Fugas - Viagens

Miguel Manso

Viagens ao espelho do Prémio Pessoa 2016

Por Andreia Marques Pereira

Em Março de 2010, falámos com Frederico Lourenço, professor universitário, tradutor, escritor e poeta, a propósito de viagens com o seu pai, M. S. Lourenço. No dia em que é anunciada a atribuição do Prémio Pessoa a Frederico Lourenço, recuperamos essas memórias e voltamos a viajar por Oxford, Innsbruck, Tomar e Sintra.

Eram tão parecidos que eram quase incompatíveis. Era como olhar para alguém que é o espelho do que fomos; como olhar para alguém que é o espelho do que nos poderemos tornar. Frederico Lourenço e M. S. Lourenço partilharam o laço filial, o rosto, os gestos, a voz. A profissão académica (durante anos na mesma faculdade: só depois da morte do pai Frederico Lourenço se “transferiu” para Coimbra, onde lecciona no Centro de Estudos Clássicos) e a “tentação” literária. Não partilharam muitas viagens. “Acho que tem a ver com a própria natureza da nossa relação. Era uma relação ao mesmo tempo de proximidade e de distância. De duas pessoas que ao mesmo tempo são tão parecidas que precisam de distância para coexistirem. E o problema das viagens é que não se pode fugir da pessoa com quem se está. E isso pode ser problemático."

Foi relativamente problemático, por exemplo, na viagem a Oxford, em 1997. A única viagem que pai e filho partilharam sozinhos. Tinham vivido em Oxford quando Frederico era criança. “O meu pai teve uma bolsa em 1965 para ir para Oxford estudar, depois de ter feito cá o curso de filosofia. Não podia ter emprego em Portugal por razões políticas." Ficaram oito anos em Inglaterra e, nesse Verão de 1997, foram “revisitar” a vida passada. Uma semana em que tomavam o pequeno-almoço juntos, almoçavam e jantavam. “Os meus pais separaram-se logo a seguir ao 25 de Abril e eu não estava assim tanto tempo com o meu pai, não estava muito habituado a ter essa relação de quotidiano. Normalmente encontrávamo-nos de 15 em 15 dias, jantávamos ou almoçávamos. Mas assim, todos os dias, foi um bocado desgastante."

Passearam pela cidade, visitaram os monumentos, os parques, as várias casas onde tinham vivido. “Sobretudo fizemos muitos passeios a pé, era muito o género do meu pai”, lembra Frederico Lourenço. “Na altura, eu estava ainda a fazer o doutoramento e o meu pai fazia muitas perguntas sobre o que é que estava a fazer. Lá ia respondendo, mas não me apetecia muito elaborar… Porque também não sabia muito bem o que estava a fazer e não queria dar parte de fraco”, graceja. Do seu ponto de vista, confessa, a viagem não correu muito bem. A relação com o pai “era um bocado tensa” e nessa viagem ao estrangeiro a proximidade foi excessiva.

Quatro anos depois, em 2001, nova viagem em conjunto, a Innsbruck. Mas, dessa feita, o imperativo não foi o de viajarem os dois. “Foi uma viagem traumática”. O pai, que se tinha voltado a casar com uma austríaca, teve uma outra filha, que morreu de leucemia em 2001. Tinha 20 anos. “Essa nossa viagem foi mesmo no fim da doença dela… Depois foi o funeral…”. Curiosamente, nota Frederico Lourenço, as circunstâncias ajudaram a que a relação de ambos nessa viagem fosse muito melhor do que na anterior. “Acabámos por nos solidarizar mais. Apesar de tudo, guardo lembranças melhores, mesmo do contacto com o meu pai, dessa viagem à Áustria”. Teve a experiência “rara” de viver debaixo do mesmo tecto do pai e, mais uma vez, muitos passeios. “Era muito o esquema dele, dar passeios. No fundo, lidar com a vida e com a relação com as pessoas dessa maneira peripatética. Estar sempre a andar."

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