunca teríamos descoberto a construção defensiva, erguida no século XVII, por altura dos reinados dos Filipes, em Portugal (1580-1640). O espaço, escondido no meio do Monte da Nossa Senhora da Encarnação, não tem qualquer sinalética na estrada que indique a sua existência e, junto à construção de pedra, também não há sequer uma placa que nos diga o que estamos a ver. Mas temos Marina, que explica que a construção do imóvel terá acontecido “em 1632, na mesma altura do Forte de Lovelhe”.

E Marina também sabe onde é possível obter mais informação. Nas escadas de acesso ao interior da antiga fortificação, ela pára, arranca uma pedra solta da construção e mostra a embalagem de plástico com informações, uma pena azul e outros “tesouros”, que os praticantes de geocaching ali deixaram. O passatempo que permite que milhões de participantes descubram locais através das coordenadas de GPS e das caches ocultas (embalagens à prova de água com informações sobre o local em questão, muito bem escondidas e que é preciso encontrar) chegou à Atalaia e a muitos outros locais do concelho.

Passamos sob o arco quebrado, subimos os degraus e deparamo-nos com uma enorme faia, plantada no meio da fortificação. Não se vêem as suas raízes, porque a árvore — doente, como referem Marina e Bruno, apontando uma ferida no tronco — emerge de uma antiga cisterna instalada no centro da construção. Trepamos à muralha mas a vista não vai além dos eucaliptos e mimosas que nos rodeiam e provocam uma especial irritação em Marina. “Há vinte e poucos anos, estas árvores não existiam. Daqui via-se o rio Minho e a fortificação do outro lado, em Espanha”, explica a guia da cooperativa de desenvolvimento rural Elos da Montanha.

Marina lamenta-se de outras coisas. Há anos que a Elos da Montanha organiza percursos pedestres, percorre trilhos interpretativos ou organiza outras actividades em todo o Alto Minho, mas é em Vila Nova de Cerveira que a guia se queixa mais de alguma ausência de cuidado com o património. A Atalaia é um exemplo. O castelo, no centro da vila, é outro. O Forte de Lovelhe, mais um. Mas o Núcleo Interpretativo dos Moinhos da Gávea, onde começou o nosso passeio, é a excepção que foge à regra.

Os moinhos

Saímos do Hotel Minho, junto à Estrada Nacional 13, com o sol a acompanhar-nos. Vamos de carro (a tarde há-de dividir-se entre percursos a pé e trajectos de automóvel) até junto dos moinhos de água que se erguem a partir da estrada, ladeira acima, alinhados junto ao curso de água que não vemos ainda mas já ouvimos claramente.

Os moinhos em ruína foram recuperados com o apoio de fundos comunitários e são hoje geridos pela freguesia de Reboreda. No interior de cada um deles há pequenas maquetas coloridas que ajudam a perceber o ciclo de cultivo do milho e o do topo ainda funciona.

O espaço, associado ao parque de lazer que se encontra ao cimo da encosta, deixa o presidente da junta, Bessa Marinho, orgulhoso. Não só pelo trabalho de reabilitação realizado, que deixou os moinhos “muito parecidos com o que foram no passado”, como pela curiosidade que tem suscitado. “Isto aqui é muito frio em Dezembro e Janeiro, e nós queríamos fechar nesses meses, mas não nos deixaram. Vêm cá muitos espanhóis e disseram-nos logo ‘nem pense em fechar’”, diz.

Entramos em todos os moinhos, continuamos até ao parque, com uma queda de água que a chuva dos últimos meses fez crescer e olhamos para o muro que Marina aponta, nas imediações. “Ali há uma cache, mas ainda não me atrevi a meter as mãos naqueles buracos para descobrir onde está. Não sei que bichos sairiam dali”, diz, a rir.

