Fugas - Vinhos

Paulo Ricca

Grandes vinhos finos do mundo em prova monumental no Douro

Por Pedro Garcias

O que acontece quando se juntam alguns dos melhores produtores de vinhos de Portugal, Espanha, França, Áustria e Alemanha? Uma degustação memorável, uma experiência arrebatadora, testemunha Pedro Garcias. Porto Colheita antigos, Champanhe exclusivo, grandes de Borgonha, delicados Riesling do Mosela e Danúbio, tintos de autor de Telmo Rodriguez, inebriantes Alvarinho do Soalheiro...

A Quinta de Nápoles, da Niepoort, foi palco, a 29 e 30 de Abril, de uma monumental prova de vinhos finos do mundo que juntou no Douro alguns dos melhores produtores de Portugal, Espanha, França e Áustria e inúmeros jornalistas nacionais e internacionais. Durante dois dias, centenas de pessoas de vários países com grande influência no negócio do vinho puderam tomar contactos com a galáxia de vinhos a que Dirk Niepoort está ligado, quer como produtor, quer como parceiro (Baga Friends, Douro Boys), quer como importador/distribuidor no âmbito da Niepoort Projectos.

A FUGAS assistiu à primeira parte da iniciativa Another Big Day, preenchida com a prova de alguns vinhos da Niepoort, Soalheiro, R&L. Legras (Champanhe, França), Schloss Gobelsburg (Kamptal, Áustria), Jean Marc Pillot (Borgonha, França), Domaine Roulot (Borgonha, França), Domaine Armand Rousseau (Borgonha, França), Fritz Haag (Mosel-Saar-Ruwer, Alemanha) e Telmo Rodriguez (Espanha).

Ao longo de algumas horas, e provando lado a lado com os produtores dos vinhos, mergulhámos no fascinante mundo dos Porto Colheita antigos, do Champanhe exclusivo, dos grandes brancos e tintos da Borgonha, dos delicados Riesling do Mosela e do Danúbio, dos tintos de autor de Telmo Rodriguez e dos inebriantes e frescos Alvarinho da quinta do Soalheiro. Com vinhos tão diferentes e tão bons, a experiência só podia ser arrebatadora. Dirk Niepoort voltou a brilhar e a marcar pontos na sua afirmação como grande embaixador do vinho português e até da sua gastronomia (as refeições foram preparadas pelos chefes Vítor Claro e Rui Paula). Confira o essencial de uma grande degustação.

Nove grandes vinhos

Niepoort Colheita 186
Dirk Niepoort abriu a prova em grande, servindo cinco Niepoort Colheita (vinhos de um só ano) longevos: 1937,1934, 1912, 1900 e 1863. Cinco vinhos extraordinários e difíceis de pontuar. Dizer que um é melhor do que o outro é quase uma heresia. São todos bons, embora os mais velhos provoquem sempre maior emoção. Apesar dos anos que os separam, é possível descobrir em quase todos eles o mesmo padrão, o mesmo predomínio das notas amargas de cacau e café, a mesma austeridade e frescura. O único que foge um pouco a esse estilo Niepoort é o colheita 1863, um vinho produzido antes da chegada da filoxera ao Douro. É um Porto que, até pela idade, mostra algumas semelhanças com os Madeira velhos, apesar de ser menos salgado. Já tem quase um século e meio de vida e ainda parece ter outro tanto pela frente. Menos doce do que os Tawny antigos, é um vinho viscoso mas de grande elegância, subtileza e austeridade, cheio de notas quentes (frutos secos, torrefacção, cacau) e com um final fresco e interminável. Com exemplares destes, o vinho do Porto será sempre um dos grandes vinhos do mundo.

Jean Marc Pillot Chassagne-Montrachet 1er Cru Morgeot 2002
Este produtor da Borgonha podia servir de caso de estudo para uma discussão sobre a moda actual (pelo menos em Portugal) da maturação perfeita nos vinhos. Também ele cavalgou essa onda, mas depressa fez marcha-atrás, quando verificou que os vinhos não estavam a envelhecer tão bem. Regressou aos métodos clássicos e minimalistas do progenitor, apostando numa viticultura mais limpa e usando apenas leveduras indígenas, e os seus vinhos brancos voltaram a ganhar um lugar de destaque na Borgonha. Ao Douro, Jean Marc Pillot levou três vinhos. Um deles não estava bom (rolha contaminada), mas valeram os outros dois (Chassagne-Montrachet 1er Cru Les Caillerets 2007 e Chassagne-Montrachet 1er Cru Morgeot 2002), em especial o segundo, um branco de Chardonnay. Grande prova de boca, com uma bela textura amanteigada, muita finesse e excelente mineralidade.

