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    Joana dá conta dos últimos acertos na garoupa cozida Enric Vives-Rubio
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Boa Vista, a vida simples nunca saiu daqui

Por Rute Barbedo

Na Boa Vista de Cabo Verde, oásis seco entre águas mornas a receber estrangeiros com a morabeza de uma criança, mesmo que a vida mais simples seja a difícil.

Há coisas que ficaram “daquele tempo”, agora em latas de feijão Compal, em garrafas de cerveja Sagres, nas casas católicas onde o domingo é da família. Mas para lá “daquele tempo” ainda há outro: o do grogue, dos pastéis de milho e das tamareiras. Joana, mãe-avó-bisavó-mulher, dispõe o fenótipo da ilha da morna sobre uma bandeja: o doce pontche caseiro, pronto a escorrer para copos suficientemente pequenos. “Sou fraca de estômago, mas isto não me faz mal”, solta com confiança a filha, Carmelita. “Usamos isso até mesmo como medicamento, para curar gripes e dores de garganta”, ajuda o irmão, Djão, na magreza de quem corre aos 150 quilómetros pela ilha e pouco bebe.

 Neste instante, a Boa Vista – a ínsula cabo-verdiana mais próxima do continente africano – são ilhéus de garoupa numa travessa, a coser os últimos átomos junto à mandioca, à cenoura e à batata (a inglesa e a doce). Vida simples, esta em que uma lasca de peixe acabado de saltar do oceano põe a língua a pensar pelo corpo inteiro. Daqui a pouco chegarão as tias, alguma prima e, quem sabe, um vizinho. E o dia far-se-á de conversa, que aqui são como tâmaras – doces, densas e demoradas –, sem saber se o sol se lembrou de apontar as horas na terra árida.

Joana vive aqui desde sempre, fora alguns verões em Portugal. Não lhe sabemos a idade. Mas na Boa Vista pouco importa: há quem fique minutos a tentar lembrar-se dela… e nada. A família já foi, voltou, ficou, voltou a voltar e a ficar. Carmelita, por exemplo, já fez história aqui, na ilha de São Vicente, em Nápoles, em Roma e em Cascais. Tem “a vida dividida”. Djão também chegou a tentar a sorte além-ilhas. “Em Angola, na Europa…” Talvez pela ideia de horizonte ou de vista – que se julga sempre boa por nunca chegar a mais do que isso – poucos são os que nascem nos 620 quilómetros quadrados da Boa Vista (a terceira maior ilha crioula) e por lá deixam crescer as raízes. “Fomos sempre um país de emigração, à procura de uma vida melhor”, reconhece o nosso companheiro de dia, esse mesmo, Djão, debaixo do seu novo chapéu de palha, made in Boa Vista. E o que falta aqui para que se procure além? “Falta união entre nós, porque quem saiu e conheceu outra realidade depois não sabe conviver com a das pessoas que ficaram cá. Já não queremos ver a realidade do povo, que é uma vida simples. Nós, que saímos, é que temos tendência a complicar.”

A ilha-turismo

A vida da Boa Vista é sentada nas abas do passeio, a saltar acordes na guitarra e a sarrazinar que fazer uma catchupa “é rápido” e “não tem latim”, como nos diria mais tarde Maria do Carmo, habitante da Povoação Velha (o primeiro aglomerado populacional da ilha). Na etimologia cabo-verdiana, “rápido” equivale a três horas, o tempo de fogo na cachupa. Já para os europeus, que lideram grande parte da indústria hoteleira, a noção de velocidade é outra: em cinco anos, conseguiram fazer com que a ilha crescesse de pouco mais de 9000 residentes (os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística cabo-verdiano) para perto dos actuais 14 mil, segundo estimativas não oficiais.

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