Subimos e agora descemos. O chão está enlameado e coberto de restos de pinheiros recentemente cortados e cujos troncos se alinham junto à estrada. Atravessamos o asfalto e continuamos a descer. Não tarda a estarmos completamente rodeadas por loureiros, salgueiros e exemplares do carvalho-alvarinho. Sob os nossos pés há um verdadeiro tapete de folhas, ramos e musgo. O som da água a correr acompanha-nos e não tarda a que nos deparemos com outro pequeno curso de água. É preciso saltar a ribeira para chegar ao outro lado e pararmos a observar o azevinho, com as suas folhas pontiagudas nos ramos mais baixos e de rebordos lisos nos ramos mais altos. “As folhas mais baixas são recortadas e picam nas pontas por uma questão de defesa. Como as folhas mais altas estão fora do alcance, já não precisam de ser protegidas e são lisas”, explica Marina.

Do chão brotam agora flores amarelas, as primaveras ou prímulas, comestíveis e alegres. Há violetas selvagens mais à frente e um arbusto de gilbardeira. “Em Monção ainda aproveitam os galhos da gilbardeira para fazer vassouras, depois de secos”, diz a nossa guia. Mais uns passos, já com as botas cobertas de lama, e estamos num campo de cultivo. Dali a nada desembocamos junto a um cruzeiro de 1838, que Marina aponta, dizendo: “Os cruzeiros foram uma das coisas que a prática cristã teve de herdar da pagã. Eram colocados nas estradas e dizia-se que serviam para guiar as almas para o sítio certo.”

Bruno já nos espera no carro para nos levar até ao Monte da Nossa Senhora da Encarnação. Paramos junto à Atalaia, depois continuamos a subir, até ao Miradouro do Cervo.

Lá em cima, um grupo de espanhóis admira a vista e a escultura de José Rodrigues, que se tornou o símbolo mais conhecido do concelho. O rio Minho brilha sob o sol quente, com as ilhas dos Amores (onde o avô de Marina conheceu a esposa, conta ela), da Moega e da Morraceira bem visíveis. Do outro lado, a Galiza é um vizinho próximo. “Aquelas manchas verdes mais claras que se vêem nas encostas, estão a ver? São produções de alvarinho. Estão a fazer uma enorme aposta do lado de lá, mas a qualidade não é a mesma”, diz Marina, apontando para a outra margem do rio. Ali em cima, na montanha, o ar gela, mas só enquanto não começamos de novo a caminhar.

A guia leva-nos agora para trilhos que seguem pelo meio de arbustos que nos picam as pernas se não temos cuidado. Ali à frente, no trilho que só Marina parece ver, há uma parede que já serviu para fazer escalada e, uns passos depois, contornando as pedras altas e completamente escondido da estrada, está o Penedo dos Ninhos.

“Olhem para cima”, orienta Marina e, empoleirada num penedo redondo, levanto a cabeça. Ali por cima, a rocha encheu-se de um rendilhado feito de superfícies porosas, de buracos arredondados, como um desenho infantil de um queijo suíço. O vento rendilhou a pedra, criando cavidades naturais boas para albergar pássaros ou filtrar a luz. E assim nasceu o Penedo dos Ninhos.

O forte e o castelo

Quando nos fazemos de novo ao trilho o caminho é sempre a descer. Saltitamos entre pedras, já livres dos espinhos, passamos pelo antigo canal que costumava abastecer Cerveira de água e quando damos conta, com o sol cada vez mais baixo no horizonte, estamos no parque da Nossa Senhora da Encarnação. Não há ninguém sentado às mesas de piquenique, mas junto à capela fechada outro grupo conversa em galego, enquanto aprecia a vista.

Começa a escurecer lentamente quando chegamos ao Forte de São Francisco, mais conhecido como Forte de Lovelhe, por se situar nesta localidade. Aqui, junto ao portão aberto, há uma placa informativa sobre a construção militar, mas nem por isso o espaço parece menos abandonado. O pequeno forte, que faz lembrar uma miniatura da fortaleza de Valença, também está a ser tomado por silvas e musgo, há árvores no seu interior e a página da Internet do Instituto Português do Património Arquitectónico e Arqueológico confirma que o edifício, em vias de classificação, se encontra, desde o século XIX, “ao abandono”.