Armand Rousseau Chambertin Clos de La Roche Grand Cru 2008
É um dos lendários domaines da Borgonha, só superado pelo mítico Domaine de la Romané Conti, embora haja quem prefira os tintos produzidos pelo primeiro. Dos seus 13,5 hectares saem alguns dos melhores vinhos tintos (de Pinot Noir) do mundo. O Chambertin Gran Cru (que custa mais de 300 euros cada garrafa das colheitas mais novas) é um deles. Não tivemos a sorte de o provar, mas qualquer enófilo já se pode dar por feliz quando tem a oportunidade de beber, como foi o caso, um Chambertin Clos de La Roche Grand Cru 2008 (custa 113 euros). Um Pinot Noir que é puro veludo, complexo, fino, mineral e de rasto longo.

Fritz Haag Riesling Auschlese 1994
Um dos grandes produtores de Riesling da região alemã de Mosel-Saar-Ruwer. Os seus vinhos destacam-se pela elegância e delicadeza. Foram quatro os Riesling em prova; um seco (Trocken 2009) e três mais doces (Spätlese 2004, Auschelese 2001 e Auschlese 1994 Goldkapsel). Deslumbrantes os mais doces. Porém, nenhum expressa como o Auschelese 1994 Goldkapsel o carácter eterno dos Riesling do Mosela, com a sua doçura delicada e acidez apaziguadora.

Telmo Rodriguez Lanzaga Tinto 2008
Forma com Raul Pérez a dupla de enólogos mais badalada de Espanha. Como Dirk Niepoort, faz vinhos em várias regiões espanholas e também já teve a sua incursão no Douro. O seu maior mérito foi ter recuperado o Moscatel de Málaga para o galarim dos melhores vinhos doces do mundo. Desta vez, só deu a provar vinhos tranquilos, três tintos (Rioja, Castilla-León, Ribera del Duero) e um branco de Rueda. O que mais impressionou foi o Lanzaga 2008, um Rioja de perfil clássico, muito contido de aroma mas com uns taninos incisivos e uma frescura que proporcionam uma prova de boca gloriosa.

R&L. Legras Saint Vincent 1996
Depois de Porto, nada melhor do que champanhe. A casa R&L. Legras não é das mais conhecidas dos portugueses, mas basta dizer que é a embaixadora do maior número de restaurantes com estrelas Michelin em França para se perceber do que estamos a falar. Em prova estiveram os R&L Legras Brut NV (sem data de colheita), Evanescense 2002, Saint Vincent 2000, Presidence 2002 e Saint Vincent 1996. Se nos mais novos imperam as notas de limão, maçã verde e de leveduras, nos mais velhos o que sobressai são os aromas mais evoluídos (panificação, algum petrolado), a complexidade de boca, a secura e frescura finais. Magnífico o R&L. Legras Saint Vincent 1996. Volumoso, intenso, fino, fresco e longo.

Schloss Gobelsburg Riesling Tradition 2005
Situada na região de Kamptal, banhada pelo rio Kamp, um afluente do Danúbio, a casa Schloss Gobelsburg é um dos mais antigos produtores da Áustria. Provaram-se os Schloss Gobelsburg Grünner Veltliner Renner 2009, Riesling Heiligenstein2009, Riesling Heiligenstein 2004, Riesling Tradition 2005 e TrockenBeerenauslese 2008. Formidável este último, um vinho que equivale à mais alta categoria dos vinhos doces austríacos, feitos com uvas excessivamente maduras e/ou atingidas pelo fungo da podridão nobre. Porém, é impossível não destacar os Riesling Heiligenstein 2004 e Tradition 2005, ambos de grande riqueza de aroma (fumados, mel) e sabor e com uma acidez pungente e sedutora que origina uma sensação de frescura deliciosa.

Domaine Roulot Meursault 1er Cru Bouchéres 2004
É considerado por muitos críticos o melhor produtor de brancos da Borgonha, e isso diz tudo sobre os seus vinhos, sabendo-se que alguns dos melhores brancos do mundo são feitos nesta região francesa. São apenas 10,2 hectares de vinhas, tratadas de forma orgânica, que valem ouro. A intervenção na adega é mínima, tal como o uso de madeira nova. O que predomina é o terroir e os vinhos de Chardonnay que este origina são muito minerais e frescos, secos e complexos, nervosos e longos. Provaram-se três (Meursault Meix Chavaux 2008, Meursault Les Luchets 2007 e Meursault Bouchéres 2004), todos extraordinários, em particular o último.

Soalheiro Alvarinho Reserva 2009
Dirk Niepoort apresentou Luís Cerdeira, da Quinta do Soalheiro, como o melhor produtor de vinhos brancos de Portugal. Pode não ser o melhor, mas há poucos que façam por cá vinhos tão bons e tão consistentes. O confronto com os vinhos da Borgonha foi inevitável e estes saíram a ganhar. Mas o Soalheiro Alvarinho Primeira Vinhas (de 2010 e de 2007) e o Soalheiro Alvarinho Reserva 2009, sobretudo este, estiveram à altura do desafio.

Niepoort | Projectos

--%>