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Wroclaw, 70 anos à procura de uma identidade europeia

Por Ana Gomes Ferreira

Foi polaca, checa, austríaca, alemã, polaca de novo. Foi uma cidade luminosa e multicultural do centro da Europa e foi uma terra intolerante. Há 70 anos, mudou de nome e pôs-se à procura de quem é: encontrou-se e quer prová-lo no ano em que é Capital Europeia de Cultura .

Vieram de todos os cantos da cidade dispostos a esperar ao frio de seis graus negativos. Uma, duas, três horas — o que fosse preciso. Chegaram para participar num espectáculo mas não só. A festa de rua com que Wraclaw inaugurou o seu ano como Capital Europeia de Cultura foi, em primeiro lugar, a afirmação de que a cidade sabe a que terra pertence. “Passámos 70 anos à procura de uma identidade. A nossa identidade é europeia”, disse o presidente da câmara, Rafal Dutkiewicz.

A frase não é um exercício de retórica no meio de um discurso oficial. Estamos numa terra que já foi polaca, que já foi checa, foi austríaca, prussiana, alemã, novamente polaca. Estamos numa terra que já foi católica, protestante, católica outra vez. Estamos no mundo pós-nazi e pós-soviético. Wroclaw (pronuncia-se “vraflof”) já teve mil vidas e mil identidades, e quer parar.

À festa de rua inaugural (no domingo, 17 de Janeiro) chamaram Despertares porque, explicaram os organizadores, a cidade acordou para a boa vizinhança, para a irmandade, para a unidade e coexistência em harmonia — para o espírito europeu, dizem. De quatro cantos da cidade chegaram cortejos simbolizando problemas ultrapassados (guerras, perseguições, destruição/reconstrução, catástrofes naturais, conflitos religiosos) que, na praça central, o Rynek, se uniram, despertando a cidade para um futuro criativo e de paz.

É irónico que Wroclaw apregoe a sua pertença comunitária num momento em que a comunidade europeia está em crise de identidade. É trágico que esta cidade no centro da Europa, que foi estratégica na encruzilhada de gentes e ideias, seja mais uma vez apanhada por uma batalha — a que o novo Governo ultraconservador, nacionalista, populista e eurocéptico da Polónia trava com a União Europeia.

O presidente de câmara Dutkiewicz não denuncia inquietação. Os grupos de jovens que batem os pés para espantar o frio gélido do fim de tarde argumentam que o passado não voltará a Wroclaw. Todos falam de uma cidade integrada, aberta, cosmopolita. “Se Wroclaw acordou para esta identidade, a Polónia também acordará”, diz Olga, professora universitária de 31 anos à espera do Despertares.

Mas à volta deles há demasiadas provas de que a História é errática, bélica e destruidora.

Na noite fria da abertura da Capital Europeia, uma atmosfera mágica envolveu o Rynek — haverá outras, ao longo do ano —, a antiga praça do mercado salpicada de igrejas góticas e casas típicas do barroco do Centro da Europa. Com as luzes apagadas, agigantam-se no escuro as silhuetas negras das torres das igrejas. E o rendilhado dos telhados dos edifícios parece flutuar quando as fachadas em cores pastel são iluminadas por um jogo de luzes de formas geométricas.

Pouco do que ali está é de origem. Há escassos 70 anos, o Rynek foi reduzido a escombros e toda a cidade, que se chamava Breslau e era alemã, uma ruína em chamas, esmagada pelos exércitos totalitários de Hitler e Estaline.

Como em todas as cidades do mundo, as ruas de Wroclaw são testemunhas de um mundo perdido. Mas em Wroclaw existe também um mundo escondido, como se a cidade e os seus habitantes tivessem vergonha do passado ou se a memória fosse demasiado dolorosa para ser recordada. Neste caso, as duas hipóteses são verdade.

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