O forte, construído no século XVII, na mesma altura da Atalaia, acabou por ter pouco uso durante a Guerra da Restauração, mas Marina conta que teve um importante papel defensivo nas invasões francesas. “Diz a lenda que a mulher do responsável pelo forte mandou disparar o canhão durante a noite, na direcção de Espanha, e que isso assustou as tropas francesas, que decidiram recuar e tentar entrar por outro lado. Acabaram por fazê-lo em Chaves. Depois, como vingança, quando já cá estavam, rebentaram com o interior do forte e ele nunca mais foi recuperado”, conta.

A placa informativa é mais comedida. Diz apenas que o forte desempenhou um importante papel no avanço das tropas do general Soult. Não é preciso procurar muito, contudo, para descobrir que, em 1809, quando Soult tentava que as suas tropas atravessassem o rio Minho, foi recebido por disparos de canhão, que afundaram grande parte das embarcações, aprisionando os poucos soldados franceses que chegaram à margem de Vila Nova de Cerveira.

E, por falar em rio, é bem perto dele que ficamos agora. Ele corre muito perto do forte e o pequeno centro histórico de Vila Nova de Cerveira desce quase até às suas margens. Ao final do dia de sábado, a enorme feira semanal está já a desmontar-se e, entre os últimos clientes que por lá circulam, parece não ter restado um único português. Só se ouve galego, galego, galego. No rio, os pescadores da lampreia já regressaram à margem e fazem agora o descanso obrigatório até poderem regressar. Sobranceiro a tudo isto, o castelo da cidade, com as suas muralhas graníticas e construções brancas no interior, tem os portões abertos, mas está vazio de gente.

Classificado como Imóvel de Interesse Público, o Castelo de D. Dinis, como é conhecido — por ter sido este rei que, no século XIV o dotou da fortaleza que hoje ostenta — funcionou como Pousada de Portugal durante vários anos, até ter encerrado. A reconversão do espaço em pousada, em 1982, valeu ao arquitecto Alcino Soutinho o prémio Europa Nostra, mas em 2009 o espaço fechava portas e, dois anos depois, o grupo Pestana confirmava o seu encerramento definitivo, e entregava todo o património à Direcção-Geral do Tesouro e das Finanças.

A Câmara de Vila Nova de Cerveira não desistiu ainda de ficar com o castelo da cidade e tem organizado lá vários eventos — hoje, por exemplo, a partir das 22h30, há uma festa de Carnaval, de entrada gratuita —, na tentativa de o recuperar para os moradores. E ele bem precisa de uma nova vida, como se percebe quando espreitamos para o interior dos antigos quartos da pousada e nos deparamos com carpetes a apodrecer, cortinas onde já há manchas de caruncho ou lixo amontoado junto aos móveis.

Ainda assim, vale a pena passear pelos caminhos do castelo. Ver o pelourinho classificado como Monumento Nacional desde 1910, e que se encontra em frente à antiga cadeia e Paços do Concelho. Subir às muralhas e apreciar a vista em redor. Com sorte, talvez consiga espreitar também a Igreja da Misericórdia, no interior do castelo. Para isso, é preciso que lá vá ao domingo, altura em que as portas do templo se abrem para uma missa ao meio-dia.

Regressamos lá no domingo, quando a manhã ainda vai a meio, e somos atraídos pelo som da música que vem do interior da igreja. Experimentamos a porta e uma mulher de cabelos brancos faz-nos sinal para que entremos. A construção do século XVII tem um interior luminoso e cheio de cor. O tecto em madeira está pintado em tons de azul e junto ao altar não faltam exemplares de talha dourada e prateada. É uma pena a igreja estar quase sempre fechada.

No dia do passeio guiado por Marina e Bruno, regressamos ao hotel já sem a luz do sol. Já não é possível ver os montes que cercam a vila por quase todos os lados ou o rio que banha as suas margens. Pensamos em todas as freguesias que não espreitamos e nas coisas que só descobrimos porque alguém nos guiou pela mão. Nas obras de arte da Bienal que ficaram na vila e hoje decoram vários dos seus pontos e que só conseguimos ver de fugida. E pensamos que isto é terra de segredos bem guardados. E que não fazia mal nenhum se eles deixassem de ser segredo e se tornassem ponto de visita obrigatório para todos os que por lá passam.

O Hotel Minho reinventou-se e parece saído de um país nórdico

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A Fugas esteve alojada a convite do Hotel Minho

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